Após reunião com o secretário-executivo do MMA, representantes dos
povos tradicionais e pequenos agricultores temem aprovação apressada do
PL 7.735
“Esse Projeto de Lei tramitou rasgando nossos direitos.
Esse PL corta uma série de conquistas históricas”. Esse era o tom dos
representantes dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e
Agricultores Familiares do Brasil após a reunião da sexta-feira passada
no Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o secretário-executivo
Francisco Gaetani. O encontro tratou do Projeto de Lei nº 7.735, que
prevê regulamentar o acesso, a exploração econômica e a repartição de
benefícios da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, como
também dos conhecimentos tradicionais associados. O PL foi aprovado na
Câmara dos Deputados e segue para o Senado em regime de urgência.
Segundo os representantes – Joaquim Belo, presidente do
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Marciano Toledo da Silva,
membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA) e Puyr Tembé, da APIB –, o projeto que pretende anular e
restringir direitos de povos tradicionais e pequenos agricultores foi
formulado a portas fechadas, excluindo-os do processo de elaboração. A
falta de debate ou consulta é uma clara violação à Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Convenção da Diversidade
Biológica (CDB) e também à Constituição Federal.
Curiosamente, sua formulação excludente contradiz o que diz
o próprio texto. O PL prevê, no art. 8º § 1º e no art. 10º incisos III e
IV, que os povos/comunidades precisam ser consultados quanto ao uso
sustentável e repartição de benefícios sobre seus conhecimentos
tradicionais associados.
Uma coletiva de imprensa foi organizada em frente ao MMA
após a reunião, dando voz à comissão que repudia o PL. “O pedido que
fizemos ao secretário é retirar o status de urgência da tramitação”,
explicou Toledo. Segundo ele, o formato do texto não permite grandes
mudanças: “há muitas brechas para que nossas demandas não sejam
contempladas. Ficamos decepcionados”.
Coletiva de imprensa do lado de fora do MMA com os representantes dos
povos tradicionais e pequenos agricultores. Com a voz, Marciano
Toledo
(© Alan Azevedo / Greenpeace)
Atendendo aos interesses dos setores farmacêuticos, de
cosméticos e do agronegócio, o PL expropria a biodiversidade e
conhecimentos seculares dessas comunidades e ameaça programas sociais
para a segurança e soberania alimentar. Um exemplo claro é a
descaracterização das sementes crioulas, sementes orgânicas
desenvolvidas por pequenos agricultores após muitas trocas e
experiências. “O texto diz que o Estado vai definir o que é semente
crioula, ou seja, desconstruir um trabalho nosso de gerações”, explica
Belo, que continua: “Políticas públicas como o PAA [Programa de
Aquisição de Alimentos] e o PNAE [Programa Nacional de Alimentação
Escolar] estão em risco, sendo que elas garantem o sustento de muitas
famílias produtoras”.
Para a índia Puyr Tembé, liderança do Povo Tembé do Pará,
esse ataque violento e reducionista é mais um sinal de que o Governo
brasileiro não tem olhos para os povos tradicionais. “Essa Casa não vai
ficar em paz. Estaremos aqui toda semana!”, prometeu.
“Muito interessado”
Após a coletiva, o secretário-executivo do Ministério do
Meio Ambiente Francisco Gaetani e sua equipe receberam os jornalistas
para esclarecimentos.
Perguntado por que os povos tradicionais e os agricultores
familiares foram excluídos do desenvolvimento do PL, o secretário disse
que “houve participação, houve conversas, mas não com a frequência que o
pessoal gostaria”.
Para Danicley Aguiar, coordenador da campanha de Amazônia
do Greenpeace Brasil, “não se pode tolerar que um governo tenha dois
pesos e duas medidas em relação a participação popular”. Ele explica
que, quando interessa ao governo, como na construção do novo marco
regulatório da comunicação, “mobiliza-se céus e terras para garantir
diferentes posições; mas, ao mesmo tempo, se ignora solenemente as vozes
do povo quando o tema é a agenda ambiental”.
Sobre o regime de urgência, Gaetani afirmou que o pedido
foi feito em junho pelo setor privado, “muito interessado no projeto”, e
desde então o PL tramita velozmente pelos plenários. “A ministra [do
MMA, Izabella Teixeira] conversou com o Renan Calheiros [presidente do
Senado] sobre a importância do projeto, mostrando o apoio do Ministério.
O PL é encorpado, robusto e deve ir pra frente”.
Secretário-executivo do MMA, Francisco Gaetani
atende imprensa para
esclarecer o PL 7.735 (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Protocolo de Nagoya
No entanto, para Gaetani, o texto deve ser aprimorado. O
secretário-executivo ressaltou que ele contém dois pontos muito
importantes para o governo: um diz respeito às competências do Ibama e, o
outro, ao Protocolo de Nagoya, acordo internacional sobre o acesso a
recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios de
sua utilização, do qual o Brasil não faz parte.
“Para destravar Nagoya, precisamos da legislação nacional.
Então é necessário que a legislação nos dê conforto para avançar nessa
questão”. Os países que assinam o Protocolo de Nagoya se obrigam a
respeitar mutuamente o direito uns dos outros. No entanto, segundo
Gaetani, “nossas leis internas ainda não são suficientes para
incorporarmos o País no Protocolo”. E completou: “o Brasil vai ser um
dos grandes beneficiários do acordo, graças a lei internacional de
repartição de patrimônio. Todos vão ganhar”.
No
entanto, fica claro que alguns já começaram perdendo. “O Congresso não
foi criado para atender ao interesse do setor privado, mas sim ao do
setor público”, explica Danicley. Da mesma forma que outros temas
nacionais são atropelados pelas demandas do setor privado, como o Código
Florestal, o Código de Mineração e a construção de hidrelétricas na
Amazônia, a aprovação desse PL mostra uma vez mais a força que as
empresas privadas exercem tanto no Poder Executivo como no Congresso
Nacional.
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