Uma série de reportagens sobre a luta do povo Munduruku contra a construção de barragens na Amazônia (Por Luana Lila)
Canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará (©Greenpeace/Fabio Nascimento)
PARTE III - A falsa solução
Respeitamos sempre a natureza, ela é de suma importância para nós
e é essencial para a vida no planeta. Nós estamos preocupados com o
equilíbrio do clima, com as mudanças climáticas. Resta apenas uma parte
da floresta que está dando vida ao planeta chamado Terra e a seus
habitantes... Estamos lutando, resistindo, protegendo com unhas e dentes
esse nosso patrimônio, mas ninguém ouve nossos gritos de socorro em
prol da vida no planeta. Sabemos que a vida dos pariwat [não-índios]
também está em risco e não estamos apenas nos defendendo: estamos
defendendo toda a vida, toda a biodiversidade. Carta de
Jairo Saw Munduruku à sociedade brasileira e internacional, publicada em
dezembro de 2014 no site da revista Carta Capital
Pelo menos 43 grandes barragens estão sendo construídas ou planejadas
na bacia do rio Tapajós. Localizada próxima a Itaituba, no oeste do
Pará, a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, com 8.040 MW de capacidade
instalada, seria a maior delas. Entre os inúmeros impactos previstos, o
empreendimento alagaria uma área de rica biodiversidade e inundaria
parte da terra indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku. (Leia mais aqui).
Essa hidrelétrica faz parte de uma corrida do governo pela construção
de barragens na Amazônia, considerada a última fronteira para a
expansão de geração de energia hidrelétrica no Brasil.
Para Philip Fearnside, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia), a conversão de todos os rios desde o rio
Madeira, em Rondônia, – onde foram construídas as hidrelétricas de Jirau
e Santo Antônio – para o leste em cadeias de lagos e barragens, como
previsto pelo governo a longo prazo, acaba impactando não só a
diversidade da fauna e da flora, mas também a população tradicional da
Amazônia. “Estamos falando de dois terços da Amazônia onde se está
planejando remover toda a população tradicional, ou seja, os ribeirinhos
e indígenas que estão há séculos vivendo na beira dos rios e dependem
deles para tudo. O impacto humano é enorme e não está sendo levado em
conta no momento da tomada de decisão”, afirma ele.
O discurso oficial de que esses novos empreendimentos hidrelétricos
levam desenvolvimento econômico e social para suas respectivas regiões
caiu por terra depois dos exemplos recentes das usinas de Jirau e Santo
Antônio, no Rio Madeira, e da usina de Belo Monte, em fase final de
construção no Rio Xingu, no Pará. Quando o rio Madeira teve a maior
cheia de sua história em 2014, a força da água que atingiu a cidade de
Porto Velho, em Rondônia, foi magnificada pela presença da barragem de
Santo Antônio logo a montante da cidade, desalojando milhares de
pessoas. Com o rio Madeira bloqueado pelas barragens, os pescadores
sofrem com a falta de peixes. A cidade de Altamira, no Pará, também já
enfrenta diversos impactos por conta da barragem no rio Xingu, dentre
eles o crescimento da violência, prostituição e especulação
imobiliária.
Segundo dados do ISA (Instituto Socioambiental), entre 2011 e 2014 o
número de assassinatos em Altamira saltou de 48 para 86 casos, enquanto a
população cresceu de 100 mil para cerca de 150 mil habitantes. O número
de acidentes de trânsito aumentou 144%. A falta de saneamento básico e
de condições adequadas de saúde e educação também são uma preocupação
para os moradores. Como se não bastasse, pesquisas recentes mostram que
as terras indígenas no entorno do empreendimento já estão sofrendo uma
explosão de roubo de madeira.
Mesmo diante de tantos problemas, os planos do governo mostram que o
aumento da geração de eletricidade no país está baseado principalmente
em novas hidrelétricas na região Amazônica. De acordo com o PDE 2023
(Plano Decenal de Energia 2023), quase metade da nova capacidade
instalada até 2023 virá de usinas hidrelétricas, sendo que mais de 90%
estará na região Norte do país. Trata-se de triplicar a potência
instalada dessa região com usinas hidrelétricas em um período de apenas
dez anos.
Larissa Rodrigues, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace,
explica que concentrar a expansão da geração em uma única fonte implica
em tornar a matriz de energia elétrica ainda mais suscetível e aumenta a
insegurança energética do País. Hoje, os efeitos de um planejamento
baseado na geração centralizada e com pouca diversificação de fontes
estão refletidos em risco de desabastecimento e contas de luz mais caras
para os brasileiros.“O argumento de que novas hidrelétricas na Amazônia
são necessárias para garantir a energia para o País não é consistente.
Além disso, essa opção não contribui para a diversificação da matriz
elétrica, que continuará suscetível ao regime hidrológico”, diz ela.
Em 2001, o Brasil passou pela crise do apagão, quando os
reservatórios das hidrelétricas ficaram com apenas cerca de 20% de
armazenagem nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Agora, mais uma vez isso
acontece e os reservatórios chegaram a atingir apenas 16% de
armazenagem, tanto em 2014 como em 2015. “Mais hidrelétricas na Amazônia
não romperiam com essa lógica, além de provocar graves impactos sociais
e ambientais. Isso não faz sentido em um país que pode contar com
outras fontes de energia limpas e seguras em abundância como a solar, a
eólica e a biomassa, que vem registrando preços de contratação cada vez
mais competitivos”, completa Rodrigues.
Além das hidrelétricas serem sensíveis aos efeitos das mudanças
climáticas, que estão causando cheias e secas sazonais cada vez mais
frequentes e graves, Rodrigues aponta ainda outros problemas: “Hoje,
quando os reservatórios das hidrelétricas estão baixos, a energia é
compensada pela geração de usinas térmicas, poluentes e caras, e seus
custos são repassados para a conta de luz. Além disso, as grandes
hidrelétricas estão longe dos centros de consumo, o que gera muitas
perdas de energia no transporte. Tudo isso poderia ser melhorado com a
diversificação de fontes na matriz e com incentivos para a geração
distribuída, aquela que ocorre perto do consumidor final”, explica.
Para o professor Célio Bermann, do IEE (Instituto de Energia e
Ambiente) da USP (Universidade de São Paulo), a questão é ainda mais
complexa. Ele analisou o consumo setorial de energia elétrica do Brasil e
mostrou que 25% do total é consumido pelo cidadão brasileiro em suas
residências. A maior parte da eletricidade, cerca de 40%, é utilizada
pela indústria e é consumida principalmente pelos setores chamados de
eletro-intensivos, ou seja, que consomem uma quantidade enorme de
energia.
Muitos desses setores são fabricantes de produtos primários,
principalmente destinados a exportação, de alto conteúdo energético e
baixo valor agregado, isto é, que geram pouco emprego e renda, tais como
o aço, alumínio primário, ferroligas e celulose. Segundo Bermann, “primeiro
trata-se de decidir se o crescimento econômico que queremos é realmente
esse, de país meramente produtor de bens primários. Depois, temos que
considerar o enorme potencial de outras fontes renováveis para gerar
energia no País”.
Atualmente, a energia eólica já é uma das fontes mais baratas do
País. Enquanto isso, a energia solar já começa a alcançar preços
competitivos nos leilões. Em outubro de 2014, as usinas de energia solar
foram contratadas por um preço médio de R$ 215/MWh, 20% inferior ao de
todas as usinas térmicas contratadas no último leilão de abril de 2015.
Além disso, a energia solar tem papel central para estimular a geração
distribuída. Há três anos foi permitido ao consumidor brasileiro gerar
sua própria energia para obter descontos na conta de luz e desde então
cerca de 500 sistemas já foram conectados à rede a partir da instalação
de painéis fotovoltaicos instalados nos telhados.
“O custo de usinas tão grandes como as do Tapajós poderia ser
investido em outras fontes renováveis, como a solar, a eólica e a
biomassa. Continuar apostando em grandes hidrelétricas na Amazônia, com
tremendos impactos socioambientais, quando o Brasil é riquíssimo em
outros recursos, não pode ter outra explicação que não seja a falta de
vontade política”, conclui Rodrigues.
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