O texto aprovado na COP 21 é menos do que o mundo precisa, mas dá um rumo aos esforços que precisam ser feitos. O Brasil ainda deve rever suas metas e torna-las mais ambiciosas
(©Greenpeace)
Meses antes, junto à ciência, o Papa Francisco lançou ao mundo um encíclica, chamando os chefes de Estado à ação e as pessoas à mobilização. Em sua carta, ele foi certeiro: mudanças climáticas são, antes de tudo, um assunto social e têm consequências graves para os mais pobres. Se nada for feito, isso aumentará as desigualdades no mundo.
No primeiro dia da COP 21, mais de 140 chefes de nação estavam presentes. Eles fizeram discursos inflamados e promessas às dúzias. Foram pressionados por mais de 2.300 eventos em 175 países que colocaram pessoas nas ruas cobrando mais ação resultados. O recado estava dado.
Falhar em Paris seria um desastre. Ao mesmo tempo, o triunfo não significaria solução pronta e acabada. O acordo estabelecido naquela noite reflete isso.
Que acordo é esse?
O Acordo de Paris é histórico, mas está longe de ser perfeito. É o ponto de partida sem o qual ficaria muito difícil chegarmos a uma solução para o problema climático. Seu principal mérito é apontar claramente que a era dos combustíveis fósseis começou a ruir. Mas ainda há um grande abismo entre seu conteúdo e o que é necessário se fazer na vida real.
O texto traz pontos importantes, como estabelecer que o mundo deve perseguir o objetivo de não aquecer mais do que 1,5 oC. Também diz que devemos neutralizar as emissões dos gases que provocam o efeito estufa entre os anos de 2050 e 2100. O acordo deveria ser mais preciso, limitando taxativamente o aquecimento máximo a 1,5 oC, e ter 2050 como ponto final para o uso de combustíveis fósseis. O maior problema, no entanto, não está aí. As promessas de cortes de emissões feitas pelos países, ainda que cumpridas em sua totalidade, nos levarão a um aquecimento entre 2,7 oC e 3,5 oC. Isto é, as promessas cumprem metade do que precisamos fazer. E, fique claro, são apenas promessas.
Se o planejado é insuficiente, precisamos rever imediatamente o prometido e definir ações mais ambiciosas. Eis aí outro problema: a avaliação de como as coisas estão andando só ocorrerá daqui a três anos, e a revisão dos planos (que já sabemos serem insuficientes), daqui a uma década. Simplesmente não faz sentido tanta espera. Rever essas datas é crucial.
Em relação a finanças, foi aprovado o fundo de 100 bilhões de dólares ao ano até 2020. É uma quantia que deve minimizar os impactos já sofridos pelas mudanças do clima – e é uma boa notícia. No entanto, assuntos como a ajuda para adaptação aos países mais necessitados, a transferência de tecnologia para que poluidores em desenvolvimento realizem as mudanças necessárias e a transparência na análise destas ações, entre outros tópicos, ainda estão escritos em letras fracas, em parágrafos nebulosos. E precisarão ser melhorados nas próximas conferências.
Florestas reconhecidas, mas sem desmatamento zero
A questão florestal teve bons e maus momentos ao longo da conferência em Paris. As florestas foram reconhecidas como cruciais para a preservação do clima, e ajudas financeiras foram anunciadas para sua proteção. Os direitos indígenas e de populações tradicionais também são citados em diversas partes do texto, reconhecendo-os como guardiões desses pedaços verdes, que colorem e trazem vida ao nosso planeta.
Como já foi dito, no entanto, este não é um acordo perfeito. Não há, nos trechos sobre florestas, um ponto fundamental: o conceito de fim do desmatamento. Além de grave, é uma contradição. Há menos de três meses, na Assembleia Geral em que se determinaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a própria ONU deliberou que os países acabassem com o desmatamento até 2020. Nada mais natural que a medida aparecesse também no acordo climático. E não aconteceu.
Também preocupa que o texto abra uma porta para que a preservação florestal seja usada como um mecanismo de compensação de emissões. Isso seria uma autorização para que a limpeza da atmosfera, promovida pelas florestas, permita aqueles que não cumpriram seu papel, de cortar emissões, continuem a poluir. É uma espécie de “vale-sujeira”. Não é o que precisamos.
O Acordo de Paris, como podemos ver, é menos do que o mundo precisa, mas tem pontos positivos e dá um rumo global aos esforços que precisam ser feitos. Perto do que tínhamos, é um avanço. Para o que precisamos, ainda falta muito. “Este acordo não irá nos tirar do buraco onde estamos, mas ajuda nossa escalada para fora dele”, disse o presidente mundial do Greenpeace, Kumi Naidoo.
O trabalho que o governo brasileiro tem pela frente
O Brasil teve um papel determinante na costura do acordo que saiu da COP 21. Lideramos um dos grupos de negociações e, certamente, nossos representantes ajudaram em muito para que o acordo ocorresse. De volta para casa, porém, nossa atual trajetória ambiental e as promessas que o Brasil enviou para a COP de Paris precisam de mudanças profundas.
O país, hoje, encontra-se claramente na contramão de alguns dos pontos positivos do acordo. O reconhecimento dos direitos indígenas talvez seja o mais visível deles. Enquanto nos fóruns da ONU eles ganham relevância e respeito, por aqui enfrentam uma tentativa diária e desumana de aniquilação. Não faltam exemplos vindos do Congresso, do Planalto e do dia a dia.
Nos corredores do poder em Brasília, parlamentares e o governo tentam saquear suas terras, com projetos de mineração e hidrelétricas. A PEC 215, projeto que muda a constituição, pode ser traduzido como o fim dos direitos dessas populações. O atual governo é o que menos demarcou terras indígenas, e o segundo pior no quesito áreas que conservam florestas. Anualmente, os índices de violência e assassinatos dessas populações batem infelizes recordes.
Outra lição de casa que precisamos fazer imediatamente é rever a fraca e insuficiente promessa que o país enviou à ONU antes da conferência se iniciar. Nela, o plano de combate ao desmatamento, nosso maior causador de emissões, simplesmente não existe. O governo afirma que vai cumprir a lei florestal até o ano de 2030. Não parece sério. Cumprir a lei não é plano, é obrigação. E é algo a ser feito imediatamente, e não daqui a uma década e meia. Além disso, desmatamento não traz apenas danos ambientais, mas causa imensos prejuízos econômicos e sociais. O mínimo que podemos aceitar é zerar o desmatamento.
Na parte de energia, a contradição é ainda mais evidente. A conferência concordou que o mundo deve caminhar para o fim do uso dos combustíveis fósseis. Por aqui, o plano do governo é de que, nos próximos 10 anos, 70% dos investimentos na área de energia terão como destino fontes poluentes.
Somos uma das nações com maior potencial para aproveitamento de fontes limpas, mas enviamos à ONU um plano para que, daqui a 15 anos, tenhamos o mesmo percentual de energia renovável de hoje. O compromisso do governo quase não inclui a fonte solar – a mais abundante do país. Além de baixar a conta de luz do cidadão, essa fonte de energia gera empregos e garante segurança energética. Mas sua participação nos planos futuros do país é quase nula.
Assim como preservar florestas, investir em energia limpa não é apenas uma questão ambiental, ou um favor que fazemos para a contagem de carbono na atmosfera. É uma grande oportunidade para a economia do Brasil e para a vida dos brasileiros. É uma questão de lógica, e depende apenas da vontade de nossos governantes. Esperamos que eles se inspirem no texto que ajudaram a construir.
Por enquanto, o Acordo de Paris nos dá um sopro de esperança. Já a realidade, é uma tormenta de preocupações.
*Márcio Astrini é coordenador de Políticas Públicas e Pedro Telles é da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil
No comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.