Estudo mostra que o acordo do Mercosul com a União Europeia não garante a proteção aos direitos humanos, ambientais e territoriais e representa uma ameaça para o meio ambiente e para o clima global
O Greenpeace Brasil e a FASE lançaram hoje (6) a versão brasileira do relatório “Acordo UE-Mercosur: uma ameaça para a proteção de clima e dos direitos humanos”, um estudo autoral, de Thomas Fritz, para Misereor, Greenpeace Alemanha, CIDSE e Dreikönigsaktion-Hilfswerk der Katholischen Jungschar (DKA).
O acordo de livre-comércio entre os blocos foi fechado em junho de 2019, após 20 anos de negociações, mas, para entrar em vigor ainda precisa ser aprovado por todos os 27 países-membros da União Europeia (UE), pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Já no Mercosul precisa ser aprovado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, já que o quinto membro do pacto – a Venezuela – está suspenso.
O estudo analisa os possíveis impactos ambientais, em especial climáticos, e em matéria de direitos humanos, do acordo e conclui que este não apresenta as ferramentas necessárias para evitar a tragédia da destruição anunciada pela expansão – pelos quatro países do Mercosul – de exportações baseadas em matérias-primas agrícolas e minerais que historicamente têm sido responsáveis por desmatamento e degradação ambiental, invasão de territórios indígenas e de comunidades tradicionais, muitas vezes com o uso de violência, trabalho similar ao escravo e outros abusos socias.
“No Brasil, o agronegócio é o principal vetor de desmatamento e de gases que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas. As falhas do acordo ficam ainda mais assustadoras em função do estreitamento dos espaços democráticos no Brasil de Bolsonaro e do desmonte da legislação e das instituições governamentais encarregadas de zelar pelo ambiente socioambiental do país promovidos pelo atual governo”, afirma Paulo Adario, estrategista sênior de florestas do Greenpeace Brasil.
“Esse acordo apresenta muitos problemas que vão desde a falta de adoção do Princípio da Precaução, criando uma divisão invisível entre consumidores de classe A e B, no qual resta a população brasileira e dos outros países do Mercosul seguir comendo comida envenenada enquanto os europeus seguem protegidos, até o fato de que selará o futuro do Mercosul à eternos fornecedores de matérias primas baratas em troca de produtos industrializados de alto valor agregado”, diz Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da Fase.
Ao reduzir tarifas comerciais e ampliar cotas de importação e exportação, o acordo aumenta ainda mais a pressão do agronegócio e das multinacionais de mineração e energia sobre os recursos naturais da Amazônia, do Cerrado, do Chaco e de outras regiões da América do Sul, colocando em risco ainda maior os povos que nelas vivem – sejam eles camponeses e agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas ou ribeirinhos.
Além disso, deve ampliar os riscos relativos à contaminação por agrotóxicos largamente utilizados pela agricultura no Mercosul, à concentração fundiária e à profunda e desigual distância entre cidadãos europeus e sul-americanos no que diz respeito a segurança e soberania alimentar.
Atualmente, segundo o relatório, dois terços das importações de produtos do Mercosul pela UE são matérias-primas agrícolas e minerais. Este acesso desproporcional aos recursos naturais do Mercosul transforma a UE em uma das grandes corresponsáveis pela degradação ambiental e violações de direitos humanos na região.
Não por acaso, o tema tem se mostrado altamente controverso na Europa. O relatório de Thomas Fritz mostra que é crescente a oposição de parlamentares e governos europeus a um acordo que eles consideram muito ruim para o clima e a Amazônia e os direitos das populações tradicionais. A péssima atuação do governo de Jair Bolsonaro na questão ambiental também não tem ajudado a melhorar essa percepção. Países como Holanda, Áustria, Bélgica, Irlanda e França e muitas organizações da sociedade civil já expressaram duras críticas ao acordo.
“Essa rejeição ao acordo UE-Mercosul por parte de políticos e opinião pública europeia é alimentada, no dia-a-dia da diplomacia global, por atos e declarações anti-ambientais, antissociais e anti-científicas do presidente brasileiro e de seus ministros. Se Bolsonaro quer culpar alguém pelos problemas que o acordo com o Mercosul enfrenta na Europa, deve se olhar no espelho”, finaliza Adario.
“O grande perigo é não ter espaço para transformar a indústria nacional, os empregos ou estabelecer qualquer política de desenvolvimento mais alinhada com uma visão socioambiental e pró-clima que garanta os direitos dos povos indígenas e tradicionais sobre seus territórios e dialogue com o que queremos para o futuro”, aponta Maureen.
Conforme demonstra o estudo de Thomas Fritz, o Acordo UE-Mercosul é inaceitável, e, em pleno século XXI, reafirma o papel dos países sul-americanos como eternos fornecedores de matérias-primas baratas, produzidas com custos sociais e ambientais imensos, em troca de produtos industrializados europeus.
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