De acordo com pesquisadores, quanto mais valiosa a madeira, maior o número de inconsistências nos inventários florestais
Em março deste ano, o Greenpeace divulgou em seu relatório “Árvores Imaginárias, Destruição Real” que dois terços dos planos de manejo de ipê do Pará têm indícios de fraudes. Agora, pesquisadores da Esalq/USP demonstram em pesquisa inédita que o problema no licenciamento pode ser muito maior envolvendo diversas espécies madeireiras de alto valor comercial exploradas na Amazônia.A pesquisa completa acaba de ser publicada pela revista Science Advances e aponta que são fartos os indícios de que diversas espécies valiosas de madeira amazônica vêm sendo superestimadas para gerar créditos falsos de movimentação de madeira.
Para chegar a este resultado, os pesquisadores analisaram a ocorrência e densidade natural de 11 espécies de madeira no leste amazônico publicados em inventários científicos e governamentais, e compararam com a ocorrência e densidade declarada destas espécies nos pedidos de licenciamento de planos de manejo. A surpresa foi que quanto maior o valor da madeira, maior a quantidade dessa madeira declarada no inventário feito para licenciar o corte.
“Em nosso relatório, apontamos que existia indícios de fraude em 80% dos inventários válidos para licenciamentos de planos de manejo florestal que continham ipê na mesma região, pois a quantidade de madeira declarada era maior do que havíamos analisado em inventários de florestas nacionais. Os resultados da pesquisa são praticamente os mesmos e ainda demonstram que o padrão é muito parecido para outras madeira de alto valor”, afirma Rômulo Batista, especialista em Amazônia do Greenpeace.
A pesquisa desenvolvida é um marco importante, pois além de mostrar o problema, sugere que os compradores de madeira não devem depender apenas dos governos para reduzir a extração ilegal de madeira. O mercado de madeira e outros setores da sociedade devem exercer mais pressão sobre os governos para fazer do licenciamento um processo totalmente transparente.
O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia do Brasil, que controla a atividade dos engenheiros florestais, tem o mandato de punir os profissionais envolvidos na fraude e deve fazer uso dela. Por outro lado, um novo sistema de controle é necessário e seria relativamente fácil de implementar. Os principais problemas atualmente observados no sistema – a falta de consistência e padronização em nomes de espécies, aprovação quase automática do licenciamento sem verificação de campo e falta de integração entre os bancos de dados disponíveis sobre estoques de madeira e distribuições de espécies – poderiam ser parcialmente resolvidos com a criação de um novo sistema de gerenciamento de informações e vistoria de campo antes de licenciar o plano de manejo florestal.
O estudo “Fake legal logging in the Brazilian Amazon”, disponível apenas para assinantes da revista, é assinada pelos pesquisadores Pedro H. S. Brancalion, Danilo R. A. de Almeida, Edson Vidal, Paulo G. Molin, Vanessa E. Sontag, Saulo E. X. F. Souza e Mark D. Schulze.
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Como funciona a fraude?
Para iniciar a exploração de madeira na Amazônia brasileira, é preciso apresentar um inventário florestal com a estimativa de cálculo do volume aproveitável de madeira das árvores que irão receber autorização para corte. Com base nessa estimativa, os órgãos competentes dos estados emitem créditos de movimentação de madeira para o transporte e comercialização do produto.Porém, em muitos casos, o volume das árvores indicadas nos inventários florestais é superestimado ou são “inventadas” árvores para a geração de créditos falsos. Esses créditos são, então, transferidos para “esquentar” a contabilidade de serrarias, dando um lastro de legalidade à madeira roubada de florestas em terras indígenas, unidades de conservação e terras públicas não destinadas, onde essa atividade é proibida ou destinada às populações tradicionais.
O levantamento realizado pelo Greenpeace sobre 536 planos de manejo florestais do Pará, com base na metodologia desenvolvida pelos pesquisadores da Esalq/USP, aponta que cerca de 77% dos inventários para exploração de ipê, emitidos no período de 2013 a 2017, apresentaram quantidades superiores de indivíduos da espécie do que a ciência diz ser possível ocorrer na natureza. Em alguns casos, esse “superfaturamento” de árvores pode chegar a até 10 vezes o que a literatura diz ser possível.
As agências licenciadoras precisam rever as permissões já emitidas e verificar inconsistências no campo, usando a estrutura analítica apresentada na pesquisa ou outra abordagem desenvolvida para esta tarefa. Soluções já existem. É preciso levá-las a sério.
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