Wednesday, September 28, 2022

Cercados por 300 mil bois, lideranças Karipuna pedem socorro a União Europeia

Jorge Eduardo Dantas  

Lideranças cumprem em Brasília (DF) agenda de reuniões junto a embaixadas de vários países

Representantes de 16 países participaram do encontro com os Karipuna na embaixada da União Europeia. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Brasília (DF) – “Estou preocupada com o futuro. Estamos cercados por grileiros e desmatadores. O estado brasileiro não cumpre seu dever de proteger nossas terras. Viramos reféns em nosso próprio território”. É dessa maneira que Katiká Karipuna, anciã do povo Karipuna, de Rondônia, resume a situação de seus parentes nos dias atuais. Ela, assim como outros doze integrantes da etnia, estão em Brasília (DF) desde o início da semana levando seu pedido de socorro a diversas autoridades do Brasil e do exterior.

Na agenda do povo Karipuna, estão compromissos com embaixadas de oito países – como Espanha, França, Alemanha e Suíça – assim como encontros com a embaixada da União Europeia e com o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU).

As lideranças estão entregando aos embaixadores uma carta, intitulada “Pedido de Socorro” e solicitando que a União Europeia não compre produtos oriundos do desmatamento da Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas. 

Cobrar providências

“Estamos pedindo socorro e estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias em diversos órgãos brasileiros, mas o Estado não cumpre seu dever de proteção territorial, de proteger nossas terras”, queixou-se o cacique do povo, André Karipuna, aos embaixadores.

“Por isso pedimos a vocês que cobrem do governo brasileiro providências contra os grileiros, os madeireiros e pescadores que invadiram nosso território. Estamos vivendo quase uma guerra. Recebemos ameaças de morte o tempo inteiro. São essas pessoas aqui que vocês estão vendo que estão sofrendo no território”, disse a liderança.

André lembrou ainda da responsabilidade que os outros países têm no combate ao desmatamento e no suporte aos direitos dos povos tradicionais: “Boa parte do que sai aqui do Brasil – ouro, madeira, soja – e chega em outros países sai daqui com manchas de sangue indígena. Então quando vocês fizerem acordos comerciais com o Brasil, com empresas brasileiras, se perguntem de onde sai aquele recurso, de onde ele vem. Muito do que chega à mesa de outros países tem sangue indígena do Brasil.”

O cacique André Karipuna entregou ao embaixador da União Europeia Ignacio Ybáñez uma carta chamada “Pedido de Socorro”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Sem dormir

A delegação Karipuna que está em Brasília hoje é diversa. Possui desde pequenas crianças até dois anciões que estão entre os cinco sobreviventes dos primeiros contatos que os Karipuna fizeram com os não-indígenas na década de 70.

Além de Katiká, outro sobrevivente deste período é Arypã Karipuna. “A gente não consegue mais dormir à noite, porque a impressão que temos é de que seremos expulsos do território a qualquer momento. Nos ajudem a combater as invasões – nossos peixes, nossa castanha, está tudo sumindo”, disse Arypã na reunião ocorrida na embaixada da Espanha.  

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar, o fato desses anciões – que mal falam português e pouco saem de sua aldeia, além de já estarem com a saúde debilitada – virem a Brasília se encontrar com os embaixadores mostra o grau de desespero do povo Karipuna.

A Europa discute hoje uma lei anti-desmatamento que pode ter impactos profundos nas florestas brasileiras. Então precisamos fazer essa conversa, precisamos pedir da União Europeia uma legislação rígida que não abra mão dos direitos indígenas. É dever de todos nós não naturalizar a violência contra esses povos e garantir que ela seja combatida em todos os fóruns e de todas as maneiras possíveis”, disse Danicley. 

A reunião na embaixada da União Europeia, ocorrida na quarta (21), contou com a presença do embaixador Ignacio Ybáñez, que falou sobre a lei anti-desmatamento: “Essa lei é muito importante para nós, pois ela vai estabelecer regras e vai justamente nos dar condições de cobrar os governos. Estamos comprometidos em ter regras comerciais que garantam em território europeu produtos sem trabalho escravo, sem destruição de florestas e sem exploração de territórios indígenas – e que também ajudem a combater as mudanças climáticas aqui e no resto do mundo”.

O encontro na embaixada da União Europeia contou com a presença de três embaixadores – da Holanda, Irlanda e Malta – e representantes de outros 16 países como Itália, Dinamarca, França, Bélgica, Polônia e Finlândia.

André Karipuna: “Estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias e o estado não protege o nosso território”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Recente contato

O povo Karipuna é um povo de recente contato. Suas primeiras interações com os não-indígenas ocorreram na década de 70. Eles foram quase dizimados e chegaram a ter apenas 8 indivíduos. Hoje, eles somam 61 pessoas. A Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1998 com 153 mil hectares. Mas, de lá pra cá, o governo brasileiro pouco fez para garantir sua proteção e integridade. Como resultado, ela foi invadida de maneira massiva, principalmente nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro. Os indícios de que por ali existem dois povos isolados tornam aquela área ainda mais frágil e especial.  

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a TI Karipuna foi a nona terra indígena mais desmatada do Brasil entre 2015 e 2021 – com 4,7 mil hectares de floresta devastadas. Estimativas dão conta que 300 mil bois pastam ao redor do território. Por conta das ameaças e do clima de violência, os povos indígenas não circulam por ali: eles vivem acuados e utilizam apenas 1% de sua área.  

A abertura de ramais, a construção de pontes clandestinas, a abertura ilegal de pastagens e o estabelecimento irregular de plantios são alguns dos problemas da TI Karipuna. As ameaças às lideranças também são comuns – ano passado, uma ponte de acesso a uma aldeia chegou a ser destruída pelos invasores, que também já bloquearam estradas, impedindo que uma equipe de saúde indígena realizasse atendimentos.  


Friday, September 16, 2022

Lei anti-desmatamento é aprovada pelo Parlamento Europeu

Greenpeace Brasil 

 Nova legislação irá aumentar o controle sobre os produtos ligados ao desmatamento e violações socioambientais. A lei também vale para os países da própria UE

Área desmatada no município de Barreiras, no Cerrado do oeste baiano. Nova legislação da UE protege parte do Cerrado, mas ignora as regiões do bioma com vegetação mais rasteira. © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Nesta terça-feira (13), o Parlamento Europeu aprovou uma nova lei anti-desmatamento para a União Europeia (UE), com o objetivo de controlar a entrada de produtos ligados à destruição de florestas e violações dos direitos humanos em áreas de floresta ao redor do mundo.

Para o Brasil, a medida ajudará a fechar as portas do mercado internacional para desmatadores e violadores dos direitos humanos, enquanto traz mais segurança para as empresas que produzem sem desmatamento e de forma responsável.  

Atualmente, a UE é responsável por 16% do desmatamento de florestas tropicais ligado a commodities comercializadas internacionalmente, como carne, óleo de palma ou soja.

Uma pesquisa realizada nos países da UE mostrou que 82% dos entrevistados acreditam que as empresas não devem vender produtos que destroem as florestas do mundo, enquanto 78% acreditam que os governos deveriam proibir produtos de áreas desmatadas. A legislação foi uma resposta ao desejo da sociedade, que não quer fazer parte da destruição. 

“Ninguém quer ter que se preocupar se o supermercado onde faz a compra da semana está ligado à morte e à destruição, e a votação dessa lei é um grande passo para quebrar esse vínculo. Com apoio público esmagador e agora apoio também político, a única coisa que está no caminho de erradicar a destruição de florestas e abusos de direitos humanos do mercado da UE são os governos que encobrem as empresas que se recusam a limpar suas cadeias”, disse Sini Eräjää, porta-voz da campanha de florestas do Greenpeace na União Europeia. 

Como pontos fortes, a lei aprovada inclui uma lista ampla de commodities e produtos, que inclui óleo de palma, soja, café, cacau, gado e madeira. Durante as negociações para a votação, entraram também a borracha, milho e outros tipos de animais, como suínos, ovinos, caprinos e aves. É importante ressaltar que as regras também valem para os próprios países da UE, onde a exploração de madeira em áreas naturais é um grande problema. Esse deve ser um ponto de pressão para que seja enfraquecido por ministros do parlamento europeu de países como Finlândia e Suécia. 

O texto aprovado trouxe outras importantes atualizações, como definições mais robustas de desmatamento e degradação florestal, que garantirão maior proteção das florestas contra a expansão agrícola e práticas destrutivas de extração de madeira, proteção mais forte dos direitos humanos, especialmente os direitos dos povos indígenas e comunidades locais, e a inclusão de instituições financeiras europeias entre as empresas que serão fiscalizadas. Com isso, as carteiras de investimento destes bancos terão que fazer o trabalho de diligência prévia, ou seja, um processo robusto de verificação para comprovar que não existe ligação do financiamento a projetos e empresas que promovem a destruição de florestas.

E o Brasil com isso?

Uma das medidas estipuladas na nova lei é a necessidade de rastreabilidade dos produtos da fonte até o destino final, um dos grandes problemas da carne e da soja brasileira, onde as empresas ainda se arrastam para cumprir suas promessas de zerar o desmatamento das cadeias produtivas. Na votação, foi mantida a necessidade de fornecer a geolocalização da área de produção do produto comercializado. 

A falta da  rastreabilidade total (de ponta a ponta) das cadeias favorece, por exemplo, a entrada de gado irregular na cadeia. Isso acontece porque o animal pode passar por diferentes fazendas ao longo do seu crescimento, e algumas delas podem apresentar desmatamento e/ou violações de direitos humanos. Mas, na hora da venda, o processo é realizado por uma fazenda regularizada. 

Apesar do governo brasileiro ter questionado a legislação sob o argumento de que a lei não traria benefícios ambientais, violaria as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e traria impactos sociais, sabe-se que esforços para mitigar a crise climática são necessários e, além disso, o país tem plenas condições de atender critérios rígidos de rastreabilidade. No passado, o Brasil aumentou sua produção ao passo que o desmatamento foi reduzido.  

“O desmatamento na Amazônia foi reduzido em 80% entre 2004 e 2012, ou seja, sabemos como produzir sem desmatar. Da mesma forma que desde 2006 a Moratória da Soja mostrou ser possível mapear, identificar e bloquear produtores que não estão em conformidade com o desmatamento zero. O Brasil tem potencial de se destacar nos esforços tanto para atender os critérios da lei anti-desmatamento quanto na agenda climática, no entanto, tem seguido o caminho oposto”, avalia Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace. 

O atual governo implementou ao longo dos últimos anos uma política antiambiental que enfraqueceu órgãos ambientais, cortou orçamentos e travou o Fundo Amazônia, reduziu drasticamente o número e eficácia das atividades de fiscalização e estimulou a violência no campo através de seu discurso e omissões, como por exemplo na falta de ação para coibir o crime ambiental e de invasão em territórios indígenas.

“Em vez de assumir um lugar de destaque, o governo Bolsonaro optou por se apequenar nas relações internacionais e estimular o que existe de mais retrógrado em termos de desenvolvimento e meio ambiente, e agora temos as maiores taxas de desmatamento desde 2006 e uma sinalização de que o mercado não irá tolerar produtos atrelados à destruição”, ressalta Mazzetti.

Ainda há o que avançar

Apesar da versão votada adotar a definição da Food and Agriculture Organization (FAO) de “other wooded lands” (outras áreas com cobertura arbórea) em adição a florestas – o que é um passo importante para abranger outros ecossistemas -, isso ainda é insuficiente. Partes do Cerrado onde a savana é mais aberta e o Pantanal, por exemplo, continuam ameaçados pela expansão agropecuária e pelo impacto do consumo da UE.

O Parlamento, no entanto, aprovou uma cláusula de revisão que permitiria à Comissão aumentar a proteção a todos os ecossistemas naturais no próximo ano. Portanto o trabalho não acabou, seguiremos pressionando. 

Em 2020, incêndios de grandes proporções consumiram mais de 20% do Pantanal, no Centro-Oeste do Brasil. A falta de chuvas recorrente na região, somada à ausência de políticas de proteção ambiental, deram início a uma crise sem precedentes, que coloca em risco pessoas e a rica biodiversidade do bioma. © Leandro Cagiano / Greenpeace

Após a votação, terão início negociações sobre a lei final entre o Parlamento Europeu, os governos nacionais e a Comissão Europeia. 

O Cerrado brasileiro, que ocupa 25% do Brasil, já perdeu metade de sua vegetação nativa. Segundo levantamento do MapBiomas, em 37 anos as atividades agrícolas no Cerrado cresceram mais de 500%. A savana mais biodiversa do mundo está sendo rapidamente substituída pela soja. O Pantanal também é sede de violações frequentes de direitos humanos, com o assassinato e violências contra indígenas que lutam pelo seu território tradicional. Em 2020, o Pantanal teve mais de um quarto da sua formação original queimada.

Saturday, September 10, 2022

Desmatamento da Amazônia chega a 1.661 km² em agosto

Greenpeace Brasil 

 A área com alertas de desmatamento detectados pelo Deter equivale a 237.286 campos de futebol. No acumulado de janeiro a agosto, o índice já é o maior da série histórica

Sobrevoo sobre uma área desmatada e queimada de 8 mil hectares, em 30 de agosto de 2022, na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). © Nilmar Lage / Greenpeace

Dados do Programa DETER-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (9), mostram que agosto registrou 1.661 km2, o segundo pior resultado para o mês da série histórica, perdendo apenas para o ano de 2019, também no governo Bolsonaro. Pará lidera, seguido do Mato Grosso e Amazonas. O registrado em agosto representa um aumento de 81% em relação ao ano anterior, e o acumulado de janeiro a agosto de 2022 foi o maior da série histórica, com 7.135 km2.  

O que chama a atenção é a intensidade da destruição nos últimos meses, quando comparado ao ano anterior: em agosto de 2022, o desmatamento quase dobrou e as queimadas dos primeiros sete dias de setembro já ultrapassaram o total registrado no mesmo mês em 2021.

Os dados do Deter mostram a aceleração do desmatamento no final de agosto. (Fonte: Terrabrasilis/Deter/Inpe)

“A destruição ambiental ganhou velocidade e escala nos últimos anos, já que as porteiras foram escancaradas por um governo que abraça e incentiva o crime ambiental através de suas ações e omissões. Como desmatadores não sabem como será o dia de amanhã, estão correndo para destruir enquanto a porteira está aberta”, observa Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

Alertas de desmatamento registrados em agosto.
(Fonte: Terrabrasilis/Deter/Inpe)

O desmonte das políticas e instituições socioambientais promovido pela gestão Bolsonaro, a exemplo do sucateamento de órgãos ambientais, cortes e baixa execução de orçamentos e omissão quanto a invasões fortemente denunciadas em terras indígenas, levou à explosão do desmatamento e da violência no campo: em média, a taxa de desmatamento pré e pós Bolsonaro aumentou 52% e, de acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as invasões em terras indígenas aumentaram três vezes quando comparadas a 2018. O assassinato de indígenas tem virado rotina.

“Estamos fazendo uma volta para o passado, para o que há de mais retrógrado, com consequências cada vez mais graves”, alerta Cristiane Mazzetti. 

Para o Greenpeace Brasil, é urgente a reversão do desmonte ambiental e a adoção de ações e medidas que consigam derrubar as altas taxas de desmatamento.

“É necessário adotar uma meta de desmatamento zero, além de restabelecer um plano articulado de combate ao desmatamento, e fortalecer uma economia que conviva com a floresta em pé. Isso inclui o fortalecimento dos órgãos ambientais, a destinação de florestas públicas não destinadas para conservação e uso sustentável, a demarcação dos territórios indígenas reivindicados pelos povos originários, além de promover a proteção das áreas já destinadas com a desintrusão de invasores de Unidades de Conservação e Terras indígenas”, finaliza Cristiane Mazzetti.

Pátria derrubada e queimada, Brasil

 Greenpeace Brasil

 No mês do bicentenário da Independência, Brasil se supera em queimadas na Amazônia. Após 200 anos, estamos repetimos a mesma dinâmica predatória

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias. © Nilmar Lage / Greenpeace

A primeira riqueza usurpada do povo brasileiro foi uma árvore, o famoso pau-brasil. Não somente uma, mas dois milhões de árvores durante o primeiro século de exploração portuguesa, segundo registros do Arquivo Nacional – o correspondente a seis mil quilômetros quadrados (km²) da Mata Atlântica. Não foi à toa que deram nome de árvore a esta nação. Quando conquistamos nossa independência, quase já não havia pau-brasil para contar história.

Duzentos anos depois, mais uma vez assistimos a nossas árvores e povos tradicionais tombar sobre essa terra. Porém, dessa vez, numa velocidade inimaginável: um terço de toda a perda de vegetação nativa do Brasil se deu nos últimos 37 anos (MapBiomas). E se os portugueses levaram um século para arrancarem dois milhões de pau-brasil no passado, os novos desmatadores levaram menos de nove meses para cortarem mais de 361 milhões de árvores somente da Amazônia Legal em 2022, de acordo com dados calculados pelo Greenpeace Brasil.

Na semana em que comemoramos nosso bicentenário de independência, nossas florestas estão em chamas: em apenas uma semana de setembro deste ano já superamos o número de focos de calor registrados na Amazônia em todo o mês do ano passado. De 1 a 7 de setembro, Dia da Independência, foram 18.374 queimadas na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em setembro de 2021 foram 16.742 ao todo. Se compararmos esta semana com a primeira semana de setembro de 2021, o aumento nas queimadas é de 474%.

“Na semana em que comemoramos a Independência do Brasil e o Dia da Amazônia, os números referentes a queimadas e incêndios florestais só reforçam que estamos repetindo a mesma dinâmica predatória de 200 anos atrás, propagando uma economia da destruição que ainda se alimenta fortemente de recursos naturais ao passo que não traz o tão almejado desenvolvimento real para a Amazônia”, declara Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

O Índice de Progresso Social, que analisa variáveis socioambientais, revelou que, em 2021, a média do índice para os municípios da Amazônia Legal foi 16% inferior à média nacional, e a diferença é ainda maior em municípios com altos índices de desmatamento.

“Estamos entregando um patrimônio que é dos brasileiros e brasileiras nas mãos de criminosos que avançam sobre a floresta aceleradamente e cujas ações ganharam força, especialmente nos últimos três anos, com a gestão claramente antiambiental do governo federal”, completa Cristiane.

É fato que todos os governos tiveram sua participação ou permitiram direta e indiretamente a continuidade da destruição ambiental, mas diferente da gestão atual, vale pontuar que houve esforços em governos anteriores para conter essa dinâmica predatória. 

No governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram demarcados mais de 600 mil km² de terras indígenas, foram dadas as condições para a criação das ferramentas de monitoramento do Inpe e estabeleceu-se um marco para combate à grilagem a partir do livro branco da grilagem de terras. 

Nos governos seguintes, foi colocado em prática o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (o PPCDAm), o que incluiu muitas ações de comando e controle, corte de financiamento para quem desmata e criação de diversas Unidades de Conservação, culminando na redução do desmatamento para menos de 5 mil km² em 2012. 

Nos últimos anos, no entanto, além de não existir plano ou ações nessa direção, está em curso um desmantelamento dos órgãos ambientais, corte e baixa execução de orçamento, estratégias apenas midiáticas e com baixa efetividade, a exemplo do decreto proibitivo para uso do fogo dissociado de fiscalização e o uso das Forças Armadas protagonizando as ações de fiscalização. 

O desmatamento está fora de controle e a escala só aumenta. Estamos de volta ao passado e precisamos nos libertar dessa relação com a natureza que mina dia a dia nossas chances de futuro.  

Cinco medidas urgentes para salvar a Amazônia e seus povos

Rosana Villar 

Nesse Dia da Amazônia, mostramos o caminho das pedras para reconstruir os sistemas de proteção da floresta, rumo à Amazônia que precisamos

Amazônia que precisamos | Floresta próxima ao Rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia. As comunidades ribeirinhas estão lutando para terem seus direitos territoriais reconhecidos e sua floresta protegida. © Valdemir Cunha / Greenpeace

Hoje é o Dia da Amazônia, uma data para celebrar a força e a importância deste bioma, mas também para fazermos uma pergunta chave: que Amazônia queremos para o futuro? Este ano, afinal, é ano eleitoral e teremos nas mãos o poder de decidir se queremos seguir com a economia da destruição, que traz lucro para poucos enquanto prejudica toda a sociedade, ou se queremos propostas e ações que ajudem a construir a Amazônia que precisamos, com valorização da ciência, da floresta em pé e de seus povos. 

Não é uma escolha difícil, pelo menos para a maior parte da população, que entende que não podemos destruir nosso planeta indefinidamente sem consequências. Inclusive, nenhum político vai dizer que adora derrubar árvores, pega mal, né? Mas na prática, muitos deles têm agido precisamente pela destruição da floresta. 

Segundo um levantamento realizado pela Repórter Brasil, dois terços dos deputados federais com mandato atualmente agiram contra o meio ambiente, votando medidas e elaborando projetos de lei contrários e danosos à natureza, aos povos indígenas e aos trabalhadores rurais. 

Mas essa parcela de parlamentares não está sozinha na sanha pela destruição de nosso patrimônio natural. Nos últimos anos, vimos um tremendo esforço dos governos estaduais e federal em apoio ao garimpo, à legalização do crime e ao avanço da destruição. O último ministro do Meio Ambiente não estava brincando quando disse que iria “passar a boiada”. Se compararmos a média dos três anos de governo Bolsonaro, a área desmatada na Amazônia teve um aumento de 52% (média de 11.339 km² entre 2019 e 2021), em relação à média dos três anos anteriores (média de 7.458 km² entre 2016 e 2018). 

Proteger a Amazônia é importante para o equilíbrio climático, para garantir os meios de vida das populações que vivem na região e é fundamental para manter o ciclo da água no Brasil. Sem floresta, não tem água, não tem comida, não tem futuro!

Por isso, é preciso que os próximos governantes e legisladores tomem medidas urgentes para frear esta destruição. Listamos cinco medidas que devem ser tomadas ainda nos primeiros dias de governo para iniciar a reconstrução da agenda socioambiental do país e proteger nossa floresta.

1. Retomar imediatamente a execução de um plano eficiente e articulado de combate ao desmatamento, nos moldes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM).

2. Destinar orçamento adequado para ações e políticas de proteção ambiental e de direitos territoriais bem como fortalecer os órgãos ambientais e fundiários como Ibama, ICMBio, INCRA e FUNAI, o que inclui renomear servidores capacitados para cargos de chefia de órgãos relevantes para a pauta socioambiental, realização de concursos públicos e a contratação de servidores.

3. Destinar florestas públicas não-destinadas para conservação e uso sustentável, reconhecendo os direitos à terra de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares (inclusive territórios de uso comum e assentamentos da reforma agrária).

4. Retomar o processo de responsabilização por crimes ambientais e aplicação de multas e penalidades previstas em lei.

5. Retomar o processo de demarcação dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como criar mecanismos e implementar ações para a desintrusão de invasores, o combate a atividades criminosas nesses territórios, em especial o garimpo, e o combate à violência contra esses povos.

Este é um ano decisivo para o Brasil e para o mundo: ou mudamos a forma de fazer política e como encaramos a Amazônia agora, ou colocaremos o planeta e nosso país na direção de um futuro difícil para todos.

 sobre o(a) autor(a)

Jornalista do Greenpeace Brasil em Manaus. Adora acampar e o cheiro da floresta depois da chuva. Ama sua filha, dormir, cozinhar e contar histórias, nessa ordem.

Focos de calor na Amazônia têm maior número para agosto desde 2010

Greenpeace Brasil 

 Número é 18%  maior que o registrado no ano passado e moratória do fogo mostra-se mais uma vez ferramenta inútil de combate ao crime ambiental

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), realizado e 30 de agosto de 2022, em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias. (Nilmar Lage/Greenpeace) © Nilmar Lage/Greenpeace

Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (1º), mostram que agosto registrou 33.116 focos de calor no bioma Amazônia – todos ilegais, já que desde 23 de junho está em vigor o Decreto Nº 11.100  que proíbe o uso do fogo na Amazônia e Pantanal. 

O número alarmante mostra que não existe uma política séria de combate ao desmatamento e queimadas na Amazônia que, além de destruir a rica biodiversidade da floresta, enchem as cidades da região de fumaça e fuligem. 

“Realizamos um sobrevoo de monitoramento de queimadas e desmatamento na região onde convergem os estados do Amazonas, Acre e Rondônia (Amacro), e flagramos o maior desmatamento da Amazônia no último ano: cerca de 8 mil hectares, equivalente a 11 mil campos de futebol queimando. Participo desses monitoramentos há mais de dez anos, e nunca tinha visto um desmatamento tão grande e também com tanta fumaça”, relata Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Do total de focos de calor do ano registrados até 31 de agosto – 46.022, houve um aumento de 16,7% em relação ao ano passado, maior número acumulado para o período desde 2019. Desse total, 43% ocorreram apenas em dez municípios da Amazônia, sendo cinco deles localizados na região da Amacro, considerada a nova fronteira de expansão da economia da destruição na Amazônia e que vem acelerando as taxas de desmatamento e queimadas.

Fonte: BDQueimadas/Inpe

Outro fator relevante é o avanço das queimadas em terras públicas. Do total de focos de calor, 13,8% ocorreram em Unidades de Conservação (UCs), e 5,9%, em Terras Indígenas (TI). Outro dado que preocupa é que mais de 10.600 queimadas, cerca de ¼ do total, ocorreram em florestas públicas não destinadas. Mais um indício do avanço da grilagem. 

“Ao invés do poder Executivo e dos parlamentares estarem focados em conter os impactos da destruição da Amazônia sobre a população e o clima e em combater o crime que avança na floresta, tentam aprovar projetos que irão acelerar ainda mais o desmatamento, os conflitos no campo e a invasão de terras públicas. Nosso país não precisa da aprovação destes projetos, mas sim de uma política que promova um real avanço no combate ao desmatamento, queimadas, grilagem de terras e que defenda os povos da floresta”, afirma Rômulo.

O desmatamento da Amazônia não só destrói nossas riquezas naturais e a saúde de quem vive perto da floresta, mas também a imagem e a economia do país. Atualmente, a mudança do uso do solo – o desmatamento – é responsável por 46% das emissões de gases do efeito estufa do Brasil (SEEG). Acabar com o desmatamento deveria ser uma prioridade de governos e do próprio setor produtivo do Brasil, pois o desmatamento afeta toda a sociedade.