Saturday, September 20, 2014

Governo recua no Leilão do Tapajós

Devido a pressão dos povos indígenas, que seriam afetados pelo projeto e que ainda não foram ouvidos, MME adia a venda da hidrelétrica no Pará

Em passeata realizada em 2013, cerca de 150 indígenas do povo Munduruku deixaram a aldeia Sai Cinza e foram às ruas da cidade de Jacareacanga, no Pará, para protestar contra a construção da barragem no rio Tapajós, que afetaria diretamente seu território e seu modo de vida. Com mensagens de “Tapajós livre”e “Deixem o nosso rio em paz”, os Munduruku frisaram sua posição contra a barragem do rio para construção da usina hidrelétrica São Luís do Tapajós. (©Greenpeace/Eliza Capai)

A história energética do Brasil pôde registrar uma notável reviravolta nesta segunda-feira (15). Logo depois de anunciar o Leilão da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, projetada para o Pará, o Ministério de Minas e Energia (MME) emitiu uma nova portaria revogando a venda, devido a “necessidade de adequações aos estudos associados ao tema do componente indígena”.

A decisão sinaliza uma mudança importante no processo de construção de barragens na bacia amazônica, onde não há mais espaço para ignorar a Consulta Prévia das comunidades
afetadas. Mas devemos ficar atentos, para que este posicionamento não passe de uma manobra política para legitimar a conturbada política de construção de hidrelétricas na Amazônia.

O universo dos empreendimentos hidroelétricos é balizado por uma série de regras internacionais, criadas pela Comissão Mundial de Barragens (WCD) na tentativa de minimizar os impactos ambientais e sociais deste tipo de construção.  Os padrões estipulados por este documentos servem de modelo para o Banco Mundial e instituições financeiras de diversos países, no tocante a aprovação de financiamentos para suas construções.

Entre as recomendações estão a realização de estudos sobre os impactos ambientais, viabilidade econômica e de Consultas Prévias com as comunidades atingidas pelas obras, para assegurar que seus direitos e desejos sejam respeitados.

No caso de povos indígenas, a necessidade de realizar as consultas é reforçada pelo Convenção n° 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, de 1989, do qual o Brasil é signatário.

De acordo com o artigo 6° da Convenção, as comunidades indígenas devem ser consultadas, “mediante procedimentos apropriados sobre projetos de grande impacto, através de suas instituições representativas cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Além disso, o documento, que tem efeitos de Lei no Brasil, desde 2005, estabelece que a consulta deve
ser feita com “boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias”, a fim de conseguir o consentimento das povos afetados.

Mas não é o que acontece na prática. “O governo não realiza as consultas, e quando dialoga é com o viés apenas informativo, no contexto da decisão política já tomada”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha Amazônia do Greenpeace.

Estudos sob encomenda

Em nota publicada nesta segunda-feira, justificando a decisão, o Ministério de Minas e Energias informou que iria suspender o Leilão “apesar do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica – EVTE -  e do EIA/RIMA terem sido concluídos pelo consórcio desenvolvedor dentro dos prazos acordados”, mais uma vez negando a aplicação da Consulta Prévia, Livre e Informada, como parte do processo de tomada de decisão.

No entanto, como observou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Philip M. Fearnside, em artigo publicado pelo site Amazônia Real, os estudos, tanto ambientais, como sociais, são convenientemente pagos pelos interessados nos projetos. “A indústria de produzir relatórios, tanto ao nível de empresas de consultoria e ao nível de consultores individuais, tem forte motivação para produzir documentos favoráveis aos projetos, para aumentar as chances de ser contratado para projetos futuros. Exemplos incluem a barragem de Tucuruí, Samuel, Santo Antônio/Jirau, Belo Monte, Jatapu e Cotingo”, disse.

“Infelizmente o fato é que a política energética nacional parece estar mais interessada em atender sobretudo os interesses dos seguimentos indústrias energo-intensivos e das empresas que prestam os serviços de construção e equipagem das dezenas de hidrelétricas planejadas”, ressalta Danicley.

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