Wednesday, September 28, 2022

Cercados por 300 mil bois, lideranças Karipuna pedem socorro a União Europeia

Jorge Eduardo Dantas  

Lideranças cumprem em Brasília (DF) agenda de reuniões junto a embaixadas de vários países

Representantes de 16 países participaram do encontro com os Karipuna na embaixada da União Europeia. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Brasília (DF) – “Estou preocupada com o futuro. Estamos cercados por grileiros e desmatadores. O estado brasileiro não cumpre seu dever de proteger nossas terras. Viramos reféns em nosso próprio território”. É dessa maneira que Katiká Karipuna, anciã do povo Karipuna, de Rondônia, resume a situação de seus parentes nos dias atuais. Ela, assim como outros doze integrantes da etnia, estão em Brasília (DF) desde o início da semana levando seu pedido de socorro a diversas autoridades do Brasil e do exterior.

Na agenda do povo Karipuna, estão compromissos com embaixadas de oito países – como Espanha, França, Alemanha e Suíça – assim como encontros com a embaixada da União Europeia e com o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU).

As lideranças estão entregando aos embaixadores uma carta, intitulada “Pedido de Socorro” e solicitando que a União Europeia não compre produtos oriundos do desmatamento da Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas. 

Cobrar providências

“Estamos pedindo socorro e estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias em diversos órgãos brasileiros, mas o Estado não cumpre seu dever de proteção territorial, de proteger nossas terras”, queixou-se o cacique do povo, André Karipuna, aos embaixadores.

“Por isso pedimos a vocês que cobrem do governo brasileiro providências contra os grileiros, os madeireiros e pescadores que invadiram nosso território. Estamos vivendo quase uma guerra. Recebemos ameaças de morte o tempo inteiro. São essas pessoas aqui que vocês estão vendo que estão sofrendo no território”, disse a liderança.

André lembrou ainda da responsabilidade que os outros países têm no combate ao desmatamento e no suporte aos direitos dos povos tradicionais: “Boa parte do que sai aqui do Brasil – ouro, madeira, soja – e chega em outros países sai daqui com manchas de sangue indígena. Então quando vocês fizerem acordos comerciais com o Brasil, com empresas brasileiras, se perguntem de onde sai aquele recurso, de onde ele vem. Muito do que chega à mesa de outros países tem sangue indígena do Brasil.”

O cacique André Karipuna entregou ao embaixador da União Europeia Ignacio Ybáñez uma carta chamada “Pedido de Socorro”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Sem dormir

A delegação Karipuna que está em Brasília hoje é diversa. Possui desde pequenas crianças até dois anciões que estão entre os cinco sobreviventes dos primeiros contatos que os Karipuna fizeram com os não-indígenas na década de 70.

Além de Katiká, outro sobrevivente deste período é Arypã Karipuna. “A gente não consegue mais dormir à noite, porque a impressão que temos é de que seremos expulsos do território a qualquer momento. Nos ajudem a combater as invasões – nossos peixes, nossa castanha, está tudo sumindo”, disse Arypã na reunião ocorrida na embaixada da Espanha.  

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar, o fato desses anciões – que mal falam português e pouco saem de sua aldeia, além de já estarem com a saúde debilitada – virem a Brasília se encontrar com os embaixadores mostra o grau de desespero do povo Karipuna.

A Europa discute hoje uma lei anti-desmatamento que pode ter impactos profundos nas florestas brasileiras. Então precisamos fazer essa conversa, precisamos pedir da União Europeia uma legislação rígida que não abra mão dos direitos indígenas. É dever de todos nós não naturalizar a violência contra esses povos e garantir que ela seja combatida em todos os fóruns e de todas as maneiras possíveis”, disse Danicley. 

A reunião na embaixada da União Europeia, ocorrida na quarta (21), contou com a presença do embaixador Ignacio Ybáñez, que falou sobre a lei anti-desmatamento: “Essa lei é muito importante para nós, pois ela vai estabelecer regras e vai justamente nos dar condições de cobrar os governos. Estamos comprometidos em ter regras comerciais que garantam em território europeu produtos sem trabalho escravo, sem destruição de florestas e sem exploração de territórios indígenas – e que também ajudem a combater as mudanças climáticas aqui e no resto do mundo”.

O encontro na embaixada da União Europeia contou com a presença de três embaixadores – da Holanda, Irlanda e Malta – e representantes de outros 16 países como Itália, Dinamarca, França, Bélgica, Polônia e Finlândia.

André Karipuna: “Estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias e o estado não protege o nosso território”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Recente contato

O povo Karipuna é um povo de recente contato. Suas primeiras interações com os não-indígenas ocorreram na década de 70. Eles foram quase dizimados e chegaram a ter apenas 8 indivíduos. Hoje, eles somam 61 pessoas. A Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1998 com 153 mil hectares. Mas, de lá pra cá, o governo brasileiro pouco fez para garantir sua proteção e integridade. Como resultado, ela foi invadida de maneira massiva, principalmente nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro. Os indícios de que por ali existem dois povos isolados tornam aquela área ainda mais frágil e especial.  

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a TI Karipuna foi a nona terra indígena mais desmatada do Brasil entre 2015 e 2021 – com 4,7 mil hectares de floresta devastadas. Estimativas dão conta que 300 mil bois pastam ao redor do território. Por conta das ameaças e do clima de violência, os povos indígenas não circulam por ali: eles vivem acuados e utilizam apenas 1% de sua área.  

A abertura de ramais, a construção de pontes clandestinas, a abertura ilegal de pastagens e o estabelecimento irregular de plantios são alguns dos problemas da TI Karipuna. As ameaças às lideranças também são comuns – ano passado, uma ponte de acesso a uma aldeia chegou a ser destruída pelos invasores, que também já bloquearam estradas, impedindo que uma equipe de saúde indígena realizasse atendimentos.  


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