Representando o Greenpeace, tenho participado das reuniões
abertas do Comitê Popular da Copa SP. Em todas essas reuniões, o plano
era que o 15M fosse um ato bonito, lúdico, pacífico e que levasse para
as ruas as pautas dos movimentos e organizações que compõem o Comitê,
principalmente sobre o direito à manifestação e o direito à cidade.
Essas pautas têm uma relação direta com o trabalho do Greenpeace - a
primeira por nosso ativismo histórico, e a segunda por conta de nosso
trabalho com mobilidade urbana.
A menos de um mês para a Copa, várias cidades brasileiras
foram tomadas por atos e protestos contra o evento. São Paulo amanheceu
coberta de manifestações. Ao entardecer, a concentração para o último
ato do 15M começou na Praça do Ciclista e seguiu de forma pacífica pela
rua da Consolação sentido centro. No início da noite, mais de 5 mil
pessoas saíram em marcha em direção ao centro.
Mas, na altura do cemitério da Consolação, o cenário mudou
radicalmente. Foi tudo muito rápido; não sei dizer exatamente o que
aconteceu. O que vi foi muita fumaça e bombas lançadas pela polícia.
Alguns manifestantes atiravam pedras em vidraças, chutavam lixeiras ou
arrastavam sacos de lixo e ateavam fogo no meio da avenida. O Batalhão
de Choque desceu a Consolação em bloco, fechando as possíveis saídas em
direção ao centro e Higienópolis. Ficamos encurralados. Um helicóptero
da polícia parecia que ia pousar bem em cima das nossas cabeças. Pessoas
corriam. Carros com famílias desesperadas pra sair dali. Trabalhadores
nos ônibus sem saber o que estava acontecendo. De onde eu estava, foi
impossível dizer quem começou; ou o que foi o estopim.
Voltei pra casa com os olhos ardendo de gás lacrimogêneo e a
cabeça cheia de perguntas. Por que os grandes veículos de mídia sempre
tratam do confronto polícia-manifestante pelo viés do ‘quem começou’,
com uma mensagem que corrobora a criminalização de manifestantes, em vez
de promover um debate sério sobre os reais motivos que levam as pessoas
às ruas? Até quando o Estado vai repetir a antiga fórmula do pão e
circo, respondendo às demandas e reivindicações justas da população com a
Copa do Mundo? Ou vai instituir uma nova fórmula, a do pão e sangue,
usando a força para silenciar as vozes daqueles que estão na rua
buscando construir uma sociedade mais justa e democrática?
Se em junho de 2013 ainda havia dúvida se a repressão às
manifestações era uma questão de decisão política ou de despreparo da
nossa polícia, hoje essa dúvida não existe mais: foram gastos mais de
R$2 bilhões de reais em reforços para o aparato repressivo do Estado, ou
seja, armas não letais, caminhão de água e treinamento com um grupo de
paramilitares americanos, responsáveis por mortes de civis iraquianos no
massacre da Praça Nissour, em 2007.
A resposta policial que vimos hoje nas ruas de São Paulo É
uma escolha política, que demonstra a completa falta de disposição do
Estado em dialogar com os movimentos e de resolver as demandas concretas
trazidas pela voz das ruas. É inadmissível que a polícia seja a única
mediação com o Estado durante as manifestações e que a repressão -
explícita ou não - seja a única forma de diálogo oferecida aos
manifestantes. É inaceitável que os excessos de alguns sirvam de
justificativa para a criminalização de todos. Tenho certeza que a maior
parte das pessoas foi às ruas hoje para fazer reivindicações justas e
exercer seu direito democrático de protestar pacificamente. Mas, ainda
assim, sofreu o mesmo tipo de tratamento por parte do Estado.
O mais preocupante talvez seja o fato de que o que
aconteceu no 15M em São Paulo e em outras cidades provavelmente servirá
de desculpa para apressar a aprovação
dos projetos de lei que tramitam no Congresso e que ameaçam restringir
direitos e aumentar ainda mais as penas para manifestantes.
E pra quem me diz: "mas, por que vocês não protestaram
contra a Copa lá em 2007, quando o Brasil foi escolhido pra sediar o
evento?", eu respondo (e hoje com ainda mais convicção): eu tinha a
esperança de que a Copa pudesse trazer benefícios para o país. Eu queria
acreditar que podia sair algo de bom desse evento. Mas, quanto mais a
Copa se aproxima, mais eu me convenço de que eu estava errada. Não só
pelos gastos exuberantes com estádios, ou pela falsa promessa de que a
Copa deixaria um legado, ou pelas famílias que perderam suas casas para
dar lugar às obras do Mundial. Eu estava errada também porque a Copa tem
sido usada como desculpa para massacrar nosso direito constitucional de
ir pras ruas - e isso tem acontecido dia após dia, manifestação após
manifestação, desde junho de 2013.
E por isso, quanto mais perto da Copa chegamos, mais eu me
sinto compelida a ir pra rua. Enquanto o Estado insistir em responder às
demandas justas da população com o pau ou com o circo, continuaremos na
rua, exercendo nosso direito democrático de livre manifestação e
reafirmando a não violência como princípio e como escolha estratégica.
Permaneceremos aqui, pois não há outro lugar para estar. E ainda vamos
incomodar muito!
* Gabriela Vuolo é campaigner do Greenpeace Brasil
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