Presidente da Câmara cria nova Comissão para avaliar PEC 215. O Projeto
coloca em risco a criação e manutenção de Terras Indígenas e demais
unidades de conservação, as melhores ferramentas conhecidas de
preservação ambiental
Com repressão policial, indígenas foram impedidos de entrar no Congresso
para acompanhar a reunião da Comissão Especial da Câmara que votaria
a
PEC 215, no final do ano passado. (© Wenderson Araújo/Greenpeace)
Através de um Ato da Presidência, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o novo
líder da Câmara, que é filiado à Frente Parlamentar Agropecuária,
reabriu a Comissão Especial destinada a avaliar e proferir parecer sobre
a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. O projeto transfere do
executivo, para o legislativo a competência para criar e revisar a
validade de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Territórios
Quilombolas, o que, na prática, inviabilizaria novas demarcações e
colocaria em risco as já existentes.
“A rápida retomada da Comissão, e da proposta, é um indicativo claro
de que a nova bancada conservadora do Congresso está comprometida com o
agronegócio e, motivada pelos interesses de latifundiários, tenta
impedir novas demarcações e rever as já realizadas, para garantir a
expansão do agronegócio no Brasil”, afirma Danicley de Aguiar, da
campanha Amazônia do Greenpeace.
A PEC 215 foi arquivada em novembro do ano passado, depois que o
relatório final, apresentado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), não foi votado até o final da legislatura.
Com a reabertura da Comissão, um novo relatório deverá ser elaborado
por outro parlamentar (a ser definido), debatido e votado. Só depois
seguiria adiante no parlamento.
Vale ressaltar que no ano passado o Ministério Público Federal (MPF) e
a Polícia Federal investigaram ruralistas por interferência indevida na
tramitação do projeto. Por meio de interceptações telefônicas, o MPF
descobriu que o líder de uma associação de produtores rurais planejava o
pagar R$ 30 mil ao advogado Rudy Maia Ferraz, ligado à Confederação
Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), para que este elaborasse o
parecer que Serraglio apresentou, em novembro, na Comissão Especial. Na
época, a Justiça Federal em Mato Grosso considerou que os fatos
representavam “um desvirtuamento da conduta do parlamentar”.
Jogos de interesses vorazes
APEC 215 traz uma ampla gama de exceções ao direito de posse e
usufruto das terras por parte dos povos tradicionais, além de
inviabilizar novas demarcações e legalizar a invasão, a posse e a
exploração de Terras já demarcadas. O projeto transfere, ainda, do
Executivo para o Legislativo a prerrogativa de aprovar a oficialização
de TIs, UCs e territórios quilombolas e adota a data de promulgação da
Constituição (5/10/1988) como “marco temporal” para comprovar a posse
indígena. Ou seja: a comunidade teria direito à terra apenas se puder
demonstrar que ocupava o território nessa data.
O projeto tem sido ferrenhamente defendido pela chamada bancada
Ruralista no Congresso. Em entrevista à TV Câmara, concedida no último
dia 26, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), um dos coordenadores da
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), afirmou que a proposta visa,
na verdade, tirar os povos indígenas da “miséria”, mas respeitando os
índios “diferenciados”.
Uma análise sobre o financiamento das campanhas e a atuação
de parte dos parlamentares que compuseram a última Comissão Especial na
qual a PEC tramitou, porém, revela que não é exatamente o interesse
público que move o grupo. Os principais articuladores da PEC 215 tiveram
suas campanhas financiadas por doações de empresas ligadas ao
agronegócio e à mineração, grandes interessadas em dificultar a
demarcação de novas áreas protegidas. Nesta nova legislatura não vem
sendo diferente. Eduardo Cunha, por exemplo, filiouse a FPA dias antes
de ser eleito presidente da Câmara dos deputados.
“Eles vem assumindo um falso discurso de preocupação com a
sobrevivência dos povos indígenas, ao invés de dizerem seus reais
interesses para o povo brasileiro. Se eles querem mais terras, que o
digam!”, provoca Danicley. “O que não podemos é aceitar que o parlamento
seja usado para enganar a sociedade a respeito da importância de
reconhecer e demarcar os territórios dos mais de 200 povos indígenas que
sobreviveram ao massacre realizado pela expansão agropecuária no País”,
completa.
A PEC 215 coloca em risco a sobrevivência das populações tradicionais
e do próprio meio ambiente, já que as Terras Indígenas e demais áreas
protegidas são comprovadamente um dos mecanismos mais eficientes para
manter as florestas em pé. Mas coloca em dúvida também a seriedade com
que o Brasil é governado. Serão sempre os interesses do grupo forte e
rico, sobrepondo-se ao direito a terra e a vida? É este o Brasil que
queremos?
O que os deputados Eduardo Cunha, Valdir Colatto e seus pares não
entendem, ou não querem entender, é que viver na floresta não é o mesmo
que ser miserável. Pelo contrário, e saber vivenciar toda a riqueza da
Terra.
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