por Mariana Campos
Falta de transparência e retirada de recursos na condução das políticas ambientais no Brasil seguem a todo vapor
Há mais de 400 anos, Shakespeare, no clássico Romeu e Julieta, questionava se aquilo a que chamamos rosa, se tivesse outro nome, também cheiraria bem. Quando se trata da política ambiental do governo Bolsonaro, é o caso de afirmarmos que aquilo que cheira mal, se tiver outro nome, continuará a cheirar mal.
Enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão reduz a seriedade das queimadas criminosas e do desmatamento e prorroga a ineficiente e cara operação militar na Amazônia, o governo Bolsonaro segue com seu plano de destruir políticas e órgãos de proteção ambiental. A reestruturação do Ministério de Meio Ambiente (MMA) e o sucateamento do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe) são reflexos disso.
Reestruturação do MMA
anunciadas pelo antiministro Ricardo Salles foram feitas a portas fechadas, sem transparência. Os técnicos do ministério, que são os mais capacitados para discutir a política ambiental, não foram chamados para a conversa e ficaram surpresos. A Ascema (Associação dos Servidores do Ministério do Meio Ambiente) publicou uma nota sobre a reestruturação, criticando a forma como ela se deu e as incertezas que gera.
As alterações seguem a lógica predominante da gestão de Ricardo Salles: melhorar a imagem queimada do Brasil para responder à pressão de investidores, sem mudar a realidade, e centralizar o poder em suas mãos.
Salles recriou uma secretaria que ele próprio havia extinto quando assumiu a pasta, usando novo nome; fundiu e extinguiu departamentos; e criou cargos de alto escalão para se reportarem diretamente ao ministro.
“Essa reestruturação nada mais é do que uma camada extra de maquiagem para cobrir as feridas criadas pelo próprio governo e não alterará, por si só, os rumos dramáticos da política ambiental brasileira”, afirma Luiza Lima, porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace.
“O Brasil já foi referência mundial na implementação de políticas de combate ao desmatamento. Por isso, é revoltante ver que Bolsonaro segue cumprindo à risca seu plano de destruir todo este legado e deixar a Amazônia na mão de criminosos”.
Para quem não se lembra, nas eleições de 2018, Bolsonaro havia prometido extinguir o Ministério do Meio Ambiente. A pasta acabou não sendo eliminada no papel, mas o governo federal tem trabalhado ativamente para destruí-la por dentro, dia após dia.
Listamos abaixo algumas das mudanças no MMA, que indicam que Salles segue dando um banho de maquiagem verde na política ambiental do país:
Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais
Ricardo Salles criou uma secretaria específica para a Amazônia, argumentando que ela traria mais relevância a temas ambientais. As dúvidas quanto ao papel desta secretaria começam pelo nome dado a ela. Na nota divulgada, os servidores do MMA questionam: “Qual será o real foco desta secretaria, uma vez que dentro de suas atribuições também está a recuperação e uso sustentável dos demais biomas brasileiros?”. Também queremos saber.
A dificuldade em entender o que esta secretaria irá fazer aumenta quando lembramos que a centralidade da política de controle do desmatamento foi retirada do MMA, como resultado da imagem queimada de Salles, e atualmente está a cargo do recém-ressuscitado Conselho Nacional da Amazônia.
Quem lidera o conselho é o vice-presidente Mourão, que também está à frente da Operação Verde Brasil 2, via Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A atuação dos militares não tem resultado em proteção à floresta e ainda retira recursos e autonomia do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o órgão vinculado ao MMA realmente capacitado para um trabalho de inteligência e fiscalização. Ainda assim, mesmo sem apresentar resultados, a Operação Verde Brasil 2 foi prorrogada
até novembro, com a liberação de mais R$ 615 milhões para os Ministérios da Defesa e da Agricultura.
Falta de dinheiro não parece ser o problema. De acordo com Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, com os R$ 60 milhões mensais destinados para os dois primeiros meses de operação da GLO, seria possível pagar o salário de mil novos servidores do Ibama
Secretaria de Clima e Relações Internacionais
Logo que assumiu o ministério, Salles extinguiu a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas, que tratava de políticas climáticas, em alinhamento ao governo que nega a emergência climática e ameaça descumprir metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Porém, pressionado por investidores, empresas e lideranças internacionais em virtude da grave devastação ambiental no Brasil, Salles a recriou com o nome de Secretaria de Clima e Relações Internacionais.
Luiza explica que não é ressuscitando uma secretaria que o governo Bolsonaro freará a emissão de gases do efeito estufa do Brasil. “Tampouco irá reassumir seu papel de protagonismo nas negociações climáticas internacionais. Cabe ressaltar que, embora Salles tenha adicionado ‘Relações Internacionais’ ao nome de sua secretaria, temos um ministro das Relações Exteriores que é negacionista das mudanças climáticas”.
Secretaria de Áreas Protegidas
Outra mudança sem sentido no ministério é a criação de uma secretaria para cuidar das 334 Unidades de Conservação federais espalhadas por todo o país, responsabilidade que é, na verdade, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) desde que foi criado, em 2007, e que vem sendo sucateado pelo governo federal.
Segundo os servidores do Ministério de Meio Ambiente, “[r]etirar as atribuições desse órgão e passá-las para uma secretaria específica do MMA significa uma concentração de poder e um futuro de incertezas”.
Inpe sem um centavo para pesquisa
Não é apenas no MMA que a maquiagem verde segue a todo vapor. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão fundamental para a proteção da floresta por realizar o monitoramento do desmatamento, está condenado à inanição. Além de sofrer uma reestruturação absurda para calar servidores (como mostramos aqui), esta semana foi anunciado que o órgão deverá ter orçamento zerado
para pesquisa científica em 2021. Com o corte, os funcionários receberão seus salários, mas não terão como trabalhar.
Em um momento em que nossos governantes deveriam estar atuando fortemente em defesa da floresta, o que nos garantirá um futuro mais saudável e justo para todos, assistimos ao governo federal agir contra o meio ambiente e a população brasileira, negando a ciência e destruindo as instituições por dentro. Isso precisa parar.
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