Em declaração ao lado de Obama sobre metas para o Clima, a presidenta
diz que sua maior ambição no combate ao desmatamento é tentar cumprir a
lei. Na prática, Dilma se isenta de responsabilidades significativas e
gera um factóide lamentável
Desmatamento flagrado em sobrevoo do Greenpeace em maio, no Pará. (© Rogerio Assis/Greenpeace)
É inaceitável que o compromisso mais ambicioso que Dilma assuma para
proteção das florestas e combate às mudanças climáticas seja tentar
cumprir a lei. Mas foi exatamente isso o que ela fez em aguardada
reunião com Obama hoje pela manhã, em Washington (EUA): prometeu fazer o
possível para combater o desmatamento ilegal no Brasil, sem dar prazo
ou garantia concreta.
Essa promessa é indecente por dois motivos. Primeiro, porque cumprir a
lei é o mínimo que se espera de uma presidenta, o que torna absurdo que
tentar fazer isso seja apresentado como objetivo ambicioso - e, depois,
caso venha a se tornar realidade, vendido como grande conquista.
Segundo, porque a lei brasileira é perniciosa, amigável a desmatadores -
mesmo se o desmatamento ilegal chegar a zero ainda perderemos de 10 a 20 milhões
de hectares de floresta, só na Amazônia. Dilma também prometeu
restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030,
mas isso é cerca de metade do exigido pelo atual Código Florestal para
zerar nosso passivo ambiental.
Há anos o Greenpeace e diversas organizações e movimentos defendem o
desmatamento zero no Brasil - mas zero mesmo. O governo vem tentando
capturar e fragilizar o conceito, trazendo à mesa propostas como o
citado “desmatamento ilegal zero” ou como “desmatamento líquido zero”,
que abrem grande margem a desmatadores mas tentam se passar como grandes
promessas. Enquanto dezenas de governos se comprometeram, na Declaração de Nova York sobre Florestas assinada em 2014, a zerar suas perdas florestais até 2030 - um documento que o governo brasileiro se recusou a assinar - é vergonhoso que o nível do debate e do compromisso no país ainda sejam tão baixos.
Não faltam evidências de que é possível produzir sem desmatar no Brasil. Grandes empresas já mostraram isso na prática, vide a Moratória da Soja e o Compromisso Público da Pecuária.
Diversos especialistas afirmam que o Brasil dispõe de grandes áreas já
desmatadas que podem e devem ser melhor utilizadas - um exemplo é o estudo liderado por um pesquisador da USP
que mostra ser possível liberar 69 milhões de hectares para a
agricultura, suficiente para dobrar a área agrícola do país sem derrubar
mais florestas. Em defesa das florestas, o Brasil pode e deve ir muito
além do que Dilma está propondo.
Além de florestas, o diálogo entre Dilma e Obama sobre mudanças
climáticas também tratou de Energia. Para o setor elétrico, Dilma se
comprometeu a ter 20% de geração de fontes renováveis até 2030 sem
considerar as hidrelétricas quando, na verdade, poderia alcançar quase o
dobro disso, segundo dados
do Observatório do Clima. Considerando todo o setor de Energia, a
meta ainda menos ambiciosa. Se o Brasil for na linha que Dilma indicou
ao lado de Obama (de ter entre 28% e 33% de sua matriz energética total
vindo de fontes renováveis, também sem considerar as hidrelétricas) o
País na verdade permanece onde já está: com 28% de energia vindo de
fontes renováveis. Vale ainda mencionar o assustador anúncio de uma
cooperação nuclear para compartilhar tecnologias de geração ‘seguras e
sustentáveis’ entre os dois países.
Com seus frágeis compromissos (ou não-compromissos), Dilma vai contra
a vontade de pelo menos 1,2 milhões de brasileiros que já deram seu
apoio a um projeto de lei pelo desmatamento zero verdadeiro. Também vai contra o Papa, que em sua recente encíclica alertou
para a importância de proteger as florestas e investir em larga escala
nas energias renováveis. E deixa muito a desejar com relação ao combate
às mudanças climáticas, tendo em vista que o desmatamento e as fontes
não-renováveis de energia são a principal fonte de emissão de gases de
efeito estufa no Brasil - indo na contramão do movimento global por um
acordo ambicioso a ser assinado na Conferência do Clima da ONU em
dezembro.
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