por Juliana Arini
Com incêndios intensos há mais de três meses, a paisagem da região se assemelha a de áreas bombardeadas em uma guerra
O Brasil está em chamas. As queimadas no Pantanal são um exemplo das falhas na gestão do patrimônio ambiental do país. Em uma expedição por Mato Grosso, o estado mais atingido por incêndios em 2020, a equipe do Greenpeace Brasil constatou os impactos da lenta resposta do governo federal aos incêndios na região. O fogo já consumiu cerca de 20% do bioma e segue sem controle nos dois estados que formam o Pantanal brasileiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Com incêndios há mais de três meses, a paisagem da região se assemelha a de áreas bombardeadas em uma guerra. Animais mortos carbonizados ou feridos com queimaduras de terceiro grau e populações tradicionais abandonas compõem a paisagem cinzenta e irrespirável da MT-060, a Rodovia Transpantaneira, entre Cuiabá e Porto Jofre, a 300 quilômetros da capital mato-grossense.
Mesmo com algumas chuvas, as queimadas persistem em todo o Pantanal. Poconé, em Mato Grosso, lidera os registros, com 4.403 focos de calor acumulados entre janeiro e setembro, seguido por Barão de Melgaço (3.602) e Cáceres (1.994). No estado, queimadas já atingiram três dos onze “Pantanais” – as diferentes paisagens ecossistêmicas que formam os 160 quilômetros quadrados do bioma. Em Mato Grosso do Sul, os incêndios se concentram em Corumbá, na região da Serra do Amolar. São 6.438 focos desde janeiro, de um total de 6.975 para o estado. O município também continua com grandes incêndios ativos.
A intensidade do número de focos de calor não sensibilizou o governo federal sobre a urgência da situação. Menos de 200 homens fazem o combate direto no bioma, conforme dados do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (CIMAN-MT), do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, responsável pela coordenação da Operação Pantanal II.
A base de operações no Pantanal foi montada há 55 dias nas instalações do hotel Sesc Pantanal, em Porto Cercado, a cem quilômetros de Cuiabá. As previsões meteorológicas de chuva para o bioma indicam que o alívio do céu chega apenas em novembro.
“Faltou trabalho preventivo e resposta imediata quando os incêndios ainda podiam ser controlados, desde o primeiro semestre do ano. Vimos muitas ações individuais de agentes públicos, mas é nítido que o governo federal, do presidente Jair Bolsonaro, falhou de maneira deliberada no seu dever constitucional de proteger os recursos naturais do país e o Pantanal vem pagando um preço alto por isso.”, diz Cristiane Mazzetti, da campanha de florestas do Greenpeace Brasil, que percorreu cerca de mil quilômetros para avaliar o impacto das queimada que persistem há meses em todo território mato-grossense, além de documentar e apoiar o trabalho de organizações que atuam na região.
O mais preservado entre os biomas brasileiros, com 87% de áreas naturais
até 2018, é refúgio de 1.012 espécies da fauna. Ali, espécies em situação vulnerável, como a arara-azul, e com declínio acelerado no número de indivíduos e até possibilidade de extinção em outros biomas, como a onça-pintada, estavam recuperando populações antes das queimadas. O bioma teve uma área superior ao estado do Alagoas impactada pelo fogo.
Com 18.259 focos de calor, entre janeiro e setembro de 2020, houve um aumento de 180,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre janeiro a agosto foram queimados 18.646 km² Pantanal, o equivalente a 12,4% de sua extensão territorial total.
Além dos dados oficiais, mapeamentos experimentais do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apontam que até 27 de setembro uma área de 3.461.000 hectares pode ter sido atingida. Considerando a variação de erro metodológico, pelo menos 2.768.800 hectares foram queimados, o que corresponde a 18,4% da área total do bioma, uma área superior ao Sergipe ou a Israel.
A dimensão atual do fogo não é considerada algo natural. Algumas áreas do Complexo Ecossistêmico Pantanal possuem incidência de cerrado, mais resistente às queimadas, outras, como os campos naturais, não são tão resilientes. “A dinâmica do Pantanal é diferente de outras regiões, pois 95% já são áreas privadas. O fogo não é usado para abrir novas áreas, pois já existe ocupação há duzentos anos. Não é natural queimadas nessa dimensão. Uma seca histórica nos últimos 47 anos pode ter catalisado a situação atual. Mas o fogo já era uma realidade desde 2019”, diz Felipe Augusto Dias, diretor executivo do SOS Pantanal, uma das entidades do terceiro setor que atuam na região.
O Pantanal sofre um regime hídrico diferenciado em estreita relação com a Amazônia. A quantidade de chuvas que caem no bioma é menor do que a que evapora. É o pulso das cheias e secas dos rios que o torna a maior área alagável continental do mundo. Mas, para existir esse ciclo, há uma dependência da integridade da floresta. “O equilíbrio da região depende das águas que vem do norte de Mato Grosso, onde também estão grande parte das cabeceiras de rios da Amazônia. Cerca de 70% das chuvas que alimentam o Pantanal ocorrem ali. É essa água que inunda o Pantanal criando cheias periódicas ”, diz Felipe Dias.
Com previsão de chuvas apenas para novembro, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, afirmou em audiência pública na última semana de setembro que é impossível aumentar o contingente de homens que lutam contra o fogo no Pantanal. Segundo ele, o órgão trabalha no limite de sua capacidade orçamentária e já remanejou todos os servidores possíveis do PrevFogo para a região do Pantanal.
“Embora eu tenha mandado brigadistas do país inteiro para o Pantanal, eu não posso tirar todos, porque eu tenho as demandas locais também, há deficiências em outros lugares do país, em outros biomas também ameaçados. A gente agradece a logística que foi dada e o suporte, porque sem esse suporte social e local, envolvendo a política local, envolvendo os prefeitos e os parlamentares locais, a gente não teria conseguido mandar tanta gente e obviamente manter esse pessoal lá também”, disse na audiência pública.
Segundo Eduardo, existem 1.485 brigadistas contratados pelo Ministério do Meio Ambiente para todo o país. “A gente mandou para o Mato Grosso do Sul 46 brigadistas para dar apoio, vindos da Bahia, do Piauí e de Pernambuco, que estão no Mato Grosso do Sul, com 17 viaturas e um helicóptero. Já no Mato Grosso, a gente mandou 103 brigadistas para dar apoio. Tiramos de vários estados, desde a Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rondônia”. Disse Binn.
Um inquérito da Polícia Federal investiga as causas dos incêndios na região. O fogo teria começado em quatro fazendas de grande porte de Mato Grosso do Sul, entre final de junho e meados de julho agosto. Há relatos de moradores da divisa entre os dois estados de quando os incêndios surgiram.
“Esse fogo em todo Pantanal chegou devido as fazendas. Os funcionários não tem ideia e colocam fogo e não sabem como esse negócio é muito perigoso. Desde 1962 eu não escuto falar de uma seca tão grande”, conta Eduardo Falcão, dono de uma pousada e guia de observação de fauna, em Porto Jofre, Poconé. “O fogo veio de toda parte. Em agosto venta muito no Pantanal. E o fogo que veio do Norte e do Sul juntou e deu essa catástrofe. O vento pulou o rio Cuiabá, com 50 metros, pois as línguas de chamas tinham 30 metros de altura. No começo não acreditávamos que chegaria, deveríamos ter combatido antes de tomar essas proporções”.
Onde o poder público falha, o vácuo vem sendo ocupado justamente por organizações não governamentais (ONG), tão criticadas pelo governo Bolsonaro por sua atuação na proteção do meio ambiente. Segundo estimativa de Coronel Barroso, bombeiro-militar do corpo de Bombeiros de Mato Grosso que fundou o Posto de Atendimento Emergencial a Animais Silvestres do Pantanal (PAES Pantanal), mais de mil pessoas da sociedade civil, entre funcionários de ONGs e voluntários, atuam no Pantanal no momento, em diversas frentes, de brigadas a resgate de animais.
“Diante da incompetência intencional do governo federal em prevenir e combater as queimadas, moradores e sociedade civil tomaram a frente no combate aos incêndios do Pantanal. Antes mesmo do poder público ter uma resposta à altura, vieram auxiliar no resgate e alimentação de animais e criaram brigadas voluntárias. Sem esses esforços, a situação seria ainda mais grave, essas pessoas já estão há semanas no Pantanal lutando contra os focos de calor, salvando pontes na Transpantaneira e evitando a morte de animais”, afirma Cristiane Mazzetti do Greenpeace.
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