por Victor Bravo
Este 22 de agosto marca o Dia de Sobrecarga da Terra, quando atingimos o limite de consumo dos recursos renováveis que nosso planeta pode prover no ano – a partir de agora, entramos no vermelho
A pandemia do coronavírus cancelou as festas públicas de Réveillon em muitas cidades. Mas também prolongou em três semanas o que seria a “virada de ano” para o planeta, o momento em que atingimos o limite de recursos naturais renováveis que a Terra consegue dispor para os seus habitantes. Em 2019, esta data foi em 29 de julho. Em 2020, é neste 22 de agosto, conhecido como Dia de Sobrecarga da Terra ou Dia de Esgotamento da Terra.
De acordo com a Global Footprint Network
, organização responsável por fazer as contas, tivemos uma redução de 9,3% da Pegada Ecológica da humanidade entre 1 de janeiro e 22 de agosto, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Isso, claro, se deve ao confinamento causado pela pandemia da Covid-19 em todo o mundo.
Pegada ecológica é um nome bacana para resumir o nosso impacto no planeta. Mas não temos nada para comemorar, ao contrário. Segundo os cálculos dessa mesma organização, a humanidade ainda utiliza 60% a mais dos recursos que o planeta consegue renovar, como água doce, florestas, terra para cultivo, peixes nos mares, entre muitos outros. Ou seja, consumimos no cheque especial, como se tivéssemos 1,6 planeta, e este excesso vem aumentando. Os registros deste déficit que a humanidade gera ao meio ambiente são feitos desde 1970. Naquele ano, em comparação, o limite ou Dia de Sobrecarga foi em 29 de dezembro. Não à toa, a Global Footprint Network tem uma campanha chamada #MoveTheDate
(Mova a Data, em inglês), que busca prorrogar esse dia de esgotamento em pelo menos cinco dias a cada ano, para que a gente chegue em 2050 em melhores condições.
Boa parte do consumo desses recursos é calculada na forma de emissões de carbono. Este ano, houve uma queda mundial de 14,5% nas emissões de gases do efeito estufa durante a pandemia do coronavírus, que desacelerou atividades como retirada de madeira – cerca de 8,4%, por exemplo. O único lugar que ficou na contramão dessa tendência, adivinhem, foi o Brasil, em função da alta vertiginosa do desmatamento ilegal.
“A humanidade tem estado unida pela experiência comum da pandemia e demonstrou como as nossas vidas estão interligadas. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar a profunda desigualdade das nossas experiências nem as tensões sociais, econômicas e políticas que foram exacerbadas por esta catástrofe global”, diz Laurel Hanscom, Diretora Executiva da Global Footprint Network.
Afinal, o que é Pegada Ecológica?
Viver neste planeta deixa rastros, que podem ser mais leves ou profundos. A “pegada ecológica”, como os especialistas nomearam, é o cálculo ambiental que avalia a tamanho dessa pegada. Ela compara a demanda por recursos naturais do planeta em relação a sua capacidade regenerativa. No Brasil, mas também no mundo, três setores têm grande importância para o tamanho da pegada ecológica: agricultura, florestas e energia.
Mais alimentos ou menos desperdício?
A agricultura é um dos grandes responsáveis pelo tamanho da pegada ecológica em nosso planeta. Isso porque ela está diretamente ligada às mudanças do uso do solo, transformando florestas em colheitas e pastagens; é responsável por 70% do consumo de água doce do planeta; e emite uma grande quantidade de gases de efeito estufa, tanto nos fertilizantes que utiliza como no metano dos rebanhos bovinos.
Para agravar o problema, um terço dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado durante a cadeia produtiva, do campo até a mesa dos consumidores, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Em paralelo, dois bilhões de pessoas, cerca de 26,4% da população mundial, estão em situação moderada a grave de insegurança alimentar, ou seja, com risco de passar fome.
“O chamado modelo alimentar convencional, voltado à produção industrial, é altamente nocivo ao meio ambiente e às pessoas. Ele se baseia em monoculturas e prioriza o lucro acima de tudo. Nunca se produziu tanto, mas de forma tão destrutiva, seja pelo uso massivo de agrotóxicos que contaminam a água e o solo, como pelo desmatamento”, diz a jornalista Mariana Campos, da nossa campanha de Agricultura.
Esse cenário ruim, pode ficar ainda pior. Mariana aponta que o uso de agrotóxicos não é necessário para garantirmos alimentos em escala global, além do mais, pode “justamente levar a um cenário de insegurança alimentar”. O número do déficit do problema alimentício pode piorar, porque “no longo prazo, o solo, a água e a rica biodiversidade que temos tendem a se esgotar, tornando a produção de alimentos cada vez mais difícil”.
O Greenpeace Brasil junto a atriz Alice Braga explicou como funciona esse modelo predatório de produção de alimentos numa série de três vídeos.
Florestas virando carvão
Como falamos, apesar da redução de 9,3% da Pegada Ecológica mundial, aqui no Brasil a destruição da Amazônia pelas queimadas e desmatamento tem feito nossas emissões aumentarem. Mesmo o governo proibindo por 120 dias o uso de queimadas, as florestas na Amazônia e no Pantanal continuam sendo consumidas pelas chamas. O fogo na Amazônia cresceu 28% em julho. Foram 1.007 focos de calor registrados em um único dia. Esse é o número mais alto detectado num mês de julho desde 2005, um aumento de 76,72% em relação ao ano passado.
“O desmatamento precisa ser combatido durante o ano todo, principalmente considerando que as queimadas na Amazônia não são resultado de um fenômeno natural, mas da ação humana. O fogo é uma das principais ferramentas utilizadas por grileiros e agricultores para limpar áreas”, explica Rômulo Batista, da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Energia limpa é solução
Um ponto crucial para reduzirmos drasticamente nosso impacto na Terra é usarmos energia limpa e renovável. “O Brasil tem o privilégio de ter todas as condições para chegar a uma matriz energética 100% renovável até 2050, como apontamos no relatório Revolução Energética“, afirma Marcelo Laterman, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.
O crescimento de energias renováveis, sobretudo da fonte solar fotovoltaica, tem crescido expressivamente no país. O movimento da migração para essas energias têm seguido a nossa projeção, mais do que o governo propõem. Além disso, o mercado gerou demanda de empregos. “Para se ter uma ideia, entre janeiro e maio deste ano, foram criados cerca de 37 mil empregos no setor de energia solar – lembrando que estamos em um contexto de pandemia, crise econômica e aumento do desemprego”, acrescenta.
Contudo, as medidas do governo segue na contramão de uma energia limpa. Marcelo diz o que Estado dificulta o acesso das pessoas a sistemas solares fotovoltaicos, apresentando propostas que visa reduzir a compensação de energia gerada pelo consumidor
. “Do lado do governo, não é apresentado nenhum plano de fechamento de usinas termelétricas a carvão, que é fonte mais poluidora em relação a gases de efeito estufa, como muitos países já fizeram”.
Mesmo que tenha sido um pequeno alívio o atraso de mais de três semanas para alcançarmos o Dia da Sobrecarga da Terra, não podemos contar como vitória, pois não foi fruto de um planejamento, mas de uma reação a uma pandemia que obrigou o mundo a desacelerar sua produção, causando desempregos e aumento da pobreza. Precisamos criar um novo modelo de desenvolvimento que seja próspero, justo e inclusivo, respeitando os limites naturais da Terra – isso é responsabilidade dos governos, empresas e da sociedade. Não existe crescimento ilimitado em um país com recursos finitos. Não, não temos 1,6 planeta, mas apenas um único mundo habitável em todo o universo que conhecemos, e seu nome é Terra. A minha, a sua, a nossa casa.
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