* Artigo de Fabiana Alves, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, publicado no UOL em 15/08/2015
Desde os primeiros sinais da crise hídrica em São Paulo o discurso
da Sabesp e do governador do Estado habita um universo mais verossímil
para uma fábula de Lewis Carroll do que para a realidade que a população
enfrenta.
Recentes declarações de dirigentes da Sabesp, incluindo o presidente da companhia, Jerson Kelman, e o governador Geraldo Alckmin, comprovaram o pouco interesse em informar a população sobre as reais circunstâncias da falta de água. Em vez de admitir o desabastecimento e tentar resolver a crise em conjunto com os cidadãos, governo e Sabesp se afastam da sociedade civil ao negar o que é fato: sim, falta água em São Paulo.
Talvez Alice (do País das Maravilhas) possa esclarecer melhor aos paulistas – já que, pelo discurso de ambos, ela circula nos corredores institucionais do colapso hídrico. A população quer compreender, por exemplo, por que Alckmin declarou que "ninguém ficou sem água", em audiência sobre a crise hídrica realizada no Senado no dia 08 de julho.
A negação choca não apenas por ser uma inverdade comprovada diariamente pelos moradores do Estado, mas também pela incógnita de quem são os "ninguém" do governador,o que indica que a falta de água não é para todos.
São várias as fantasias. Jerson Kelman, por sua vez, justificou em recente entrevista à Folha que o problema não é garantir o suprimento ininterrupto de água, mas sim as pessoas não terem caixa d´água. Kelman transfere a culpa da má gestão da crise para a população, demonstrando descaso com milhares que não têm condições de alocar uma caixa d"água.
Aliás, o que apenas faz sentido quando não há abastecimento eficiente. Moradores do Jardim Régis, em São Paulo, chegaram a receber caixas d"água da Sabesp, mas não tinham dinheiro e nem espaço para instalá-las. A realidade é que a água existe para quem pode pagar por ela.
Na mesma entrevista fabulosa, Kelman afirmou que o preço da água poderia ser maior, até porque a população paga muito mais na conta do celular. Mas celular e água são bens distintos. Diferente do setor de telefonia, a água é um monopólio natural, ou seja, apenas uma empresa a fornece em cada cidade.
Em São Paulo, a Sabesp cuida do abastecimento de 364 municípios – e, para assegurar que um bem vital não seja tratado como mercadoria, o governo é acionista majoritário da companhia. Porém, se os gestores desse bem público mascaram a realidade sobre o seu abastecimento, a água acaba servindo de ferramenta de manobra política, ora defendendo conveniências de governo, ora de acionistas.
Outro personagem desse país maravilhoso, Manuelito Magalhães, diretor de gestão corporativa da Sabesp, escreveu o artigo "Gente também é bicho", defendendo obras de transposição de rios em caráter emergencial sem aprovação dos devidos órgãos ambientais. Desde 2011, relatório da própria Sabesp para investidores afirma que poderiam existir problemas de abastecimento devido à degradação de mananciais.
Além disso, o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água da Agência Nacional de Água já indicava, em 2010, que poderia haver deficit hídrico em mais da metade das cidades do país até 2015. Mesmo assim, os investimentos adequados não foram realizados.
Investir em obras de transposição não resolverá o problema de água de São Paulo, podendo, aliás, agravá-lo. Enquanto não houver políticas fortes de recuperação de mananciais, despoluição de rios e tratamento de esgoto, qualquer estiagem afetará a oferta de água do Estado.
Comprometer fluxos naturais de rios limita a capacidade dos cursos d´água em exercer suas funções de irrigação e abastecimento, além de deixá-los mais vulneráveis a efeitos adversos, como secas e enchentes. Talvez Alice possa nos dizer onde esses gestores querem chegar investindo na catástrofe.
A busca de água em lugares cada vez mais longe das áreas centrais demonstra uma política baseada no esgotamento de recursos naturais, e não na preservação. Kelman, porém, insiste que o impacto das obras de transposição é desprezível, pois são feitas em áreas urbanas. O presidente esquece que mudar cursos de rios causa alterações diretasao ecossistema. O meio urbano também necessita de florestas e água para sobreviver. Afinal, gente também é bicho.
Ignorar a falta de água, como Alckmin, ou comparar o preço da água com o do setor de telefonia, como Kelman, apenas dificulta a vida de milhares de cidadãos que vivem a seca dentro de suas casas, de mãos atadas, sem saberem ao certo como lidar com a falta de um recurso que é vital. Talvez apenas Alice possa explicar tudo isso.
Recentes declarações de dirigentes da Sabesp, incluindo o presidente da companhia, Jerson Kelman, e o governador Geraldo Alckmin, comprovaram o pouco interesse em informar a população sobre as reais circunstâncias da falta de água. Em vez de admitir o desabastecimento e tentar resolver a crise em conjunto com os cidadãos, governo e Sabesp se afastam da sociedade civil ao negar o que é fato: sim, falta água em São Paulo.
Talvez Alice (do País das Maravilhas) possa esclarecer melhor aos paulistas – já que, pelo discurso de ambos, ela circula nos corredores institucionais do colapso hídrico. A população quer compreender, por exemplo, por que Alckmin declarou que "ninguém ficou sem água", em audiência sobre a crise hídrica realizada no Senado no dia 08 de julho.
A negação choca não apenas por ser uma inverdade comprovada diariamente pelos moradores do Estado, mas também pela incógnita de quem são os "ninguém" do governador,o que indica que a falta de água não é para todos.
São várias as fantasias. Jerson Kelman, por sua vez, justificou em recente entrevista à Folha que o problema não é garantir o suprimento ininterrupto de água, mas sim as pessoas não terem caixa d´água. Kelman transfere a culpa da má gestão da crise para a população, demonstrando descaso com milhares que não têm condições de alocar uma caixa d"água.
Aliás, o que apenas faz sentido quando não há abastecimento eficiente. Moradores do Jardim Régis, em São Paulo, chegaram a receber caixas d"água da Sabesp, mas não tinham dinheiro e nem espaço para instalá-las. A realidade é que a água existe para quem pode pagar por ela.
Na mesma entrevista fabulosa, Kelman afirmou que o preço da água poderia ser maior, até porque a população paga muito mais na conta do celular. Mas celular e água são bens distintos. Diferente do setor de telefonia, a água é um monopólio natural, ou seja, apenas uma empresa a fornece em cada cidade.
Em São Paulo, a Sabesp cuida do abastecimento de 364 municípios – e, para assegurar que um bem vital não seja tratado como mercadoria, o governo é acionista majoritário da companhia. Porém, se os gestores desse bem público mascaram a realidade sobre o seu abastecimento, a água acaba servindo de ferramenta de manobra política, ora defendendo conveniências de governo, ora de acionistas.
Outro personagem desse país maravilhoso, Manuelito Magalhães, diretor de gestão corporativa da Sabesp, escreveu o artigo "Gente também é bicho", defendendo obras de transposição de rios em caráter emergencial sem aprovação dos devidos órgãos ambientais. Desde 2011, relatório da própria Sabesp para investidores afirma que poderiam existir problemas de abastecimento devido à degradação de mananciais.
Além disso, o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água da Agência Nacional de Água já indicava, em 2010, que poderia haver deficit hídrico em mais da metade das cidades do país até 2015. Mesmo assim, os investimentos adequados não foram realizados.
Investir em obras de transposição não resolverá o problema de água de São Paulo, podendo, aliás, agravá-lo. Enquanto não houver políticas fortes de recuperação de mananciais, despoluição de rios e tratamento de esgoto, qualquer estiagem afetará a oferta de água do Estado.
Comprometer fluxos naturais de rios limita a capacidade dos cursos d´água em exercer suas funções de irrigação e abastecimento, além de deixá-los mais vulneráveis a efeitos adversos, como secas e enchentes. Talvez Alice possa nos dizer onde esses gestores querem chegar investindo na catástrofe.
A busca de água em lugares cada vez mais longe das áreas centrais demonstra uma política baseada no esgotamento de recursos naturais, e não na preservação. Kelman, porém, insiste que o impacto das obras de transposição é desprezível, pois são feitas em áreas urbanas. O presidente esquece que mudar cursos de rios causa alterações diretasao ecossistema. O meio urbano também necessita de florestas e água para sobreviver. Afinal, gente também é bicho.
Ignorar a falta de água, como Alckmin, ou comparar o preço da água com o do setor de telefonia, como Kelman, apenas dificulta a vida de milhares de cidadãos que vivem a seca dentro de suas casas, de mãos atadas, sem saberem ao certo como lidar com a falta de um recurso que é vital. Talvez apenas Alice possa explicar tudo isso.
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