Friday, May 16, 2014

Copa sem povo, tô na rua de novo

Representando o Greenpeace, tenho participado das reuniões abertas do Comitê Popular da Copa SP. Em todas essas reuniões, o plano era que o 15M fosse um ato bonito, lúdico, pacífico e que levasse para as ruas as pautas dos movimentos e organizações que compõem o Comitê, principalmente sobre o direito à manifestação e o direito à cidade. Essas pautas têm uma relação direta com o trabalho do Greenpeace - a primeira por nosso ativismo histórico, e a segunda por conta de nosso trabalho com mobilidade urbana.
A menos de um mês para a Copa, várias cidades brasileiras foram tomadas por atos e protestos contra o evento. São Paulo amanheceu coberta de manifestações. Ao entardecer, a concentração para o último ato do 15M começou na Praça do Ciclista e seguiu de forma pacífica pela rua da Consolação sentido centro. No início da noite, mais de 5 mil pessoas saíram em marcha em direção ao centro.

Mas, na altura do cemitério da Consolação, o cenário mudou radicalmente. Foi tudo muito rápido; não sei dizer exatamente o que aconteceu. O que vi foi muita fumaça e bombas lançadas pela polícia. Alguns manifestantes atiravam pedras em vidraças, chutavam lixeiras ou arrastavam sacos de lixo e ateavam fogo no meio da avenida. O Batalhão de Choque desceu a Consolação em bloco, fechando as possíveis saídas em direção ao centro e Higienópolis. Ficamos encurralados. Um helicóptero da polícia parecia que ia pousar bem em cima das nossas cabeças. Pessoas corriam. Carros com famílias desesperadas pra sair dali. Trabalhadores nos ônibus sem saber o que estava acontecendo. De onde eu estava, foi impossível dizer quem começou; ou o que foi o estopim.
Voltei pra casa com os olhos ardendo de gás lacrimogêneo e a cabeça cheia de perguntas. Por que os grandes veículos de mídia sempre tratam do confronto polícia-manifestante pelo viés do ‘quem começou’, com uma mensagem que corrobora a criminalização de manifestantes, em vez de promover um debate sério sobre os reais motivos que levam as pessoas às ruas? Até quando o Estado vai repetir a antiga fórmula do pão e circo, respondendo às demandas e reivindicações justas da população com a Copa do Mundo? Ou vai instituir uma nova fórmula, a do pão e sangue, usando a força para silenciar as vozes daqueles que estão na rua buscando construir uma sociedade mais justa e democrática?
Se em junho de 2013 ainda havia dúvida se a repressão às manifestações era uma questão de decisão política ou de despreparo da nossa polícia, hoje essa dúvida não existe mais: foram gastos mais de R$2 bilhões de reais em reforços para o aparato repressivo do Estado, ou seja, armas não letais, caminhão de água e treinamento com um grupo de paramilitares americanos, responsáveis por mortes de civis iraquianos no massacre da Praça Nissour, em 2007.
A resposta policial que vimos hoje nas ruas de São Paulo É uma escolha política, que demonstra a completa falta de disposição do Estado em dialogar com os movimentos e de resolver as demandas concretas trazidas pela voz das ruas. É inadmissível que a polícia seja a única mediação com o Estado durante as manifestações e que a repressão - explícita ou não - seja a única forma de diálogo oferecida aos manifestantes. É inaceitável que os excessos de alguns sirvam de justificativa para a criminalização de todos. Tenho certeza que a maior parte das pessoas foi às ruas hoje para fazer reivindicações justas e exercer seu direito democrático de protestar pacificamente. Mas, ainda assim, sofreu o mesmo tipo de tratamento por parte do Estado.
O mais preocupante talvez seja o fato de que o que aconteceu no 15M em São Paulo e em outras cidades provavelmente servirá de desculpa para apressar a aprovação dos projetos de lei que tramitam no Congresso e que ameaçam restringir direitos e aumentar ainda mais as penas para manifestantes.
E pra quem me diz: "mas, por que vocês não protestaram contra a Copa lá em 2007, quando o Brasil foi escolhido pra sediar o evento?", eu respondo (e hoje com ainda mais convicção): eu tinha a esperança de que a Copa pudesse trazer benefícios para o país. Eu queria acreditar que podia sair algo de bom desse evento. Mas, quanto mais a Copa se aproxima, mais eu me convenço de que eu estava errada. Não só pelos gastos exuberantes com estádios, ou pela falsa promessa de que a Copa deixaria um legado, ou pelas famílias que perderam suas casas para dar lugar às obras do Mundial. Eu estava errada também porque a Copa tem sido usada como desculpa para massacrar nosso direito constitucional de ir pras ruas - e isso tem acontecido dia após dia, manifestação após manifestação, desde junho de 2013.
E por isso, quanto mais perto da Copa chegamos, mais eu me sinto compelida a ir pra rua. Enquanto o Estado insistir em responder às demandas justas da população com o pau ou com o circo, continuaremos na rua, exercendo nosso direito democrático de livre manifestação e reafirmando a não violência como princípio e como escolha estratégica. Permaneceremos aqui, pois não há outro lugar para estar. E ainda vamos incomodar muito!
* Gabriela Vuolo é campaigner do Greenpeace Brasil

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