Norte Energia cumpre 30% das condicionantes de mitigação de impactos da
obra e mesmo assim pressiona por última licença ambiental; para Ibama
"não há pendência"
Com a sessão cheia, maioria dos participantes questionaram a Norte
Energia e o poder público por má gestão e, segundo procuradora do MPF,
"etnocídio" (© Alan Azevedo / Greenpeace)
Em audiência pública que debateu o cumprimento das condicionantes da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte, realizada na quarta-feira (8) na
Câmara dos Deputados, os dados apresentados pelo Consórcio Norte
Energia, responsável pela construção do empreendimento, e os
esclarecimentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em
relação às licenças ambientais da obra mostraram uma realidade totalmente diferente do que é constatado na região.
Considerada a terceira maior hidrelétrica do mundo, a Usina de Belo
Monte fica no Rio Xingu, no estado do Pará, e está com 70% de sua
construção concluída. Agora a Norte Energia aguarda a Licença de
Operação, último aval ambiental que permitirá o alagamento de parte do
rio para a criação do reservatório. No entanto, a licença final só pode
ser concedida com o cumprimento integral de todas as condicionantes de
mitigação de impacto. Segundo o vice-governador do Pará, Zequinha
Marinho, apenas 30% das condicionantes foram executadas, o que gera um
estado de abandono e caos na população afetada.
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Mas outra história foi contada por Thomaz Toledo, representante do
Ibama. Segundo os laudos técnicos realizados pelo órgão, 80% dos
programas planejados foram instalados adequadamente, enquanto 15% estão
em adequação e apenas 5% não estaria concluído. “Das vinte e três
condicionantes, não há nenhuma pendência. Isso não quer dizer que está
tudo bem. Temos pendente a discussão do plano de enchimento [do
reservatório] e metas para o reassentamento da população”, disse ele.
Seu discurso foi alinhado ao de José Anchieta dos Santos, diretor
socioambiental do Consórcio Norte Energia, que por sua vez apresentou
diversos dados de beneficiamentos oferecidos às populações dos
municípios afetados: “Em saúde, todos os hospitais foram entregues,
falta apenas um. Para educação foram 54 obras concluídas de 76
planejadas, beneficiando 22 mil alunos. O saneamento teve investimento
de 485 milhões de reais e construímos 250km de rede de esgoto...”, entre
outros.
Mas esses números ficam longe da realidade quando advogados,
pesquisadores, organizações da sociedade civil e movimentos sociais
representando os impactados expõem suas experiências com a obra.
“Como pode o Ibama dizer que não há pendência de condicionantes?
Basta uma visita a região que fica claro, à primeira vista, o
desrespeito com as populações locais”, pondera Danicley de Aguiar, da
campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil. “Das 31 condicionantes
estipuladas ao componente indígena, apenas 18 foram atendidas. Na
verdade, nem os planos emergenciais, que precedem a primeira licença
ambiental, foram cumpridos”, diz ele.
A Procuradora do MPF no Município de Altamira, Dra. Thais Santi, que acompanha a questão in loco desde
2012, classificou como “etnocídio” o que a empresa Norte Energia e o
poder público vem fazendo na região do Rio Xingu. “Em 2009 foram
definidos o Plano de Proteção Territorial para Terras Indígenas e
Unidades de Conservação, mas nada foi feito. E esses são os planos
emergenciais, não condicionantes, que deveriam ter sido feitos ainda
antes do início da obra”, explicou ela.
Com o lançamento do “Dossiê Belo Monte – Não há condições para a Licença de Operação” pelo Instituto Socioambiental (ISA),
é possível confirmar o acúmulo dos impactos gerados pela obra na vida
das populações locais. Os dados foram expostos por Carolina Reis, do
ISA, que confrontou os posicionamentos dos representantes do Ibama e
Norte Energia. “0% de esgoto tratado, aumento de 80% nas taxas de
homicídio [...] a Terra Indígena Cachoeira Seca, sem um programa de
proteção, é hoje a mais desmatada do Brasil”, afirmou ela, e perguntou:
“O Ibama disse que para ter a Licença de Operação, deveria ser
concluída a rede de esgoto, mas as casas ainda não estão integradas à
rede. Vão conceder a Licença mesmo assim?”.
O reassentamento de mais de 27 mil pessoas também tem sido uma marca
do desrespeito da empresa construtora e do poder público com as
populações da região, uma vez que famílias são realocadas longe de suas
atividades e modos de vida originais ou recebem uma quantia irrisória de
indenização. Para Claudio Santos, da Defensoria Pública da União (DPU)
do Pará, os cidadão impactados foram deixados de lado e não tiveram
nenhum auxílio para negociar com a Norte Energia – a DPU só chegou na
cidade de Altamira no começo desse ano.
“Efeitos colaterais criminosos”
A audiência pública sobre o tema foi solicitada via requerimento dos
deputados Júlia Marinha (PSC/PA), Arnaldo Jordy (PPS/PA), Janete
Capiberibe (PSB/AP), Simone Morgado (PMDB/PA), Beto Salame (PROS/PA), Zé
Geraldo (PT/PA), Altineu Cortes (PR/RJ) e Joaquim Passarinho (PSD/PA),
representando as Comissões da Amazônia, Comissão de Meio Ambiente,
Comissão de Minas e Energia e Comissão de Direitos Humanos.
Com a sessão cheia, parlamentares aguardavam para se pronunciar sobre
as obras de Belo Monte. Mais de uma dúzia de deputados participaram do
debate e ajudaram a construir o cenário da região.
“Estivemos na região e presenciamos um verdadeiro clamor da
população”, disse Júlia Marinha. “Cerca de 20 mil trabalhadores da obra
serão demitidos esse ano. Para onde eles vão?”, questionou Passarinho.
“Quero saber no pós-barragem, quem vai administrar quando a Norte
Energia tiver ido embora”, provocou Zé Geraldo.
Mas o destaque ficou para a fala de Arnaldo Jordy, que integra a
Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia:
“Essa audiência aprovada em quatro comissões simultâneas da Casa
revela a gravidade do que estamos vendo em Belo Monte. É a sexta
audiência pública ou mesa redonda promovida pela Câmara dos Deputados
nos últimos anos em relação ao complexo Belo Monte. Este enclave
acontece no estado do Pará, mas que é paradigmático para outras
hidrelétricas projetadas para a Amazônia. O objetivo é de produzir 10
milhões de kW de energia, o que vai tonar o Pará maior produtor e
distribuidor de energia do Brasil – já que mais de 80% da energia
produzida por Belo Monte será destinada a região Sudeste.”
Deputado Arnaldo Jordy segura na mão panfleto com promessas da Norte
Energia de 2012 que não foram cumpridas (© Alan Azevedo / Greenpeace)
“O que nós estamos assistindo hoje é praticamente a última fase
para a conclusão da obra e as chamadas condicionantes, que eram para
mitigar e evitar os efeitos colaterais brutais – e diria que alguns
deles criminosos – praticados contra populações indígenas, ribeirinhas,
urbanas, assentados, pessoas pobres, que estão hoje sendo vítimas da
execução do seu deslocamento e do aviltamento dos direitos mais
elementares que o ser humano pode ter em pleno século XXI na execução da
maior obra do PAC. Segundo o depoimento ontem do presidente do TCU,
mais de 80% dos recursos dessa obra são oriundos do Tesouro, via BNDES e
outras instituições. E o que estamos vendo hoje são famílias
desesperadas [...].”
“Ao estado do Pará, esse projeto não interessa quase nada. Esse
projeto, esse modelo de desenvolvimento – entre aspas – não traz quase
nada para o estado do Pará. Esse enclave vai servir aos interesses da
produção e do equilíbrio energético brasileiro, mas lá vai ficar o
passivo ambiental, social, humano, cultural... e depois, se essa Licença
de Operação for autorizada sem que essas condicionantes estejam
minimamente cumpridas, vai ser o fim do mundo. É o leite derramado
[...].”
“É um apelo que estamos fazendo no sentido que a Licença de
Operação não seja liberada até que esse processo possa ser no mínimo
equilibrado, para que as populações, nos direitos mais elementares,
sejam minimamente respeitadas. Não podemos entrar para a história sendo
omissos nessa questão”.
O que preocupa o Greenpeace é que a sanha pelo dito desenvolvimento
da nação está longe de oferecer reais ganhos ao povo brasileiro. No
entanto, ele continua a ser reproduzido: “esse modelo de
‘desenvolvimento’ perpetuado em Belo Monte, que ignora direitos e
garantias fundamentais previstas na Constituição brasileira, será
replicado no Rio Tapajós, onde o mesmo governo, ao propor a construção
de sete hidrelétricas, demonstra sua incapacidade de pensar um processo
de desenvolvimento nacional em que não precise sacrificar o povo da
Amazônia, nem seus rios e suas florestas”, defende Aguiar.
O Consórcio Norte Energia espera que a Licença de Operação seja
concedida até setembro, quando é o período da seca do Rio Xingu – única
janela do ano onde é possível a finalização da obra. A mesa de trabalhos
da sessão deve marcar uma nova audiência pública com os afetados pela
obra, Ibama, Norte Energia e o Ministro de Minas e Energia para as
próximas semanas.
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