Acordo é volta ao passado colonial, onde a América Latina entrega seu patrimônio natural, transformado em carne e soja, e recebe “espelhinhos”, na forma de agrotóxicos e peças automotivas
Nesta segunda-feira (13), ativistas do Greenpeace realizaram um protesto pacífico na entrada do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, que aconteceu em Belo Horizonte (MG), para alertar os tomadores de decisão sobre os riscos para o meio ambiente e os direitos humanos decorrentes de uma possível aprovação do acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul.
Se aprovado como está, o acordo irá reforçar a lógica neocolonialista em que os países da América do Sul seguirão em seu “papel de eternos fornecedores de matérias-primas baratas, produzidas com custos sociais e ambientais imensos, em troca de produtos industrializados europeus”, como pontua o pesquisador Thomas Fritz, no relatório “Acordo UE-Mercosul: Ameaça para a proteção do clima e dos direitos humanos”, publicado pelo Greenpeace Alemanha, em parceria com grupo de organizações.
Com faixas com a mensagem em português, inglês e alemão “Pare o acordo neocolonial e tóxico UE-Mercosul”, os manifestantes pediram que a UE e os países do Mercosul trabalhem juntos na elaboração de outras formas de cooperação e comércio, que apoiem a transição social e ecológica necessária em todos os países. Para o Greenpeace Brasil, o acordo precisa ser rejeitado em sua totalidade, pois as medidas previstas atualmente para evitar as violações socioambientais não serão suficientes para evitar os impactos negativos da proposta.
Para Thais Bannwart, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, o acordo de livre comércio vai no sentido contrário às necessidades atuais para o combate das mudanças climáticas, da proteção ambiental e dos direitos humanos, sobretudo das populações mais vulnerabilizadas.
“O objetivo do acordo é aumentar o comércio de produtos agrícolas como carne e soja, produtos químicos, como agrotóxicos, carros e peças de automóveis. O diabo não está apenas nos detalhes, todo o acordo vai nos levar para trás na ação climática e na proteção da natureza, em benefício das indústrias automotiva e química europeia e do agronegócio sul-americano em grande escala”, afirma.
De acordo com o relatório do Greenpeace Alemanha, “ao reduzir tarifas comerciais e ampliar quotas de importação e exportação, o acordo vai aumentar ainda mais a pressão do agronegócio e das multinacionais de mineração e energia sobre os recursos naturais da Amazônia, do Cerrado, do Chaco e de outras regiões da América do Sul, colocando em risco ainda maior os povos que nelas vivem – sejam eles camponeses e agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas ou ribeirinhos. Além disso, poderá ampliar os riscos relativos à contaminação por agrotóxicos, à concentração fundiária e à profunda e desigual distância entre cidadãos europeus e sul-americanos no que diz respeito à segurança e soberania alimentar”.
Desmatamento Zero ou vender nossos recursos naturais: escolha nada difícil
Atualmente, dois terços das importações da UE de países do Mercosul consistem em matérias-primas agrícolas e minerais. O bloco europeu compra 13% de toda a soja produzida nos países latinoamericanos, e o novo acordo não traz nenhuma especificação sobre uma produção mais sustentável da oleaginosa, que vem deixando um rastro de destruição e violência no Cerrado brasileiro e no Gran Chaco argentino. Pelo contrário, o acordo prevê a venda de ração animal ainda mais barata para a UE.
No caso da pecuária, o acordo prevê um aumento de 50% nos atuais volumes de exportação, em um cenário em que a pecuária já ocupa 90% de todas as áreas naturais desmatadas no Brasil, em todos os seis biomas, de acordo com dados do “Projeto MapBiomas – Mapeamento Anual de Cobertura e Uso da Terra do Brasil – Coleção 7”.
Se o tratado for ratificado em sua forma atual, a mensagem é clara: o lucro de poucos prevalece sobre todos. A atual intenção da Comissão Europeia de abordar as brechas de sustentabilidade do acordo UE-Mercosul por meio de um “instrumento adicional” de natureza interpretativa é um processo de “greenwashing”, incapaz de corrigir as graves deficiências do acordo.
A atual versão do acordo foi concluída em junho de 2019, durante o governo Bolsonaro, após mais de 20 anos de negociação. Mas devido à explosão do desmatamento da Amazônia e da violência contra povos indígenas do Brasil sob Bolsonaro, o acordo não foi ratificado pelas partes. Agora, com a eleição de Lula como presidente, a Comissão Europeia, assim como alguns governos e indústrias na Europa, veem uma oportunidade de promover o acordo comercial UE-Mercosul e pressionam por sua ratificação.
Mas este é um acordo do século passado e que reflete o pensamento daquele tempo. Não condiz com as necessidades destes tempos. O presidente Lula manifestou preocupação com o acordo, enfatizando que quer um comércio mais justo e não está interessado em acordos comerciais que condenem o Brasil ao “eterno papel de exportador de commodities e matérias-primas”. Porém, Lula e membros do governo têm avançado no diálogo sobre o acordo e indicado que querem renegociar o texto com a União Europeia.
“Sem um repensar radical, o acordo levará à destruição contínua da Amazônia e de outros ecossistemas vitais, acelerando as crises do clima e da natureza, e fortalecerá as assimetrias econômicas entre as economias do Mercosul e da UE, aprofundando as disparidades globais”, alerta Thais Bannwart.
Considerando os desafios impostos pelas mudanças climáticas e uma nova configuração geopolítica do século XXI, é urgente repensar acordos de comércio baseados na cooperação e que coloquem a questão ambiental e os direitos humanos como elementos centrais.
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