Índios são barrados ao entrar em plenária organizada com apoio do
próprio movimento indígena; a proposta ruralista de transferência de
poder entre executivo e legislativo é reprovada veementemente
Sessão em Plenária sobre ameaças aos direitos fundamentais e PEC 215:
democracia, povos indígenas e meio ambiente (© Alan Azevedo /
Greenpeace)
Reuniram-se hoje (19) na Câmara dos Deputados, em Brasília,
representantes dos movimentos indígena e quilombola e políticos ligados
as Frentes Parlamentares de apoio ao meio ambiente e povos tradicionais.
Levando em conta a Semana de Mobilização Indígena, realizada em abril,
trata-se de mais um importante evento que marca a resistência contra a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e diversas outras
iniciativas que visam reduzir os direitos indígenas.
Assim como em tantas outras ocasiões, diversas lideranças indígenas
foram barradas na porta do Congresso, como se fossem alguma ameaça.
“Sempre somos recebidos de maneira hostil. Nosso povo colore essa Casa, e
mostra a verdadeira democracia”, abriu a discussão Sônia Guajajara,
liderança indígena que representa a Associação dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib). “Toda a nossa luta é em prol de um conjunto, e não de uma
minoria. Isso é democracia”, continuou ela, apontando a PEC 215 como um
instrumento cruel e antidemocrático, que “desrespeita nossos direitos”.
Deborah Duprat, vice-procuradora geral da República, também chamou
atenção para a hostilidade da Câmara ao receber os indígenas, citando a
convenção da Organização Mundial do Trabalho, cujo artigo 169 determina
que os povos indígenas sejam ouvidos. “No entanto, não se permite nem a
entrada deles nessa Casa. A PEC 215 não tem nenhuma consulta aos povos
indígenas e as comissões que a apreciam são fechadas”, denunciou Duprat.
Da esquerda para direita: Deborah Duprat, vice-procuradora geral da
República, Aldem Bourscheit, da WWF e Adalto Guarani-Kaiowá, liderança
indígena (© Alan Azevedo / Greenpeace)
A representante dos magistrados do Tribunal do Trabalho, Noemir
Porto, garantiu que é totalmente inconstitucional a transferência da
criação de Áreas de Proteção do governo para o Congresso Nacional. “O
deslocamento de leis constitucionais só pode ser feito para ampliar
direitos. Do contrário, é inconstitucional. E a PEC 215 é bem clara
quanto seus objetivos”, atestou Porto.
Com a aprovação da proposta, os parlamentares seriam encarregados de
criar novas Áreas de Proteção e também alterar as já existentes, o que
colocaria em risco as áreas completamente homologadas. Para se ter uma
ideia do compromisso do Congresso Nacional com o assunto, das 310
Unidades de Conservação federais criadas, apenas 5 foram tituladas pelo
poder Legislativo – são apenas 0,03% do total.
Na mesma linha seguiu Antonio Carlos de Souza Lima, da Associação
Brasileira de Antropologia, ao defender as comunidades tradicionais:
“Vida não se negocia. E trazer a PEC 215 em pauta é negociar a vida
desses povos”.
Lavando roupa suja
Outras duas importantes questões foram levantadas pelos
participantes. A primeira diz respeito às recentes decisões do Supremo
Tribunal Federal (STF) de revogar a demarcação de três Terras Indígenas.
A Constituição prevê um marco temporal para os indígenas: o povo que
estivesse em sua terra em 1988, anos da constituinte, teria seu direito
reconhecido. No entanto, foi justamente durante a Ditadura Militar que
milhares de índios foram assassinados ou expulsos de seus territórios.
Deputada Érika Kokay (PT/DF), alinhada à causa indígena, foi a presidente da sessão (© Alan Azevedo / Greenpeace)
“O que o STF está dizendo é que os indígenas, expulsos antes de 1988,
deveriam estar em suas terras fazendo o enfrentamento físico para ter
sua resistência reconhecida. Mas usar o conflito como ferramenta legal é
um crime. O STF está incitando a violência e morte de muitos outros
indígenas”, explicou César Buzatto, diretor-executivo do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI).
Em segundo lugar, criticou-se o financiamento privado de campanha,
uma vez que a bancada ruralista é diretamente financiada por grandes
empresas como JBS, Friboi, Cargill, Bünge, Syngenta e Monsanto. A
deputada Janete Capiberibe (PSB/AP) aprofundou a denúncia: “A Friboi
elegeu 160 deputados aqui na Casa. Vocês acham que eles vão defender os
direitos tradicionais? Vão sim é defender as patas do boi, o
agronegócio”.
Organizado pelas Frentes Parlamentares Ambientalista, de Apoio aos
Povos Indígenas e de Defesa dos Direitos Humanos em conjunto aos
movimentos sociais, outro encontro sobre direitos indígenas e a PEC 215
está marcado para semana que vem na Câmara dos Deputados.
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