Diálogo interceptado pela PF revelou a interferência indevida de
ruralistas na tramitação da PEC 215, que passa para o Congresso Nacional
a competência de aprovar a demarcação das Terras Indígenas
Em setembro de 2013 ativistas do Greenpeace realizaram uma ação na Praça
dos Três Poderes, em Brasília, em apoio à semana de Mobilização
Nacional Indígena. O protesto pacífico buscava chamar atenção para o
avanço de propostas no Congresso que tentam retalhar os direitos dos
povos indígenas à terra, como a PEC 215 (© Greenpeace)
Uma ligação interceptada pela Polícia Federal, durante as
investigações sobre uma organização criminosa especializada na grilagem
de terras no Mato Grosso, identificou a interferência indevida de
ruralistas na tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215,
que transfere para o Congresso Nacional o direito exclusivo de demarcar
terras indígenas, bem como ratificar as terras já homologadas. Sua
aprovação acarretaria na não demarcação de novas terras, já que isso
dependeria de votação do Congresso, que é altamente influenciado pela
bancada ruralista.
Na gravação, o líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missú
(Aprossum), que fica no Mato Grosso, o ruralista Sebastião Ferreira
Prado, pede contribuição para uma “vaquinha” de R$ 30 mil, que seria
usada para pagar um advogado ligado a Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), que estava a frente da redação do relatório da PEC
215, na Comissão Especial que aprecia a matéria na Câmara dos Deputados,
com a intenção de incluir pontos de “interesse” do grupo.
“O cara que é relator da PEC, o deputado federal, quem está fazendo
para ele a relatoria é o Rudy, que é companheiro nosso, advogado da CNA.
E nós temos que pagar uma assessoria para ele, para colocar as coisas
de interesse nosso, e esse ‘trem’ custa R$ 30 (mil) conto. Precisamos
arrumar R$ 20 (mil) conto até amanhã”, revela o trecho interceptado pela
PF, apenas um dia antes de Sebastião Prado ter sua prisão preventiva
decretada, do dia 7 deste mês.
Em seu pedido de prisão preventiva, o procurador da república Wilson
Rocha Assis justifica a detenção de Prado pelo fato de o acusado estar
“subvertendo a lógica democrática do processo legislativo”, ao propor o
pagamento pela relatoria.
Segundo o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, quando uma PEC é
proposta na casa é preciso criar uma Comissão Especial, que deve
analisar e discutir seu conteúdo antes de emitir um parecer sobre sua
viabilidade. Neste caso, o relator escolhido para analisar o projeto
foi o deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR). O problema, segundo decisão
do juiz federal Paulo Cezar Sodré, foi que este trabalho foi
terceirizado para um advogado externo a comissão, que faria o serviço
mediante pagamento. Além disso o advogado está ligado à Confederação
Nacional da Agricultura, a quem a PEC seria extremamente vantajosa.
Outro ponto destacado pelo juiz é o fato de que Sebastião seria
diretamente beneficiado com a aprovação da PEC, já que isso lhe
permitiria pedir a revisão da demarcação das terras Marãiwatsédé, local
em que a Aprossum atua para impedir a reintegração de posse ao povo
Xavante, promovendo atividades criminosas, como a depredação de bens
públicos federais, cárcere privado de servidores públicos e
ex-posseiros, obstrução de estradas, ameaças, furtos de bens da União e
incêndios criminosos.
“O caso trazido a público pelo MPF/MT e pela PF traz luz sobre o tipo
de política defendida pelos ruralistas e sobre sua maneira de agir para
garantir que seus interesses sejam atendidos. Para privilegiar seus
interesses vale tudo, desde passar por cima de direitos tradicionais -
já no cerne da PEC 215 - até o uso de ilegalidade no processo, como
esse encontrado na intercepção telefônica”, ressalta Cristiane Mazzetti,
da campanha da Amazônia do Greenpeace.
Terra Indígena Marãiwatsédé e a luta dos Xavantes
Em 1966 um grupo de 400 Xavantes foi retirado de suas terras para
permitir a expansão da fazenda Suia-Missú. Em 1992, no entanto, durante a
Conferência Mundial do Meio-Ambiente (Rio 92) a empresa Agip Petróleo,
que havia adquirido a área, comprometeu-se a devolve-la a seus donos
originais.
Grupo de índios Xavantes realizaram uma ação, a bordo do Rainbow
Warrior, em sua passagem pelo Brasil em 2012. Os indígenas pediam o
reconhecimento de seus direitos, que vinham sendo negligenciados há 20
anos. (© Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Em 1993 foi editada então a Portaria 363, do Ministério da Justiça, reconhecendo a TI Marãiwatsédé como de ocupação tradicional dos Xavante
e garantindo sua demarcação. Mas, apesar de terem sido reconhecidos
como os donos legais das terras, os Xavantes tiveram muitos problemas
para regressar ao local. Desde então grupos organizados de posseiros
ingressaram com diversos pedidos na justiça solicitando a anulação da
reintegração de posse e, mesmo depois da decisão do Supremo Tribunal
Federal, estes grupos continuam agindo com violência e invadindo a área
para impedir o retorno dos indígenas.
Em agosto de 2013, em uma das tentativas da Polícia Federal de
desocupar a região, posseiros queimaram 60% da Terra Indígena para,
segundo o procurador MPT/MT, “impedir os indígenas de usufruírem
pacificamente de seu território”. Neste cenário, a Aprossum, presidida
por Sebastião Prado, é vista pela PF e pelo MPF como ponto central de
uma organização criminosa inserida “em estruturas políticas e
associativas locais, cujos líderes atuam cooptando e insuflando
multidões utilizadas como massa de manobra, mobilizadas por discursos de
ódio contra a população indígena”, relata o procurador Assis.
A ação aponta ainda que, entre as práticas desta organização, estão o
pagamento de propina, incitação a violência, além de privação de
liberdade, já que grileiros que demostravam intenção de sair das terras
eram coagidos e mantidos á força no local, para “não enfraquecer o
movimento”.
Infelizmente, o direito e o destino de milhares de indígenas
brasileiros estão ameaçados por este tipo de política, caso a PEC 215
seja aprovada no Congresso. O Greenpeace é contrário a este projeto e
continuará trabalhando para tornar pública a exploração incondicional da
Amazônia.
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