por Patrícia Bonilha
27 de agosto de 2020 – quinta-feira, em Santo Antônio do Içá
O tempo virou hoje. O céu nublado nos acompanhou o dia todo e à noitinha uma persistente chuva mudou um pouco a dinâmica no barco. Com as lonas laterais abaixadas, os carapanãs (pernilongos) nos atacaram sem pudor. Longe de ser uma torrencial chuva amazônica, esse “chuvisco”, como dizem por aqui, durou horas e foi mais que suficiente para nos molhar enquanto descarregamos os materiais em Santo Antônio do Içá, onde chegamos às 20h30.
No final da tarde, já havíamos retirado as caixas do porão para essa entrega específica. À noite, levamos quase duas horas para passar os 3.089 quilos de materiais de higiene do barco para o trapiche. Por causa da chuva, as centenas de caixas de sabão líquido, creme dental, desinfetante, sabão em barra, álcool gel e sabonete foram sendo empilhadas ali mesmo, a pedido do seu Jairo Flores, representante do povo Tikuna no Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) . Também deixamos para as comunidades indígenas que vivem na região de Santo Antônio do Içá, 2 mil máscaras de tecido e 1.050 cartilhas de prevenção da Covid-19 produzidas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Seu Jairo e outras lideranças se organizaram para buscar de barco os materiais na manhã do dia seguinte.
O projeto Asas da Emergência, como o próprio nome revela, foi concebido no início de maio com o propósito de disponibilizar o avião do Greenpeace e boa parte de sua equipe para contribuírem com a atuação de uma ampla rede de solidariedade aos povos indígenas que vivem na Amazônia, de modo a apoiá-los na luta contra a disseminação e os impactos da Covid-19.
No decorrer do desenvolvimento do projeto, percebeu-se que o “beiradão” dos rios, onde é tecida boa parte da vida dos povos da Amazônia, deveria ser incorporado também na “teia” de articulações, logística e de operações do Asas.
Esta é a terceira vez que o projeto Asas da Emergência utiliza uma embarcação para enviar, através dos rios da Amazônia, ajuda emergencial a partir de doações feitas por diversos parceiros, como Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Expedicionários da Saúde (EDS) e Operação Amazônia Nativa (Opan), dentre outros. O volume principal dessas cargas foram equipamentos hospitalares (cilindros e concentradores de oxigênio, geradores, sistemas para comunicação via rádio, equipamentos de proteção individual, dentre outros) para a montagem das Unidades de Atenção Primária Indígena (Uapi), as enfermarias de campanha. Toneladas de alimentos e materiais de higiene completaram essas cargas.
Em 1º de junho, enviamos um barco expresso com mais de 7 toneladas de materiais e alimentos para São Gabriel da Cachoeira, com o propósito de beneficiar comunidades indígenas dos 23 povos que vivem na região do Alto Rio Negro. Já no dia 25 de junho, um outro barco expresso saiu de Manaus e levou 9,4 toneladas de ajuda emergencial para 11 cidades nas mesmas regiões – Médio e Alto Solimões e seus afluentes – que estamos atendendo agora, nesta última expedição de barco do projeto Asas da Emergência.
Velocidade, volume e amplitude
Em uma conversa agora à noite, enquanto a chuva caía e os carapanãs nos consumiam, Carol comentou sobre a importância de termos passado a utilizar o barco no projeto justamente pela sua capacidade de carregar um volume tão expressivo de materiais e ainda possibilitar a entrega dos materiais em diferentes cidades em uma única viagem. Somente nesta expedição que estamos agora entregaremos aproximadamente 22 toneladas de ajuda emergencial para centenas de comunidades indígenas de oito cidades.
Por outro lado, Wayne lembrou que, especialmente em um contexto de epidemia, a velocidade que o avião proporcionou teve um papel vital para garantir ajuda emergencial. “Ainda mais se considerarmos que em alguns lugares para onde voamos o acesso é possível somente por via aérea”, disse.
Já deitados em nossas redes, sentindo o sibilante vento e ouvindo a chuva bater mansa no rio, Fred lamentou que nossa expedição já se aproxima de seu destino final. Apesar dos carapanãs e de diversos “perrengues” normais em qualquer trabalho de campo, sentiremos saudades do Solimões e da atuação em uma missão como essa, do Asas.
Embarque nessa jornada! Acompanhe como foi o quarto dia da expedição do Asas da Emergência.
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