Ao saber da intenção do governo federal em construir um complexo de
sete hidrelétricas ao longo da bacia do Tapajós, o movimento de
resistência indígena Ipereg Ayu, formado por caciques, mulheres, jovens
estudantes e guerreiros da etnia Munduruku, lançou um chamado para
fazerem cumprir o direito à consulta prévia, livre e informada garantido
pela Constituição brasileira e pela Convenção 169 da OIT, Organização
Internacional do Trabalho.
A convenção estabelece que os povos que tenham seu patrimônio físico e
cultural ameaçados por grandes empreendimentos hídricos tenham acesso a
todas as informações sobre os impactos do projeto e que sua opinião
seja ouvida em sua língua de origem, quando e onde quiserem, por
representantes do governo. Antes mesmo do início do licenciamento das
obras.
A lei, entretanto, vem sido desrespeitada pelo governo brasileiro ao
longo de sua história. Para citar exemplos recentes, as populações
atingidas pela construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio
(rio Madeira), ou Belo Monte (rio Xingu), nunca foram consultadas.
Assim, dez organizações se uniram ao MPF para atender à solicitação
do movimento, que nasceu a partir da compreensão de que o Tapajós livre é
fundamental para a manutenção da vida e da cultura do povo Munduruku.
Durante uma semana, o diálogo “Consulta prévia, livre e bem
informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da
Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169 em três comunidades
que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se capacitassem sobre
este direito e formulassem um documento onde estabelecem de que forma
querem ser ouvidos.
Durante uma semana, o diálogo “Consulta prévia, livre e bem
informada: um direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais da
Amazônia” ministrou oficinas sobre a Convenção 169 em três comunidades
que vivem às margens do Tapajós. A intenção é que se capacitassem sobre
este direito e formulassem um documento onde estabelecem de que forma
querem ser ouvidos.
“Vejo com preocupação essa compreensão da Amazônia como fonte
inesgotável de desenvolvimento. Que desenvolvimento é esse, que não
considera os povos da floresta? “Não queremos que se repita o caos
social que se instalou em Altamira, com Belo Monte. Para onde vai a
energia gerada por essas hidrelétricas?”, questiona Camões Boaventura,
procurador da República que representava o MPF junto ao grupo.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
O procurador da República Dr. Camões Boaventura em oficina
na aldeia Waro Apompu
Depois de dois dias de conversas e reuniões traduzidas do munduruku ao português, os participantes produziram uma proposta de
protocolo de consulta na qual expressam formalmente como e quando devem ser consultados.
“Vamos dar até nossa última gota de sangue para que as barragens não
sejam construídas. Vamos lutar como sempre fizemos”, sentenciava Paygo
Muyatpu (Josias Manhuary), líder dos guerreiros Munduruku.
Índios e ribeirinhos: a mesma luta, o mesmo Tapajós O
segundo destino foi a comunidade de Mangabal, mais precisamente o
povoado de Machado, onde uma das barragens está prevista para ser
instalada.
Dezenas de moradores de Montanha e Mangabal
participaram das oficinas, comunidades que há tempos têm suas terras
ameaçadas pelos interesses de grileiros, mineradoras e madeireiros. Há
um ano, entretanto, tiveram seu território garantido como Projeto de
Assentamento Agroextrativista (PAE).
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Oficina em Machado (Projeto de assentamento agroextrativista
de Montanha e Mangabal)
Muitos moradores dizem terem sido visitados pelo Diálogo
Tapajós, projeto das empresas do consórcio interessado na construção do
complexo hidrelétrico. Junto a guardas da Força Nacional, estes
representantes teriam abordado e pressionado para que os moradores
respondessem a um questionário, com assinatura no final, sob a ameaça de
não serem ressarcidos, caso percam suas casas. “Quem é que não assina
depois de ouvir isso? Não entendi nada, mas assinei”, justifica o
agricultor Solimar dos Anjos.
“Já não houve consulta prévia, uma vez que o Governo Federal lançou
edital para o leilão das hidrelétricas antes de ouvir qualquer grupo.
Não foi livre, pois as famílias ribeirinhas já receberam visitas
pressionadoras de consultores das empreiteiras interessadas no projeto. E
não é informada, quando ninguém teve suas dúvidas esclarecidas”, pontua
Dr. Camões.
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
©
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
©
Em dois dias de oficinas, conversas, relatos e troca de experiências
fortaleceram o sentimento de união das comunidades. Ao final do
trabalho, a comunidade também finalizou sua proposta de protocolo de
consulta. “Me sinto respaldada. Foi importante saber de nossos direitos,
agora estamos mais unidos e confiantes na luta contra as barragens”,
disse a ribeirinha Tereza Lobo.
A última etapa foi na Aldeia Praia do Mangue, na cidade de Itaituba, Médio Tapajós. Na área vivem cerca de 130 Mundurukus.
Caciques, lideranças e moradores da aldeia estavam prontos para
ouvir, relatar e contribuir com o documento iniciado na aldeia Waro
Apompu.
“Minha aldeia será completamente alagada. A gente não dorme mais.
Fico pensando no futuro, como vamos sobreviver? Aqui está a nossa
história, o nosso cemitério. Vai acabar tudo”, lamenta Juarez Saw
Munduruku, cacique de Sawré Muybu, a aldeia mais atingida, onde hoje
vivem cerca de 150 pessoa.
Encontro cancelado: desânimo e incerteza
Os documentos formalizados como resultado das oficinas, onde as
populações estipulam, conforme a lei, como devem ser ouvidos, seriam
entregues a representantes do governo federal em um encontro marcado
para os dias 05 e 06 de novembro, na aldeia Sai Cinza, em Jacareacanga,
Pará.
O Governo Federal, entretanto, mais uma vez desperdiçou a
oportunidade de construir um processo democrático e inédito na história
do País, dando continuidade a sua vexatória e desrespeitosa política
social para com os povos tradicionais e indígenas. Às vésperas da data
marcada, não só cancelou o encontro, como na declaração de Nilton
Tubino, coordenador geral dos Movimentos do campo da Secretaria geral da
presidência da República, afirmou que não atribui o direito de consulta
prévia às comunidades ribeirinhas, por não se tratarem de população
indígena.
Em recente petição, o MPF pede para que se cumpra a lei.
“Que todas as comunidades tradicionais (sejam elas indígenas ou tribais)
situadas na bacia hidrográfica em que se pretende a construção da UHE
São Luiz do Tapajós, sejam consultadas, já que a Convenção nº 169/OIT já
foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como uma norma de status
supralegal”.
Rio da Vida
Para os Munduruku, Tapajós significa
“rio da vida”. Com 795 km de extensão, a imensa massa de água
azul-esverdeada é o último rio que ainda permanece livre dos
empreendimentos hidrelétricos na Amazônia.
Cerca de 120 aldeias
tiram sua subsistência de suas águas e de seus afluentes. Ao lutarem
pela preservação do rio, essas pessoas lutam também por suas vidas.
“Nós
humanos ainda podemos ser consultados, mas e os peixes, os animais da
floresta e as aves? Eles não têm como dar sua opinião”, analisa Kababi
Muy’bu, (Ademir Kaba), antropólogo formado pela Universidade Federal do
Pará.
Camões Boaventura resume um sentimento geral na região. “Vejo
no olhar dos amazônidas o ressentimento em ter seus recursos naturais
explorados para servir ao restante do País”.
Enquanto isso, as
crianças de Waro Apompu, Machado e Praia do Mangue seguem nadando nas
águas livres do Tapajós, onde as barragens pairam como ameaças cada vez
mais próximas e reais.
O diálogo “Consulta prévia, livre e bem informada: um direito dos
povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia” é formado por
integrantes do Ministério Público Federal (MPF) e das organizações FASE
(Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) , Artigo19,
Tapajós Vivo, Movimento Xingu Vivo, International Rivers, Projeto Nova
Cartografia Social, FAOR (Fórum da Amazônia Oriental), Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), Amazon Watch, além do Greenpeace Brasil e
Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA).