Povos indígenas pediram outro nome, mas o ex-senador pelo PT Amazonas,
João Pedro, assume a presidência, classificada pelo ministro da Justiça
como “cargo mais difícil da República”
Ex-senador e líder governista João Pedro toma posse da presidência da Funai (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Na contramão do que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib) pediu em nota pública ao governo, a presidente Dilma nomeou o
ex-senador João Pedro como novo presidente da Fundação Nacional do Índio
(Funai). No início do mês a Apib havia reivindicado a efetivação do
então presidente interino Flávio Chiarelli.
Engenheiro agrônomo,
João Pedro foi superintendente do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) e atua como líder do diretório do PT no estado
do Amazonas, região que representou quando senador da República. A posse
ocorreu hoje (17) no Palácio da Justiça, em Brasília, com a presença do
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
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O novo presidente afirmou que manterá um diálogo constante, denso e
propositivo com as representações indígenas e lembrou as iniciativas do
Congresso contra os direitos dos povos tradicionais. “É com a vontade de
servir o ministro Cardozo que daremos continuidade aos debates e
desafios inerentes a essa conjuntura, sobretudo aquelas consistentes nas
ações legislativas, que pretendem descontruir avanços históricos
alcançados com a Constituição de 1988”, discursou João Pedro durante sua
posse.
Após oito meses à frente da presidência da Funai como
interino, Flávio Chiarelli agora servirá como assessor indígena do
Ministério da Justiça. Segundo ele, o governo tem um olhar não-indígena
para os povos tradicionais, “achando que eles são os causadores de
problemas. Quando, na verdade, a gente deveria parar para olhar o lado
deles e enfrentar a real causa do problema”.
Em sua fala, o
ministro da Justiça destacou que nem tudo que está na Constituição
Federal é exercido e faz parte da realidade. “A Constituição de 88
apontou o que deve ser o direito dos povos indígenas: demarcação de
terras. Garantias que nunca haviam sido dadas, foram cristalizadas nesse
texto. Porém, imaginar que aquilo que ‘deve ser’ já é ou que aquilo que
‘deve ser’ se conquista sem barreiras, é um equívoco”, disse ele.
Assim,
Cardozo classificou a nova função de João Pedro como um dos maiores
desafios do País: “é comum se afirmar que o cargo de presidente da Funai
seja o mais difícil de ser exercido da República brasileira, pelas
dificuldades que se colocam, pelos obstáculos, pelo preconceito e por
todo um conjunto de situações que a cada dia são mais perceptíveis para
todos nós”.
“Novamente a Funai começa do zero, com um novo
presidente. A falta de longevidade é sua marca, porque a presidência
sempre está mudando. Assim, a administração da Funai e consequentemente
as políticas indigenistas ficam sem continuidade”, comenta Danicley de
Aguiar, da campanha de Amazônia do Greenpeace.
João Pedro, à esquerda, discursa durante sua posse. À direita da imagem
está o ex-presidente interino da Funai, Flávio Chiarelli, e o ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo (© Alan Azevedo/Greenpeace)
Missão
Segundo o jornal A Crítica, de Manaus, João Pedro haveria recebido uma missão do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: mostrar que a Funai não trata apenas de demarcação de terras indígenas.
“Num
contexto de forte disputa fundiária, é preocupante o objetivo do
ministro da Justiça”, defende Aguiar. Sendo assim, resta a dúvida se o
compromisso de João Pedro será com a agenda desenvolvimentista da
Amazônia, que imputa aos povos originários a condição de algozes do
desenvolvimento, ou com a defesa incessante do direito indígena, que
fundamenta a construção de uma sociedade justa e ética.
“A Funai
não cuida apenas da demarcação de terras indígenas, é verdade. No
entanto, esse é o tema que tem dominado a agenda indígena nacional, seja
no Congresso, no Judiciário ou no Executivo, provocando reações
contundentes contra os direitos originários”, explica Aguiar, lembrando
que os conflitos envolvendo a disputa pela terra estão visíveis especialmente no Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul, Amazônia, entre outros.
Reivindicada
pelo povo Munduruku, a terra indígena Sawré Muybu, na região do Rio
Tapajós, é um exemplo de como a agenda desenvolvimentista se impõem
sobre os direitos originários, dado o silencio da Funai em relação a
continuidade do processo de demarcação que se arrasta a mais de 10 anos –
especialmente depois que o governo declarou interesse em construir a
hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que se sobrepõem a esse território.
Aceitemos
ou não, o fato é que as terras indígenas cumprem o importante papel de
proteger as florestas nacionais, colaborando diretamente para o já
frágil equilíbrio climático, uma vez que a destruição das floresta ao
redor do globo é responsável por uma parte considerável das emissões de
gás de efeito estufa na atmosfera. Assim, é estratégico que o processo
de reconhecimento e demarcação de terras indígenas volte a ser
prioridade da Funai. O que vai depender, em parte, do compromisso de seu
novo presidente.
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