Com Novo Marco Legal da Biodiversidade, Brasil perde a chance de
promover soluções para uma exploração mais justa e ambientalmente
responsável dos recursos genéticos e conhecimento associado
Dilma Rousseff sancionou, com vetos, o novo Marco Legal da
Biodiversidade em solenidade no Palácio do Planalto (José Cruz/Agência
Brasil)
Na última quarta-feira (20), a presidente Dilma Rousseff sancionou,
com apenas cinco vetos, a Lei que dispõe sobre o acesso ao patrimônio
genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e
sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da
biodiversidade. Infelizmente, com essa aprovação seguiu-se a velha
fórmula da política brasileira, onde o que importa são os interesses
privados e não os interesses e preocupações da sociedade.
Embora importantes, os vetos presidenciais não deram conta de
balancear a lei, que ainda é insuficiente para equilibrar a discrepância
entre os avanços em pesquisa e desenvolvimento e o respeito a floresta e
seus habitantes, especialmente do ponto de vista da repartição de
benefícios e do consentimento prévio. O governo perdeu a chance de ouvir
as comunidades e movimentos durante a elaboração e tramitação do texto.
Uma das questões polêmicas diz respeito a grande insegurança jurídica
em relação ao consentimento prévio ao acesso do conhecimento
tradicional, direito assegurado pela Convenção da Diversidade Biológica e
pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT,
“Embora existam artigos na lei sobre o direito a consulta livre e
informada, há gargalos e brechas que podem impossibilitar que isso
ocorra de fato”, analisa Mariana Mota, de Políticas Públicas do
Greenpeace.
Outro ponto que merece atenção refere-se a repartição dos lucros. A
lei prevê que as empresas que utilizarem o patrimônio genético ou o
conhecimento tradicional no desenvolvimento e fabricação de produtos
deverá repartir os lucros desta exploração econômica com a comunidade
cedente. Essa repartição, no entanto, será de no máximo 1% da receita
anual obtida com a comercialização do produto e apenas se o patrimônio
ou conhecimento em questão for um dos elementos "principais" de
agregação de valor do produto e se o elemento constar na Lista de
Classificação de Repartição de Benefícios.
“É flagrante a sobreposição dos interesses econômicos, em especial da
indústria farmacêutica, de cosméticos e do agronegócio, dado que a
versão aprovada se ocupa mais em normatizar o acesso aos recursos
genéticos, do que em garantir uma justa repartição de benefícios, que
deveria ser negociada de forma livre entre as partes envolvidas”, afirma
Danicley Saraiva, da campanha Amazônia do Greenpeace.
Os movimentos sociais e comunidades tradicionais não foram ouvidos
diretamente no processo de construção da lei. Mas entre os cinco artigos
vetados pela presidente, três se destacam positivamente e constavam na
carta enviada pelos movimentos: o que previa a anistia para quem
acessou o patrimônio e conhecimento antes de 29 de junho de 2000; o que
condicionava a empresa exploradora do patrimônio ou conhecimento
associado a indicação do beneficiário da repartição de benefícios não
monetários; e o que limitava ao Ministério da Agricultura a competência
de fiscalizar infrações ligadas a atividades agrícolas (o artigo deixava
de incluir o IBAMA).
Os vetos, entretanto, ainda devem passar pela apreciação do Congresso
Nacional, que pode derrubá-los. Há um prazo de aproximadamente 30 dias
para essa votação.
Segundo informou o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a lei deve
passar por regulamentação no prazo de seis meses. Esperamos que, nesta
etapa, não sejam cometidos os mesmos erros e que, desta vez, seja aberto
o diálogo com as comunidades interessadas na matéria, para diminuir a
insegurança jurídica e aumentar os direitos e garantias destas
populações.
Considerando que mais de 200 milhões de hectares de florestas
brasileiras estão sob a proteção dos povos e comunidades tradicionais,
toda e qualquer iniciativa que reduza a proteção dessas populações é
também uma forma de diminuir a proteção de nossas florestas.
Nesse sentido, o Novo Marco Legal da Biodiversidade ainda tem muito o
que avançar, para garantir que os interesses econômicos não continuem a
se sobrepor a conservação da biodiversidade e da agrobiodiversidade,
mantida graças ao trabalho realizado pelos povos indígenas, comunidades
tradicionais e os agricultores familiares ao longo da história do
Brasil.
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