Em recesso parlamentar, Greenpeace mostra como os direitos indígenas
foram abordados no primeiro semestre desse ano pelo Congresso Nacional
Semana de Mobilização Nacional Indígena, abril de 2015 (© Fábio Nascimento / MNI)
Com um primeiro semestre repleto de polêmica acerca da questão
indígena, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal pausam suas
atividades em recesso de 11 dias, somente retomando as atividades em 1º
de agosto. Enquanto a problemática fica no ar, o Greenpeace faz um
apanhado do que aconteceu (e do que deixou de acontecer) nesse primeiro
semestre de legislatura, trazendo também perspectivas do que está por
vir após o recesso parlamentar.
Abril Indígena: a resistência dos povos
Promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Semana de Mobilização Nacional Indígena levou mais de 1,5 mil índios para acampar na Esplanada dos Ministérios,
às vistas do Congresso Nacional, em abril desse ano. Conhecido como
“Abril Indígena”, a mobilização mostrou grande força e poder de
resistência dos povos tradicionais contra as iniciativas
anti-indigenistas dos parlamentares.
“Os objetivos desse acampamento são denunciar a grave violação dos
ataques sistemáticos aos direitos dos povos indígenas, reafirmar os
direitos conquistados na Constituição Federal de 1988 e sensibilizar
toda a sociedade nacional e internacional para que se juntem e apoiem
nossa causa”, discursou Sonia Guajajara, liderança indígena que integra a
Apib.
Na ocasião, foi articulada a fala de deputados e senadores no
acampamento e também sessões solenes em respeito aos povos indígenas nos
plenários da Câmara e do Senado. Entretanto, os indígenas foram barrados na entrada do
evento, que seria em homenagem a eles. Uma vez lá dentro, mais
constrangimentos como a ausência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB/RJ) e a censura a um filme sobre as lutas dos povos indígenas que
seria exibido no ato solene.
Alguns deputados destacaram a importância de uma sessão de homenagem
aos povos indígenas, depois de a Câmara ter se fechado aos indígenas
tantas vezes. Outros afirmaram que a Casa não fazia mais que sua
obrigação e que uma concessão de fato seria o arquivamento de propostas
contra os direitos indígenas. Poucos parlamentares participaram da
sessão; quase todos presentes eram membros da Frente Parlamentar de
Apoio aos Povos Indígenas.
PEC 215/2000: paralisação das demarcações
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que dá ao Legislativo o
direito de apreciar as demarcações de áreas indígenas, tramita na
Câmara há 15 anos sem nunca ter levado em consideração a opinião dos
povos tradicionais. Atualmente o texto está sendo analisada por uma
Comissão Especial da Câmara, que é presidida pelo deputado Nilson Leitão
(PSDB/MT), investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por atuar contra os indígenas.
Caso aprovada, a alteração significaria, na prática, a paralisação de
todos os processos de homologação de terra, uma vez que mais da metade
de um total de 513 deputados defende os interesses do agronegócio.
Em abril desse ano, o diretor substituto da Fundação Nacional do
Índio (Funai), Jaime Siqueira, disse em audiência pública no Congresso
que o órgão é contrário à proposta, uma vez que o Legislativo abriga
“muitos interesses contrários aos povos indígenas”. Ele pediu que as
demarcações sejam mantidas com o Poder Executivo, e realizadas pela
Funai. “Há uma situação bastante adversa para defender o interesse
indígena. Há uma visão deturpada e preconceituosa sobre o índio”,
afirmou ele.
A deputada Janete Capiberibe (PSB/AP) também denunciou os interesses da bancada ruralista:
“a Friboi elegeu 160 deputados aqui na Casa. Vocês acham que eles vão
defender os direitos tradicionais? Vão sim é defender as patas do boi, o
agronegócio”.
Outros consideram a transferência da criação de Áreas de Proteção do
governo para o Congresso Nacional totalmente inconstitucional, como a
representante do Tribunal do Trabalho, Noemir Porto. “O deslocamento de
leis constitucionais só pode ser feito para ampliar direitos. Do
contrário, é inconstitucional. E a PEC 215 é bem clara quanto seus
objetivos”, atestou Porto em maio desse ano.
Na mesma ocasião, Deborah Duprat, subprocuradora-geral da República,
disse que a Câmara dos Deputados é hostil à presença de indígenas e
quilombolas que vão ao Congresso para acompanhar discussões sobre
iniciativas como a PEC 215. Segundo ela, a Convenção 169 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) determina que antes de qualquer
medida legislativa que impacte os povos indígenas, eles sejam ouvidos.
“No entanto, não se permite o ingresso dos povos indígenas nas diversas
comissões onde se discutem os inúmeros projetos de lei que dizem
respeito aos seus interesses”, disse Duprat.
Entretanto, no final de maio, o Senado deu um importante passo para barrar a PEC 215. De um total de 81 senadores, 48 assinaram um manifesto contra a proposta da Câmara. A iniciativa foi articulada pelo senador João Capiberibe (PSB/AP), que em entrevista exclusiva para a reportagem do Greenpeace, classificou a PEC como uma “sandice política”.
Como o Senado é responsável por revisar e aprovar as leis e propostas
da Câmara dos Deputados, o cenário ficou favorável à causa indígena. No
entanto, o deputado Nilson Leitão pode colocar a PEC 215 em votação no
segundo semestre desse ano.
PL 1610/1996: índio garimpeiro?
Com o enfraquecimento da PEC 215, foi reinstalada em junho uma
Comissão Especial na Câmara dos Deputados para proferir parecer ao
Projeto de Lei (PL) 1610, que dispõe sobre a exploração e o
aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas.
O texto é analisado desde 1996 pelos deputados. O projeto já passou
por diversas Comissões, como a de Minas e Energia e a de Meio Ambiente.
No entanto, pareceres contrários travaram sua aprovação e arrastaram o
processo até os dias de hoje. Agora o texto tramita em regime de
prioridade.
O presidente da Comissão é o deputado Índio da Costa (PSB/RJ), que
demostrou desconhecer o que é a PEC 215 e a Convenção 169 da OIT. Para
ele, "o direito de exploração mineral não quer dizer a obrigação [da exploração].
Não estamos tirando nenhum direito dos índios, e sim ampliando. Os que
quiserem autorizar a exploração em suas terras, terão suas terras
exploradas”
Com essa afirmação, o deputado se esquece dos processos de
licenciamento de diversas usinas hidrelétricas, rodovias e
empreendimentos de infraestrutura que ignoraram solenemente a
participação dos povos indígenas. Então como ele pode afirmar que só
haverá exploração onde os indígenas autorizarem?
Para Carlos Bittencourt, historiador e pesquisador do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), esse projeto de lei
seria a “batalha final contra os povos indígenas, muito próximos de um etnocídio completo”.
O historiador considera absurdo votar a abertura de territórios
indígenas para mineração antes de votar o Estatuto dos Povos Indígenas.
PL 1216/2015: mais uma frente de ataque ruralista
De autoria do deputado Luís Antônio Covatti (PP/RS), o Projeto de Lei
1216 pretende adequar o processo de demarcação de territórios indígenas
à Portaria 303/2013, da Advocacia Geral da União (AGU).
Entre diversas restrições aos direitos indígenas, o projeto propõe a
instituição do “marco temporal” para definir a ocupação indígena, ou
seja, só seriam considerados de posse indígena os locais ocupados pelas
comunidades na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de
outubro de 1988. Segundo a proposta, a expulsão dos índios de seus
territórios em período anterior a essa data – inclusive na ditadura
militar – retiraria o seu direito à demarcação.
Para Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), a partir dessa interpretação, "os povos que foram
expulsos de suas terras e, por este motivo, não estavam na posse física
delas na data da promulgação da Constituição de 1988, e que não estavam
em guerra ou disputando judicialmente essa posse com os invasores na
mesma ocasião, teriam perdido o direito sobre suas terras". Segundo
Buzatto, isso legitima e legaliza as expulsões e demais violações
cometidas contra os povos indígenas do Brasil.
O PL 1216 está em tramitação desde junho desse ano e segue em regime ordinário.
PEC 71/2011: a proposta “amiga”
Criada pelo Senado, essa Proposta de Emenda Constitucional visa
indenizar as pessoas detentoras de títulos de terra em territórios
declarados indígenas até a data da promulgação da Constituinte, em 5 de
outubro de 1988.
A muitos produtores foram oferecidos pedaços de terra pelo governo na
época da ditadura militar, e estes as ocuparam de boa fé, mesmo sendo
territórios indígenas, pois tinham o aval do poder público. Mas em
muitos outros casos, invasões possessórias colaboraram para expulsar
povos tradicionais de seus territórios, e as ocupações foram feitas de
maneira ilegal.
O texto de autoria do senador Paulo Bauer (PSDB/SC), no entanto,
estipula o pagamento indenizatório apenas aos proprietários que
comprovem a boa fé, o que pode ser difícil de identificar.
No geral, a proposta pode ser positiva ou negativa, a depender dos
caminhos que se escolha. É claro que ao indenizar esse proprietário, o
território fica livre de conflito e os indígenas podem voltar a ocupá-lo
sem risco de novas disputas. Mas, segundo Mauricio Guetta, advogado do
Instituto Socioambiental (ISA), “independente de ser a favor ou contra
as indenizações para proprietários de boa-fé em terras indígenas, há
duas questões relevantes a serem alteradas no texto original, sob pena
de inviabilizar todo o sistema e, principalmente, travar a demarcação de
terras indígenas no Brasil, a exemplo do que se pretende através da PEC
215".
"A primeira é não se permitir o pagamento retroativo de indenizações,
seja por questões jurídicas impeditivas, seja pelo fato de que o
governo não teria o montante necessário. A segunda é permitir que o
pagamento seja feito em outras modalidades e títulos que não sejam em
dinheiro. Caso contrário, o proprietário vai demorar anos para receber
sua indenização e se negará a deixar a terra, impedindo a efetiva
demarcação e ocupação indígena", explica Guetta.
Portanto, o que se estuda é modificar o texto para permitir que o
pagamento seja feito em títulos de reforma agrária. Entretanto, a
mudança ainda não foi feita e a PEC 71 já está no plenário do Senado
para votação. Mais uma questão para ficar atento, pois o tiro pode sair
pela culatra.
Nos próximos capítulos...
O recesso termina no primeiro dia de agosto, e as atividades parlamentares prometem voltar com tudo na segunda metade do ano.
Novas manifestações, organizadas pela Mobilização Nacional Indígenas,
devem acontecer em agosto e setembro, antecedendo a 1ª Conferência
Nacional de Política Indigenista, programada para novembro.
Sobre os trâmites legislativos, Mariana Mota, assessora de políticas
públicas do Greenpeace, comenta que o Congresso é um ambiente
imprevisível e o contexto político pode mudar a qualquer momento, ainda
mais se levar em conta as investigações de corrupção que podem tirar
políticos de cargos estratégicos. Mas é possível afirmar que “como a
atual legislatura permanece com maioria ruralista e conservadora, os
direitos indígenas serão novamente alvo de ameaça no segundo semestre
por essa série de projetos citados e tantos outros que tramitam na
Câmara e Senado”.
Na opinião de Danicley de Aguiar, da campanha de Amazônia do
Greenpeace, “a bancada ruralista deve forçar um acordo em torno da PEC
71, sob pena de votarem a PEC 215 na Comissão Especial, dando
continuidade a lógica de fazer vale os interesses do agronegócio sobre
qualquer outro, seja ele indígena ou não. Ainda que no campo das teses,
de uma maneira ou de outra, a bancada ruralista vai acelerar as
iniciativas para reduzir os direitos dos povos originários, invocando o
‘progresso’, assim como fizeram os que aqui desembarcaram em 1500”.
O Greenpeace seguirá acompanhando as tramitações de perto, sempre no
intuito de defender os direitos indígenas e informar a população. Acompanhe em nosso site as
notícias do Congresso Nacional e confira se seu deputado está atuando
pela defesa das minorias e dos povos originários do Brasil.
No comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.