Medida provisória que incentiva o uso de agrotóxicos deve facilitar a
liberação de novas substâncias, mesmo com Brasil tendo batido recorde de
registro de pesticidas em 2016
Em troca do apoio de parlamentares da bancada
ruralista para permanecer na presidência, o governo de Michel Temer
promete enviar ao Legislativo, de forma rápida e sorrateira, mais uma
Medida Provisória (MP). Dessa vez, o objetivo é tratar da liberação e
registro de pesticidas.
Como de costume, a MP prometida por Temer não passou
por nenhum processo de consulta pública ou debate com especialistas da
área. Na verdade, seu real objetivo é criar um grande atalho para
colocar em prática diversos pontos do Projeto de Lei (PL) 6299/2012,
conhecido como o PL do Veneno, hoje em tramitação no Congresso. Entre os
principais interesses da bancada ruralista está a exclusão da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio
Ambiente e do Ministério da Saúde do processo de liberação e registro
para novas substâncias, ficando apenas à cargo do Ministério da
Agricultura a decisão final.
A MP também deverá alterar profundamente a atual Lei
de Agrotóxicos (Lei 7802/1989) e os critérios de avaliação da nocividade
de um agrotóxico, ou seja, ela quer substituir a “análise de perigo”
pela “análise de risco”. Na prática, isto significa que os perigos
crônicos causados pelos agrotóxicos, como o câncer, que pode surgir de
forma tardia por conta de exposições por longos períodos à estas
substâncias, passarão a ser ignorados. A nova forma de avaliar consideraria somente o ‘poder’ dos agrotóxicos nos casos extremos, como acidentes.
“Com a MP, Temer colocará em risco a saúde da
sociedade para tentar garantir votos no Congresso. As trocas de
interesses que tomaram conta de Brasília poderão trazer, principalmente
neste caso, um custo muito alto para a população”, critica Marina
Lacôrte, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace.
O texto ainda poderá contemplar outra antiga demanda
de parlamentares do agronegócio, criando novas regras para a rotulagem
de pesticidas, como o fim da obrigatoriedade do uso do símbolo da
caveira, que simboliza a toxicidade que qualquer produto químico possui.
Essa exclusão mascararia os riscos que os pesticidas oferecem, seja
baixa ou alta sua toxicidade.
Outra demanda ruralista que pode ser agraciada pela
MP é a flexibilização da lei no sentido de permitir a aprovação de
ingredientes comprovadamente carcinogênicos e teratogênicos, ou seja,
relacionados a tumores e mutações. "Isto atualmente já é proibido no
Brasil, na Europa e Estados Unidos, pois todos sabem muito bem que não
há nível ‘aceitável’ para substâncias que possam vir a causar doenças
graves como o câncer". Diz Lacorte.
Segundo dossiê Abrasco (Associação Brasileira de
Saúde Coletiva), dos 50 ingredientes mais utilizados no Brasil, 22 já
são proibidos em outros países. A MP poderá agravar ainda mais essa
situação.
Recordista
Em 2016, o Brasil bateu o recorde de registro de agrotóxicos, com um crescimento de 374% em relação a 2015. O país também já é um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo.
Também em 2016, o Greenpeace testou merendas do município do Rio de Janeiro
e constatou que 60% dos alimentos continham algum tipo de resíduo de
pesticidas, até mesmo o tradicional combo arroz e feijão. Pior que isso:
foram encontrados pesticidas proibidos em 10% das amostras.
Esta é uma situação que parece incomodar a população. Segundo pesquisa IBOPE, 81% dos brasileiros consideram que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.
Para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama),
a MP pode fazer com que se liberem “produtos problemáticos e que hoje
são proibidos por serem potencialmente capazes de causar dano ao meio
ambiente ou à saúde humana”.
“Já passou da hora do Brasil reduzir o uso de
agrotóxicos. Países como Estados Unidos e a União Europeia já possuem
diretrizes que incentivam esta redução, enquanto que por aqui interesses
políticos e econômicos estão nos colocando no caminho oposto”,
complementa Lacôrte.
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