No mês do bicentenário da Independência, Brasil se supera em queimadas na Amazônia. Após 200 anos, estamos repetimos a mesma dinâmica predatória
A primeira riqueza usurpada do povo brasileiro foi uma árvore, o famoso pau-brasil. Não somente uma, mas dois milhões de árvores durante o primeiro século de exploração portuguesa, segundo registros do Arquivo Nacional – o correspondente a seis mil quilômetros quadrados (km²) da Mata Atlântica. Não foi à toa que deram nome de árvore a esta nação. Quando conquistamos nossa independência, quase já não havia pau-brasil para contar história.
Duzentos anos depois, mais uma vez assistimos a nossas árvores e povos tradicionais tombar sobre essa terra. Porém, dessa vez, numa velocidade inimaginável: um terço de toda a perda de vegetação nativa do Brasil se deu nos últimos 37 anos (MapBiomas). E se os portugueses levaram um século para arrancarem dois milhões de pau-brasil no passado, os novos desmatadores levaram menos de nove meses para cortarem mais de 361 milhões de árvores somente da Amazônia Legal em 2022, de acordo com dados calculados pelo Greenpeace Brasil.
Na semana em que comemoramos nosso bicentenário de independência, nossas florestas estão em chamas: em apenas uma semana de setembro deste ano já superamos o número de focos de calor registrados na Amazônia em todo o mês do ano passado. De 1 a 7 de setembro, Dia da Independência, foram 18.374 queimadas na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em setembro de 2021 foram 16.742 ao todo. Se compararmos esta semana com a primeira semana de setembro de 2021, o aumento nas queimadas é de 474%.
“Na semana em que comemoramos a Independência do Brasil e o Dia da Amazônia, os números referentes a queimadas e incêndios florestais só reforçam que estamos repetindo a mesma dinâmica predatória de 200 anos atrás, propagando uma economia da destruição que ainda se alimenta fortemente de recursos naturais ao passo que não traz o tão almejado desenvolvimento real para a Amazônia”, declara Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.
O Índice de Progresso Social, que analisa variáveis socioambientais, revelou que, em 2021, a média do índice para os municípios da Amazônia Legal foi 16% inferior à média nacional, e a diferença é ainda maior em municípios com altos índices de desmatamento.
“Estamos entregando um patrimônio que é dos brasileiros e brasileiras nas mãos de criminosos que avançam sobre a floresta aceleradamente e cujas ações ganharam força, especialmente nos últimos três anos, com a gestão claramente antiambiental do governo federal”, completa Cristiane.
É fato que todos os governos tiveram sua participação ou permitiram direta e indiretamente a continuidade da destruição ambiental, mas diferente da gestão atual, vale pontuar que houve esforços em governos anteriores para conter essa dinâmica predatória.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram demarcados mais de 600 mil km² de terras indígenas, foram dadas as condições para a criação das ferramentas de monitoramento do Inpe e estabeleceu-se um marco para combate à grilagem a partir do livro branco da grilagem de terras.
Nos governos seguintes, foi colocado em prática o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (o PPCDAm), o que incluiu muitas ações de comando e controle, corte de financiamento para quem desmata e criação de diversas Unidades de Conservação, culminando na redução do desmatamento para menos de 5 mil km² em 2012.
Nos últimos anos, no entanto, além de não existir plano ou ações nessa direção, está em curso um desmantelamento dos órgãos ambientais, corte e baixa execução de orçamento, estratégias apenas midiáticas e com baixa efetividade, a exemplo do decreto proibitivo para uso do fogo dissociado de fiscalização e o uso das Forças Armadas protagonizando as ações de fiscalização.
O desmatamento está fora de controle e a escala só aumenta. Estamos de volta ao passado e precisamos nos libertar dessa relação com a natureza que mina dia a dia nossas chances de futuro.
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