Apesar de todas as denúncias e alertas do Greenpeace, fraudes que
acobertam madeira ilegal continuam ocorrendo enquanto governo brasileiro
ignora sistematicamente o problema
Extração ilegal de madeira no Oeste do Pará (©Greenpeace/Otavio Almeida)
Uma investigação revelada na última terça-feira, 3, ilustra a trágica
situação do atual sistema de controle florestal na Amazônia e a
consequente ameaça à floresta. A Polícia Civil prendeu em Pacajá,
próximo à rodovia Transamazônica no Pará, o Secretário de
Desenvolvimento Econômico do Município, o madeireiro João Paulo Chopek, e
uma servidora da Sema do Pará (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Sustentabilidade), em Belém. O motivo seria o envolvimento de ambos em
uma fraude que teria desviado o equivalente a mais de R$ 80 milhões em
créditos florestais.
O que quer dizer isso? Segundo a investigação, a servidora da Sema
adulterou os valores dos créditos no Sisflora – o sistema eletrônico de
controle de produtos florestais do Pará – permitindo a lavagem da
madeira. No caso, segundo as investigações, ela teria acrescentado três
zeros a mais, transformando 121 m³ de madeira em 121 mil m³ de
madeira, uma vantagem e tanto para quem for comercializar. O secretário
de Pacajá, também representante legal da Madeireira Sagrada Família,
teria sido o beneficiário do esquema, pois os créditos estavam em nome
de sua madeireira.
Como o Greenpeace vem alertando desde maio de 2014,
esse é um dos tipos de fraude capazes de gerar créditos excedentes,
utilizados para gerar documentação oficial e esquentar madeira extraída
ilegalmente.
Desses créditos gerados, cerca de 4 mil m³ chegaram a ser utilizados
pela madeireira Sagrada Família antes que a fraude fosse percebida. Isso
significa que esses créditos que servem para acobertar madeira ilegal
foram comercializados com outras empresas dentro do Pará e até mesmo
podem ter ido para depósitos de madeira espalhados no país, contaminando
toda a cadeia.
O prejuízo estimado em reais é mensurável: se fosse concretizada a
comercialização dos 121mil m³ de madeira ele seria em torno de R$ 84
milhões. Mas o prejuízo ambiental para a floresta e as pessoas que vivem
nela não tem preço. A superestimação desses créditos significa que uma
ou mais regiões de floresta teriam sofrido extração de madeira de forma
predatória e ilegal, arrasando com a biodiversidade daquelas áreas e
podendo causar conflitos com as comunidades locais. O resultado seria a
degradação da floresta seguida de, muito provavelmente, o desmatamento
completo para a conversão em pasto ou especulação imobiliária, um dos
caminhos "naturais" das terras da Amazônia.
As prisões decretadas são temporárias e o caso ainda está sendo
investigado, no entanto, a flexibilidade da lei muitas vezes acaba
beneficiando os criminosos, vide o montante em multas acumuladas por
empresas que continuam operando, e inclusive exportando, normalmente.
Um exemplo foi o caso da Rainbow Trading, serraria exposta pelo
Greenpeace como receptora de madeira ilegal que, em novembro de 2014,
recebeu quatro multas da Sema-PA, e já acumulava cerca de meio milhão de
reais por uma série de infrações envolvendo fraudes no sistema como
essas que estão sendo agora investigadas. Mesmo assim, a empresa foi liberada para continuar comercializado nesse mesmo sistema que fraudou.
Isso mostra como, apesar dos esforços pontuais da Sema para punir os
criminosos, enquanto não forem feitas reformas profundas, essas fraudes
continuarão ocorrendo e a floresta continuará caindo. “É preciso unir
esforços para enfrentar essa situação, no entanto o governo federal
continua ignorando o problema. Além disso, é inaceitável que
autoridades, tanto brasileiras, quanto internacionais, ainda confiem num
documento que é passível de sofrer tantas fraudes”, afirma Marina
Lacôrte, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
Além de melhorias no sistema eletrônico, os esforços também devem se
concentrar nos recursos humanos, na fiscalização e no monitoramento,
para que fraudes como essa sejam descobertas antes que o estrago seja
feito e não depois que a floresta já tenha ido ao chão.
“Parte da responsabilidade sobre essa situação é também dos mercados,
que, por sua vez, estão reagindo cada vez mais e quebrando contratos
com empresas envolvidas com madeira ilegal. No entanto, a situação
continua grave: ou ela começa a ser solucionada de forma definitiva, a
partir da revisão dos planos de manejo e de uma profunda reforma no
sistema, ou o Brasil corre o risco de ver o mercado fechar as portas
para a madeira amazônica”, completa Lacôrte.
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