Friday, August 14, 2015

Fazendo cortesia com o chapéu alheio

Artigo publicado no Blog do Planeta, da Revista Época, fala sobre a liberação, pelo Conselho do FGTS, de recursos para usina hidrelétrica e nuclear. O dinheiro pertence ao cidadão, mas a escolha não
* artigo de Bárbara Rubim, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, publicado no Blog do Plante, da Revista Época, em 20/07/2015
A sigla FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) é uma velha conhecida dos trabalhadores brasileiros. Mas não só deles. A relação do Fundo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) é como aquela que muitas vezes se tem com um antigo amigo que vive pedindo dinheiro emprestado: não aceita ‘não’ como resposta e sempre promete que é a derradeira e última vez em que isso acontece.
O exemplo mais recente dessa relação é um pedido que faria a gente repensar o relacionamento: a (não tão) módica quantia de R$10 bilhões solicitada pelo banco para o financiamento de controversas obras de infraestrutura.
Vejamos, por exemplo, o caso da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, parte do Complexo do Rio Madeira. Uma análise rápida do empreendimento - que num passado recente recebeu R$2 bilhões do FGTS - revela um atraso de quase cinco anos nas obras e o legado de um passivo ambiental enorme na região amazônica, com a perda de biodiversidade presente na área, o inchaço populacional e a remoção de comunidades ribeirinhas e indígenas locais. Apesar de tudo isso, em reunião realizada no último dia 15 de julho, o Comitê de Investimentos do Fundo garantiu à obra o repasse de mais R$45 milhões da poupança do trabalhador.
Infelizmente, quando o assunto é energia, as escolhas equivocadas do BNDES não param por aí. Outro empreendimento a ser beneficiado é a mal-fadada Usina Nuclear Angra 3, cujos custos atuais de construção já ultrapassam em mais de 100% as estimativas iniciais: saltaram de R$7 bi para R$15 bi. Ainda assim, as pressões feitas pelo governo federal e pelo BNDES surtiram efeito, e na mesma reunião decidiu-se também que outros R$400 milhões sairão do FGTS para serem utilizados em um empreendimento que, na melhor das hipóteses, ficará pronto em 2018, após suas obras terem sido paralisadas por 23 anos.
A teoria que levou à criação do FGTS, em meados da década de 1960, é louvável. Evitar o desamparo financeiro do trabalhador, sobretudo em casos de demissão ou doença terminal, por exemplo. Para isso, determina recolhimentos compulsórios a serem feitos pelo empregador sobre a folha de pagamento de seus funcionários e o depósito desse recurso em uma conta bancária.
Na prática, contudo, o levantamento desse recurso pelo trabalhador é restrito a poucas hipóteses legais. E, enquanto elas não ocorrem, é esse mesmo governo que escolhe como gastar, investir e para quem emprestar o dinheiro que, no dia-a-dia, parece inacessível à grande maioria.
A gravidade da falta de autonomia por parte dos brasileiros em relação à sua própria poupança é ainda mais evidente quando esta verba é utilizada para financiar obras que dificilmente encontrariam respaldo na opinião pública, seja por suas graves consequências socioambientais, ou por serem de questionável legalidade, já que - no caso de Santo Antônio e Angra 3 - estão envolvidas nas investigações sobre corrupção da Operação Lava Jato.
Se o objetivo é movimentar os recursos do Fundo e garantir que não falte eletricidade ao Brasil, há alternativas mais baratas, sustentáveis e democráticas. Uma delas é permitir ao cidadão que, se interessado, utilize a quantia depositada no FGTS, sua poupança compulsória, para poder adquirir um sistema de geração fotovoltaica, tornando-se um mini ou microgerador de eletricidade em sua propriedade.
A medida, de pouca complexidade, poderia resultar num crescimento exponencial do número de sistemas conectados à rede elétrica brasileira, no fortalecimento de um sistema descentralizado que ajudaria a reduzir a tão sobrecarregada rede elétrica e, ainda, aumentaria a quantidade de energia solar, fonte renovável, na matriz do País. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostra que o potencial de geração de eletricidade a partir do Sol nos telhados residenciais brasileiros é quase 20 vezes maior que a geração esperada da hidrelétrica da Santo Antônio. Ainda assim, a fonte segue recebendo poucos incentivos do poder público.
Apesar do inegável potencial brasileiro para a energia solar, o governo segue dando poucos incentivos para a fonte, enquanto nega ao brasileiro meios de adquirir seu próprio sistema e economizar na sua conta de luz. Os resultados dessa política são, assim como o FGTS, velhos conhecidos do cidadão: a escolha não lhe é dada, mas o dinheiro investido é dele e, ao final, a conta a ser paga também.

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