Friday, October 19, 2018

Ativismo: o vírus da qualidade de vida

por Sucena Shkrada Resk

Exercitado em rede e nas redes, ele é o meio em que pessoas praticam sua cidadania política para transformar não só o lugar onde vivem como a si próprias

A ativista e voluntária do Greenpeace Ana Carolina na mobilização pela Defesa dos Corais da Amazônia
A jovem arquiteta Ana Carolina de Souza, de Manaus, é voluntária do Greenpeace e quer expandir esse ativismo para a sua profissão. © Marlon Marinho
Sabe o que o engenheiro mecânico paulistano Antonio Padilha, 74 anos, e a arquiteta manauara Ana Carolina Souza, 23, têm em comum? Apesar de pertencerem a gerações diferentes e viverem a quilômetros de distância um do outro, suas trajetórias se encontram na mobilização que realizam por diferentes causas socioambientais. Eles se consideram ativistas, e isso tem um peso importante em suas histórias de vida a ponto de contagiar outros, funcionando como um “vírus do bem”.
“Ativismo para mim é uma forma de auto respeito. A nossa vida é preciosa e por isso deve ter significado, objetivo. Temos de usar bem essa dádiva, que é uma só. Por isso me sinto feliz quando me envolvo nas causas que acredito. Ajuda a minha auto-estima. Do contrário,, me sentiria incompleto”, afirma Padilha, um dos mais queridos voluntários do Greenpeace, desde o início dos anos 2000. Nesse tempo, já fez desde limpezas de praças, mobilizações e até  plantios de árvores como compensação ambiental.
Já Ana Carolina, uma jovem arquiteta de Manaus que já participou de inúmeras atividades de mobilização pelo meio ambiente, seja com o público urbano como os ribeirinhos, e deseja agora levar seu espírito ativista para sua profissão. “Já fiz alguns projetos de moradia popular a populações menos favorecidas, na faculdade. No mundo em que vivemos, é preciso haver realização pessoal naquilo que a gente acredita. É algo muito maior”, avalia.
Radiografia do ativismo
O que se observa é que hoje, além do ativismo nas ruas, sua propagação é facilitada pelo uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), como a Internet e midias sociais, que permitem as pessoas a participar e formar grupos com uma velocidade sem precedentes, quebrando barreiras sociais, culturais, econômicas e geográficas. É o que constatou a pesquisadora Juliana Zuquer, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Ela fez fez uma radiografia deste ativismo em rede entrevistando 27 integrantes de 22 coletivos na cidade de São Paulo para sua tese de Doutorado – “Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) e movimentos sociais nos urbanos do século 21: interfaces e possibilidades na busca pelo direito à cidade”.
Padilha realiza plantio de mudas com jovens nativas em parque com voluntários do Greenpeace
O veterano Antônio Padilha (de chapéu) realiza a limpeza e plantio de mudas nativas em parque da periferia de São Paulo, com jovens voluntários do Greenpeace © Fabio Silva Gomes
São pessoas que dedicam parte do seu tempo a promover desde hortas urbanas à uma melhor mobilidade para a cidade. “Em rede e na rede, esses indivíduos integram movimentos sociais que se diferenciam dos anteriores pela tentativa de ausência de hierarquias entre seus integrantes, discursos apartidários, imprevisibilidade em suas ações, formato organizativo em redes”, avalia Juliana.
Segundo a pesquisadora, uma vez que não acreditam mais na eficácia da gestão da cidade e no formato de tomadas de decisões em estruturas formais do governo (em sua maioria consultivas e não deliberativas com poder de voto), essas pessoas têm usado as TIC para mobilizar recursos a seu favor. “Buscam novas possibilidades de participação social e um processo de governança com maior diálogo entre governo e sociedade e construção de uma nova perspectiva de cidade”, explica.
Segundo a pesquisadora, entendendo que a saúde perpassa também formas mais participativas de compartilhamento de poder, de decisões e de melhorias de gestão de espaços públicos, ao revitalizar praças, plantar hortas e impulsionar ações para ampliação da mobilidade ativa na cidade, esse ativismo cidadão se reflete no ganho de qualidade de vida para todos. “São diversas as experiências que mostram soluções locais impulsionadas, por exemplo, para ampliação da infraestrutura verde (incluindo arborização pública, parques, telhados permeáveis e jardins verticais, hortas comunitárias) nas cidades. Esses aspectos, por sua vez,  trazem benefícios ambientais, sociais, econômicos e de saúde, como conforto térmico, bem-estar do indivíduo, contemplação e convívio social, além de redução da poluição sonora”, diz Juliana.
Desafios para a participação
Para o aprimoramento deste ativismo cidadão, a pesquisa identificou dois desafios. O primeiro está no fato de os movimentos poderem de fato se inserir nas tomadas de decisões em estruturas de poder que hoje se mostram ultrapassadas. “Uma vez que se mostram consultivas, os ativistas ficam mais restritos a escutar ou opinar sobre assuntos relevantes para melhoria da cidade, mas com pouco poder efetivo de voto, de decisão. Essa percepção, inclusive, reverbera na descrença que têm em relação ao estado democrático atual e na urgência que sentem de modificar a lógica top-down (de cima para baixo) de tomadas de decisões sobre aspectos que afetam a todos os habitantes de uma cidade”, diz Juliana.
O segundo desafio está na constante mudança de cargos e ou partidos políticos, o que acaba por travar ainda mais os processos de decisões ou mesmo esvaziá-los, o que traz entraves para uma maior participação dos ativistas nas decisões tomadas.

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