Análise da implementação da Política Nacional de Mudanças do Clima feita
pelo Greenpeace mostra que país precisa e pode fazer mais para
controlar o aquecimento global.
Plataforma de petróleo na bacia de Santos: país aumentou investimento
em combustíveis fósseis (©Greenpeace/Rodrigo Paiva/RPCI)
Cinco anos depois de anunciar planos para controlar suas emissões de
gases estufa, que causam o aquecimento global, o Brasil mostra que
realmente reduziu onde era urgente - caiu o desmatamento e as queimadas
na Amazônia -, mas pelo caminho deixou uma trilha de minas enterradas
que podem explodir a qualquer momento e colocar em risco os avanços
obtidos.
Esse é o que se vê no relatório "As lições da Política Nacional de
Mudanças Climáticas", que o Greenpeace lança hoje, com uma análise dos
planos de mitigação de gases nos três setores que mais emitem (mudança
de uso da terra, agropecuária e energia).
Em 2009, o país prometeu reduzir, voluntariamente, entre 36,1% e
38,9% das emissões projetadas para 2020, e já cumpriu dois terços dessa
meta. É um bom caminho, mas majoritariamente dependente do controle da
derrubada na Amazônia e de uma redução previamente atingida no cerrado. É
neste campo que a maior fatia de corte de emissão se encontra.
O trabalho nesses dois biomas criou um colchão de excedente de
emissão de gases estufa num primeiro momento que não vai se manter na
próxima década. Energia será a principal fonte de emissão em 2020 (32% a
33% do total de emissões, dependendo da redução obtida), e os planos
setoriais para "limpar" a geração e o uso de energia e o transporte são
falhos e fracos.
Já o plano de mitigação para agropecuária, o Plano ABC, é um rascunho
perto do potencial e da necessidade (o setor será o segundo maior
emissor de gases estufa no Brasil em 2020, respondendo por 29% do
total). Ele e seu braço financiador não incorporam a prioridade de
preservação dada aos biomas Amazônia e cerrado, os principais palcos de
avanço da fronteira de produção.
DESAFIOS
Ontem, o governo brasileiro divulgou que o desmatamento na Amazônia
subiu 28% no último ano. É uma curva para cima após uma longa tendência
de queda. Isso traz duas lições. Primeiro, acabar definitivamente com o
desmatamento exige mais do que tem sido feito - as políticas
estruturantes planejadas não somente ficaram paradas como sofreram
reverses, o que pode ter um efeito negativo nas metas assumidas pelo
país.
A segunda lição é que, por mais importante que seja manter florestas
como caminho para o país reduzir a emissão de gases estufa, o trabalho
não pode ser dependente de um único setor. "Para desenvolver uma
verdadeira economia de baixo carbono, o Brasil precisa fazer mais. O
governo deve mudar as regras do jogo: zerar o desmatamento, com
políticas estruturantes de longo prazo; dar espaço para Sol, vento e
biomassa como fontes de energia; e deve investir intensamente em
transporte público limpo e de qualidade", afirma Sérgio Leitão, diretor
de políticas públicas do Greenpeace Brasil. "O controle das mudanças
climáticas precisa voltar a ser prioridade da agenda do governo, e não
uma promessa feita ao vento."
DESTAQUES
Amazônia: as emissões de gases estufa decorrentes da
redução da taxa de desmatamento na Amazônia já foram reduzidas em
76,17% em relação às emissões projetadas para 2020. Mas há pontas soltas
em sua implementação que colocam em risco a sustentação da meta, em
especial os planos de criação e consolidação de áreas protegidas, que
deixam a desejar. Além disso, a mudança no Código Florestal deu uma
indicação negativa sobre a preservação da floresta, ao premiar quem agiu
fora da lei. E, no Congresso, a bancada ruralista mantém sua pressão
para flexibilizar cada vez mais a legislação, sem que o Planalto segure
suas ações.
Cerrado: uma das novidades foi a criação de uma meta
para redução de desmatamento no cerrado, um dos biomas mais ameaçados
do Brasil pela expansão da agricultura e da pecuária. A ideia era
diminuir em 40% a taxa de desmatamento deste bioma em relação à média
verificada entre 1999 e 2008. Só que o governo estabeleceu uma meta que
já havia sido cumprida. Ou seja, a sobra virou "colchão de emissão" para
o governo. Em 2012, apenas 30% das ações previstas para aquele ano
foram executadas.
Agropecuária: o Plano ABC tem como objetivo reduzir de 133,9 milhões a 162,9 milhões de toneladas de CO
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equivalente (tCO2e) até 2020, e também pode suavizar a pressão do
desmatamento em áreas sensíveis, como a Amazônia. Porém, o governo
precisa juntar os pontos: o plano setorial para redução de emissões no
setor agropecuário precisa ter sinergia com o PPCDAm e o PPCerrado, com
mecanismos que ampliem desembolsos para projetos nestes biomas. Isso
seguindo as premissas ambientais rigorosas - que ainda não foram
incorporadas pelo plano agropecuário e muito menos pelo Programa ABC,
seu braço financiador.
Energia: o setor energético nacional apresenta
atualmente o maior crescimento em emissões e será a principal fonte de
até 2020, ao lado do setor agropecuário. Mas o Plano Decenal de Energia
(PDE), que faz as vezes de plano setorial, incentiva mais emissões do
que ações de mitigação, estabelecendo mais de 70% do investimento nos
próximos dez anos para petróleo e gás. O setor espera atingir a meta
setorial proposta, de 680 MtCO2e, mas não leva em consideração que ela
está muito abaixo do que é necessário e do que seria possível com
investimento em fontes renováveis.
Transporte: a meta é de abater 4,9 milhões de
toneladas por meio de “soluções infraestruturais e logísticas”. Além de
ser muito baixa, é baseada em obras do PAC e da Copa, que foram pouco
executadas. Há também uma meta de redução de emissão pela substituição
de combustíveis fósseis por biocombustíveis (que está computada no plano
setorial de energia, o PDE). Mas, além de não receber incentivos
oficiais, a proposta não ataca o cerne do problema: o corte de gases
estufa no setor deve ser consequência da transferência de modal, para
desafogar as ruas e as estradas com transporte público e de carga de
qualidade e menor impacto ambiental.
Processo de revisão: o Plano Nacional de Mudanças do
Clima deveria passar por revisões periódicas. Mas não é o que
aconteceu. A última, realizada em 2013, nem pode ser chamada de revisão
propriamente dita. Além de manter a sociedade civil distante de todo o
processo (apesar das promessas de transparência feitas), o governo
apenas atualizou alguns dados e planos setoriais que chegaram atrasados,
sem consertar desvios (como a meta já cumprida para o cerrado) ou
fraquezas (como o plano de mobilidade urbana, que está muito aquém do
que é esperado pela população).
Para ler o relatório
"As lições da Política Nacional de Mudanças do Clima", clique aqui