Monday, May 26, 2014

O grito da floresta

O povo caminha em marcha, cantando à capela e pisando firme na estrada de chão batido que corta o Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, em Nova Ipixuna, no sudeste do Pará. Começa o terceiro ato em memória a José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do
Espírito Santo, que foram assassinados por pistoleiros em 24 de maio de 2011 numa covarde emboscada.
A morte do casal há muito estava anunciada. Zé Claudio incomodava madeireiros, fazendeiros e grileiros da região ao levantar a voz para proteger a floresta. Há anos ele vivia ameaçado, mas não se calava. No fim de 2010, foi palestrante do TEDx Amazônia, em Manaus, onde falou
sobre as ameaças que sofria “Eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora.... A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a Irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu posso estar aqui hoje aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia de que desapareci”.
Cerca de seis meses depois dessa palestra, Zé Claudio seguia de moto com Maria na garupa pela estrada esburacada do assentamento. Eles costumavam passar em alta velocidade para evitar os pistoleiros. Mas a estrada é cheia de pontes improvisadas e buracos gigantes que se
formam com a chuva forte característica da Amazônia e a falta de infraestrutura do assentamento. Nesse dia, Zé Claudio foi obrigado a reduzir a velocidade para conseguir equilibrar a moto numa dessas pinguelas. E foi ali que estavam os dois pistoleiros que dispararam tiros em direção a eles. Zé Claudio e Maria tombaram. A orelha de Zé Claudio foi cortada como uma espécie de prova dos pistoleiros para os mandantes de que o “serviço” havia sido executado.
Logo após a morte do casal, irmãos e irmãs de Zé Claudio e Maria que viviam no assentamento, com as contínuas perseguições e ameaças que deixariam qualquer um aterrorizado, com medo de se tornarem as próximas vítimas. No terceiro ano da morte do casal, a família recebeu o apoio inesperado de várias pessoas através do site Vakinha, que colaboraram para arrecadar fundos com o objetivo de organizar o ato "A floresta vai gritar" que promoveu a marcha, chamado de “A floresta vai gritar” para celebrar a vida e a luta de Zé Cláudio e Maria.
“Esse é o momento de não sofrer mais. A luta é desleal mas a gente tem que ter força e coragem. A gente vai enfrentar. A regra lá no assentamento é o medo. Mas a gente tem que saber que todo mundo junto tem mais força do que eles. Se escondendo a gente estaria dando
vitória para os assassinos”, disse Claudelice Silva dos Santos, de 32 anos, irmã mais nova de Zé Cláudio. “Esse é um ato de retomada, resistência e o recomeço da luta”, concluiu.
Desmatamento e assassinatos: uma longa história de violência
Três anos depois do assassinato, a marcha seguiu com cerca de 150 pessoas que caminhavam sob o sol forte da Amazônia, afundando os pés na lama dessa mesma estrada onde ocorreu a tragédia, caminhando por cerca de oito quilômetros até o local do crime para celebrar uma
homenagem.
Ao longo do caminho, a paisagem ao redor da estrada não lembrava em nada a floresta Amazônica. Por todo o horizonte só se via pasto, algumas castanheiras com seus galhos contorcidos, mortas, e os babaçus, que são os primeiros que se erguem depois que uma floresta é desmatada. Um enorme contraste em relação ao lote de Zé Claudio, que é
totalmente rodeado pela mata imponente e bela. Produzindo óleo de castanha, polpa de cupuaçu e outros produtos extraídos da floresta, ele a mantinha preservada e sabia extrair renda dela.
Claudelice explicou que, na região, o ciclo do desmatamento começa com a retirada das espécies de árvores mais valiosas pelos madeireiros, seguida da venda dos galhos que restaram para os carvoeiros e, por fim, a chegada do gado e das pastagens. Zé Claudio dizia que, quando
ele chegou ao assentamento, 85% do local era de floresta nativa e depois, com a chegada dos madeireiros, restou pouco mais de 20%, “um desastre pra quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro desde os sete anos de idade, vivo da floresta e protejo ela de todo o jeito”, disse ele, na palestra do TEDx.
Foi somente depois da repercussão nacional e internacional do assassinato do casal que o Governo Federal resolveu atuar na área, determinando uma rigorosa fiscalização do Ibama. Fornos de carvão e serrarias ilegais foram destruídos e fechados, a extração de madeira
diminuiu, mas o problema persiste. Segundo dados oficiais do governo, desde a morte da irmã Dorothy Stang, em 2005, até hoje, a Amazônia perdeu mais de 85 mil quilômetros quadrados de mata nativa.
A impunidade prevalece no campo
Na marcha estavam representados também Chico Mendes, Dorothy Stang, Dema, Dezinho e outros tantos nomes que tombaram nessa luta injusta e desigual que se trava na Amazônia há mais de 30 anos e que continua deixando mártires pelo caminho.
Três anos depois que Zé Claudio e Maria morreram, a família ainda tem sido intimidada. Uma caminhonete parada na beira da estrada passou pela marcha e o motorista deixou um recado: “Diz pra essa moça que tá falando no microfone tomar cuidado com o que ela fala”.
O caso ganhou fama internacional, repercutiu em diversos países, mas, com a absolvição de suspeitos de serem mandantes, o clima de ameaça não cessa. De acordo com a CPT (Comissão Pastoral da Terra), desde 2005, 199 pessoas foram assassinadas na Amazônia. Outro levantamento mostrou que, de 1985 a 2013, foram registrados 699 assassinatos na Amazônia Legal, com 981 vítimas no total. De todos esses, apenas 35 foram julgados, condenando 20 mandantes e 27 executores.

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