Monday, December 30, 2013

Tarso Genro recebe Ana Paula

A convite do governador, Ana Paula recebeu as boas-vindas de Terso Genro e agradeceu o apoio por sua libertação. Ativista pediu fim das usinas a carvão no RS

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013 Ana Paula em encontro com o Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.
 
 A ativista Ana Paula Maciel foi recebida na manhã desta segunda-feira, 30, pelo governador gaúcho Tarso Genro e pelo secretário da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, no Palácio Piratini, em Porto Alegre.
Acompanhada da mãe, Rosangela Maciel, Ana Paula agradeceu o apoio das autoridades gaúchas pela sua libertação. “Sem o apoio do governo do Rio Grande do Sul, e também da presidenta Dilma Rousseff, eu não estaria aqui hoje. Por isso, quero deixar meu muito obrigada”, disse Ana Paula.
A ativista contou ao governador sua experiência na cárcere russa e explicou que, apesar da distância do Ártico, seu derretimento também pode afetar o Brasil e todo o mundo.
“O Ártico tem um papel regulador do clima do planeta. Dizemos que ele é o refrigerador da Terra porque emite de volta ao espaço boa parte da radiação do Sol”, contou Ana Paula.. “Com seu derretimento, a tendência é que os efeitos das mudanças climáticas se intensifiquem. Podemos, por exemplo, ter enchentes ou ondas de calor com mais frequência.“
Ana falou ainda sobre a necessidade de se reduzir a queima de combustíveis fósseis como forma de se evitar a destruição do Ártico e do clima do planeta. Ela pediu ao governador o fim das usinas de carvão do Estado.
“O carvão é uma das fontes de energia mais perigosas para o clima porque emite uma grande quantidade de carbono à atmosfera. Sabemos também que as reservas de carvão do Estado são de má qualidade, o que piora a situação”, disse Ana Paula. “Já existem alternativas tecnológicas para se gerar energia limpa e renovável. Agora precisamos de vontade política para se tomar o caminho certo.”
Em resposta, Tarso Genro disse que o Rio Grande do Sul é um dos pioneiros no incentivo à energia eólica e que está estudando maneiras de se aproveitar o carvão com menor impacto ambiental.
 

Saturday, December 28, 2013

Lar doce lar

Anistiada de um crime que não cometeu, a ativista Ana Paula Maciel volta ao Brasil e reencontra a família em Porto Alegre

Ativista do Greenpeace Ana Paula Maciel desembarcou no aeroporto de Guarulhos e segue em direção a Porto Alegre. © Greenpeace 

Foram cem dias de apreensão e incerteza desde que forças policiais russas fortemente armadas ocuparam o navio Arctic Sunrise em águas internacionais e prenderam sua tripulação após um protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico. Acusados primeiro de pirataria, e depois de vandalismo, os ativistas do Greenpeace correram o risco de passar até 15 anos na prisão.
Essa história, que motivou mais de 800 protestos em 46 países, mobilizou diplomatas, políticos e chefes de Estado – até a presidente Dilma se pronunciou – pela libertação do grupo que ficou conhecido como os 30 do Ártico, chega hoje a seu capítulo mais esperado. Após anistia do governo russo, e longas 33 horas de viagem, a brasileira Ana Paula Maciel, 31, aterrissou às 11h em Porto Alegre, sua cidade natal.
Na chegada ao aeroporto, Ana Paula mostrou que continua ativista em tempo integral. Diante de um saguão lotado de jornalistas, sua primeira atitude foi estender um banner para lembra a plateia o que a motivou a embarcar em um navio do Greenpeace rumo ao norte do planeta: “Salve o Ártico”, dizia a mensagem em suas mãos.

Seu momento “protesto” só cedeu lugar ao momento família. O abraço na mãe já havia ocorrido um mês antes, em São Petersburgo. Mas, desta vez, ele foi mais sereno, emocionado, com a certeza de que Ana está de volta a casa e que o filme de terror acabou com final feliz – ou quase.
“Foram três meses de aterradora insegurança, mas agora estou de volta ao ninho mais acolhedor que uma pessoa pode ter: sua família”, declarou Ana Paula. Ela lamenta, entretanto, que ainda reste um último capítulo para encerrar a história. “Minha segunda casa, o navio Arctic Sunrise, continua preso em Murmansk. Não conseguirei descansar até que o tenhamos de volta.”
Apesar da anistia ao suposto crime de vandalismo oferecida pelo Kremlin e de uma ordem do Tribunal Internacional do Mar dando razão ao pedido de arbitragem do governo holandês ao solicitar a devolução do Arctic Sunrise, o destino do navio continua incerto. Não é novidade, afinal o processo foi confuso desde o início.
 Tudo o que aconteceu foi surreal”, avalia Ana Paula. “Esperamos que nenhum outro país tente calar jamais a liberdade de expressão e o protesto pacífico da forma como a Rússia fez.”
Após a sabatina da imprensa, Ana Paula já dava sinais de esgotamento e de desejo de desfrutar o quanto antes da intimidade da família. Além de planejar a festa de Réveillon, ela tem muito assunto para colocar em dia com a mãe Rosangela, a irmã Telma, e a sobrinha Alessandra. Agora Ana Paula sabe como ninguém que, algumas vezes, os desejos mais banais são os mais difíceis de realizar. Mas, antes de partir, ela fez questão reconhecer todo o carinho que recebeu das pessoas no Brasil.
“Estive sempre entre amigos, mas esse episódio deixou claro que a família Greenpeace não para de crescer. É a família que acredita na nossa mensagem de proteção ao planeta, de paz e de necessidade de mudar de rumo por um futuro melhor. Só tenho a agradecer a todos que nos apoiaram e clamaram pela nossa liberdade. Mas essa luta está apenas começando”, conclui Ana Paula.

Friday, December 27, 2013

Sol mais forte em PE

No primeiro leilão exclusivo de energia solar realizado pelo governo do Pernambuco, foram contratados 122 MW, mais de dez vezes o que o país possui hoje

Na terra do "pré-Sol", ativistas testam o trailler solar em Olinda (PE). O Nordeste está ensinando ao Brasil que é possível crescer com sustentabilidade. (©Greenpeace/Rodrigo Paiva) 

Mesmo com a previsão dos metereologistas de que esta sexta-feira seria de tempo nublado, o Sol brilhou mais forte. Pelo menos em Pernambuco, onde foi realizado o primeiro leilão de energia solar do país, que contratou 122 MW para a fonte pelo preço de R$228,63.
Organizado pelo governo estadual, o leilão atraiu no total 34 empreendimentos com 1040 MW de capacidade instalada. A fonte solar havia sido inclusa nos dois últimos leilões federais de energia, mas nenhum megawatt foi contratado uma vez que ela competia com as eólicas, tecnologia já consolidada e, portanto, mais barata.
“Trata-se de uma importante iniciativa que deve ser elogiada. Ao contrário dos leilões federais, desta vez a energia solar foi oferecida como uma fonte exclusiva, tornando a competição mais justa”, disse Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.
“O segundo ponto corrigido neste leilão é que o preço-teto foi estabelecido em R$250, quase o dobro do que foi proposto no último leilão federal, garantindo a viabilidade de projetos de energia solar”, continuou Baitelo.
A iniciativa deste leilão faz parte do programa Pernambuco Sustentável, criado pelo governo estadual e apresentado durante a Conferência Rio+20, que pretende promover o desenvolvimento do mercado e da indústria de energia solar. São previstos leilões estaduais por pelo menos três anos consecutivos para contratação de energia solar produzida em Pernambuco.
O programa ainda prevê a concessão de um incentivo na forma de desconto do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e de Serviços), a ser pago pelas empresas pernambucanas que adquirirem esta energia. Desta forma, o programa promove uma disputa justa entre empreendimentos de fonte solar e, ao mesmo tempo, a redução do preço final da energia.
Segundo Baitelo, “trata-se de uma decisão acertada de fomentar a energia solar com os mecanismos corretos. O resultado de 122 MW pode parecer pequeno em comparação ao que contrataram eólica ou biomassa recentemente, mas é fundamental para impulsionar a indústria fotovoltaica não apenas em Pernambuco, mas no país.” Se este número se repetir anualmente será possível atrair indústrias ao Brasil e reduzir o preço dos equipamentos, o que beneficiará inclusive a microgeração residencial de energia solar.

Ana Paula volta para casa

A ativista brasileira conseguiu nesta sexta-feira autorização do Serviço Federal de Imigração russo para deixar o país. Ela embarca ainda hoje rumo ao Brasil.

Após cem dias, a ativista brasileira Ana Paula Maciel volta para o Brasil (© Nick Cobbing / Greenpeace) 

Cem dias após o protesto pacífico que desencadeou a prisão de ativistas do Greenpeace Internacional pelas autoridades russas, a brasileira Ana Paula Maciel, 31, obteve hoje o visto de saída do país – último passo necessário para seu retorno a casa desde que a anistia dos 30 do Ártico foi aprovada pelo parlamento russo.
Ana Paula e os demais 25 integrantes do grupo de nacionalidade não russa dependiam de uma autorização do Serviço Federal de Imigração para deixar o país, já que foram tirados de águas internacionais e levados presos pela guarda costeira.
Todos os estrangeiros já obtiveram seu visto de saída. Até o momento, sete deles já deixaram a Rússia e o restante deve partir entre hoje e o fim de semana. Ana Paula embarca ainda nesta sexta-feira com destino ao Brasil. Ela segue a Porto Alegre, onde passará o Réveillon com a família.
“Deixo a Rússia da mesma maneira como entrei: de cabeça erguida e com a consciência limpa. Temos a convicção de que fizemos o bem para proteger o planeta para esta e as futuras gerações. É uma vergonha um país permitir que tamanha injustiça tenha acontecido para defender os interesses das empresas de petróleo”,  declarou Ana Paula Maciel.
“Estou ansiosa por retornar a minha terra, mas não se pode falar em final feliz enquanto o Ártico continuar derretendo, a Amazônia se reduzindo, os oceanos se envenenando. Eu tomei uma atitude e assumi os riscos por enxergar a urgência de mudar os rumos da humanidade. Há muito trabalho pela frente e precisamos de toda a ajuda possível dos que se importam e acreditam em nosso trabalho”, conclui Ana Paula.

Thursday, December 26, 2013

Fim das investigações para os 30 do Ártico

Em dia de Natal, Comitê de Investigação russo convoca ativistas do Greenpeace em massa para encerrar as investigações de vandalismo.

O grupo conhecido como os 30 do Ártico em São Petersburgo (©Dmitri Sharomov/Greenpeace) 

O capítulo final das investigações contra os 30 do Ártico – grupo de 28 ativistas do Greenpeace Internacional, incluindo a brasileira Ana Paula, e dois jornalistas – aconteceu hoje, no dia de Natal, quando o Comitê de Investigação russo convocou o grupo em massa para encerrar o caso.
Ontem, o britânico Anthony Perrett foi o primeiro a ser convocado pelo Comitê de Investigação para ter encerrada a investigação contra ele. O grupo estava sendo acusado de vandalismo após ter participado, dia 18 de setembro, de um protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico.
Agora, os 26 integrantes do grupo de nacionalidade não russa vão entrar com pedido de vistos de saída para finalmente poderem deixar o país. Uma reunião com o Serviço de Migração Federal está marcada para hoje. Os ativistas devem deixar o país já nos próximos dias.
“Este é o dia que estávamos esperando desde que nosso navio Arctic Sunrise foi ocupado por forças armadas mais de três meses atrás. Estou feliz e aliviado que as acusações tenham sido derrubadas, mas não deveríamos ter sido acusados de nada”, disse o norte-americano Peter Willcox, capitão do navio Arctic Sunrise. “Nós [a humanidade] já descobrimos petróleo suficiente para aquecer perigosamente o planeta e nós tomamos uma atitude para prevenir isso. Oferecer o planeta para as empresas de óleo e gás não é uma opção.”
“A nossa saga deve acabar logo, mas não existe anistia para o Ártico. A Gazprom acabou de começar a perfurar outra vez. Então, quando isso acabar, nós continuaremos nossa missão de proteger o Ártico das petrolíferas gananciosas”, disse a ativista brasileira Ana Paula Maciel. “É um absurdo que tenhamos sido perdoados de um crime que não cometemos. Não sou culpada e nunca fui. Estou triste de deixar a Rússia enquanto nosso navio Arctic Sunrise permanece aqui. Metade de meu coração vai permanecer com ele, atracado em Murmansk.”

Monday, December 23, 2013

A Amazônia continua ameaçada

O avanço da pecuária sobre as florestas continua sendo uma das maiores ameaças à Amazônia. 

Na década de 70, o governo militar ofereceu incentivos fiscais para os investidores brasileiros e internacionais ‘desbravarem’ a Amazônia. Os empresários começaram a comprar terras que eram antigos seringais com o intuito transformar a floresta em ‘novas frentes de negócios’, sobretudo pastagens para a criação de gado.
Mas, diferente do que se imaginava em outras regiões do país, que tinham a ideia de que na Amazônia havia um enorme vazio demográfico, eram milhares de famílias de seringueiros e povos indígenas ocupando aquelas terras. Foi assim que começaram os conflitos com a expulsão de índios, ribeirinhos e seringueiros pelos novos “proprietários”.
Pessoas que nasceram naquelas terras de repente recebiam a notícia de que seriam obrigados a se retirar. Muitos foram enfrentar um destino de pobreza extrema e desemprego na periferia das grandes capitais do Norte. Outros perderam a economia de uma vida, enganados por grileiros. Os que resistiam eram pressionados por pistoleiros, ameaçados de morte por jagunços e muitas vezes tinham suas casas queimadas.
Foi nesse contexto que os seringueiros se organizaram nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, apoiados pela Igreja, que criou as Comunidades Eclesiais de Base com a missão de conscientizá-los sobre seus direitos e formar líderes que pudessem atuar nas comunidades. O jornalista, escritor e documentarista Edilson Martins conhece bem essa história.
“Antes de conhecer o Chico eu conheci o Pinheiro, que foi presidente do sindicato antes, e foi assassinado nas mesmas condições que ele. O Pinheiro é o cara que começa a organizar a resistência em um momento que o governo militar decide substituir o ciclo mono-extrativista que dominava a Amazônia pelos grandes projetos agropecuários, madeireiros, de mineração, rodovias patrocinadas pelo banco mundial, transamazônica, ainda no final dos anos 60”, lembra.
O novo modelo, dominado pelo capital da indústria, das grandes fazendas e latifundiários se chocaria, mais para frente, com a figura do seringueiro, do ponto de vista territorial.
Mobilização e confronto pacífico pela resistência
O sindicato de Brasileia surgiu em dezembro de 1975, com a ascensão de Wilson Pinheiro como liderança. Wilsão, como era chamado pelos amigos, foi quem idealizou a forma de embate pacífico tão inspiradora até hoje, junto com Chico.
Ambos estavam frustrados depois de inúmeras denúncias feitas aos órgãos competentes à época, de invasão de terras, violência e agressão à floresta por parte de fazendeiros e pecuaristas, que terminavam sempre sem resposta.
Cansados, pensaram os empates, que tinham por objetivo impedir a derrubada da mata e outras formas de violência contra os seringueiros, como alternativa efetiva às denúncias feitas em vão.
Vinham trabalhadores da região de influência da BR-317 caminhando até o lugar onde os peões estavam prontos para realizar o desmate. Surgiam, de repente, centenas de homens, mulheres e crianças para formar uma corrente humana em frente a área a ser devastada. Do outro lado, muitos do que estavam prestes a desmatar eram os seringueiros que foram cooptados pelos novos donos da terra. Eles não tinham coragem de passar por cima de seus pares. Ali, no interior da floresta, homens e mulheres travavam um embate entre pobres, a serviço dos ricos.
Em pouco tempo eram oito sindicatos na região, com 25 mil associados. A luta era desigual pois os fazendeiros tinham o apoio do Estado, representado por policiais, advogados, juízes e políticos. Para a antropóloga Mary Alegretti, que viveu esse momento de mobilização, a partir da década de 80, a capacidade de articulação de Chico Mendes vinha da legitimidade que eles passava.
“Eu entendi qual era o sentido da luta dele porque eu tinha visto o que era o seringal, o patrão, o seringueiro eternamente endividado, eu tinha estudado essa situação. Então quando ele falava do seringueiro liberto, do empate, da necessidade da educação, eu tinha uma profunda empatia, porque eu tinha percebido exatamente, sabia o que ele estava falando. E acho que ele percebeu isso, por isso a gente tinha muita cumplicidade”, conta.
A manada passa e a soja fica
De lá pra cá, apesar dos esforços das lideranças locais, a pecuária acabou se instalando na Amazônia e se tornou o maior driver de desmatamento da região.
Segundo dados do Imazon, entre 1990 e 2003, o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 140% e passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças. Na esteira da pecuária, a Amazônia foi tomada por outras commodities, como a soja, que foram expandindo a fronteira do desmatamento na Amazônia.
Um estudo publicado nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstrou a relação entre violência e desmatamento. De acordo com ele, municípios localizados em áreas de desmatamento da Amazônia sofrem mais com a violência do que outras cidades similares.
Segundo a pesquisa, a média da taxa de homicídios nos 46 municípios que mais desmatavam em 2010 era 48,8 por 100 mil habitantes naquele ano. Quase o dobro da observada nos outros 5.331 municípios pequenos e médios do país (27,1 por 100 mil habitantes).
O modelo de desenvolvimento que motivou a luta de Chico Mendes ainda é o mesmo, baseado em levar grandes projetos para a Amazônia sem compreendê-la e sem se preocupar com as pessoas que vivem lá. Daí as situações se repetirem ainda hoje. A Amazônia 25 anos depois de Chico ainda sofre com a falta de governança e a impunidade.
“Até hoje, a ideia hegemônica sobre a Amazônia é que ela tem que se integrar a qualquer custo ao Brasil, quando na verdade é o Brasil que deveria se integrar a ela, reconhecendo que é dono de grande parte da maior floresta tropical do mundo e que deve estabelecer um modelo econômico diferenciado, respeitando os povos que vivem nela. Mas o que se vê é o governo entregando essa riqueza para a exploração desenfreada, numa lógica em que a floresta é vista como um  empecilho para o desenvolvimento. Isso começou na época do Chico Mendes e permanece atual, sendo um dos grandes incentivadores da violência no campo”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha Amazônia do Greenpeace.

Testemunha da história, parceira na luta

Chico Mendes e Mary Alegretti (Reprodução / Acervo Pessoal Mary Alegretti) 

A antropóloga Mary Alegretti é muito provavelmente uma das pessoas “de fora” que mais conviveram com Chico Mendes a partir dos anos 80, quando ele já tinha muita clara a luta que travaria até o assassinato que o vitimou: Mudar a situação do seringueiro explorado, sempre endividado, subalterno e sem acesso à educação.
Mary conhecia bem essa realidade, quando visitou seringais tradicionais pelo Acre antes de conhecer Chico, “tipo os dos livros de história, com a figura do patrão sempre muito presente”, como ela mesma descreve. E ele a apresentou ao “outro lado”, dos seringueiros que articulavam entre si e com outras comunidades da região, independentes, sobretudo.
Conheça um pouco mais sobre a história desta amizade e desta mulher que tanto ajudou nas articulações e no persistente trabalho de Chico pela vida e pela dignidade dos seringueiros com alguns dos trechos desta entrevista:
Como foi seu primeiro contato com Chico?
Eu fiz a minha tese de mestrado no Acre. Conheci o Chico quando ele era vereador em Xapuri, antes de qualquer coisa que tivesse a ver com meio ambiente, ou com questões nacionais, internacionais ou qualquer coisa desse tipo. Ele era um líder sindical eleito vereador, mas de coração e de tudo presidente do sindicato de Xapuri, ou pelo menos da diretoria do sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri.
Isso era 77, mais ou menos?
Não, eu fui pro Acre em 78 mas o conheci em 81. Nesse momento, os sindicatos já haviam sido criados e ele tinha acabado de voltar do processo que ele teve da justiça militar na Amazônia, junto com o Lula. Que aconteceu depois do assassinato do Wilson, então eu conheci ele nesse momento. Já tinha defendido meu mestrado mas tinha voltado pro Acre, estava começando um projeto de doutorado. E aí eu o conheci assim, porque ele era um líder sindical muito bem informado e que todas as pessoas davam ele como referencia do que estava acontecendo no Acre naquele momento.
E eu acho que eu fiz uma das primeiras entrevistas que ele deu na vida, entrevista longa, gravada, onde eu pergunto tudo, porque eu não conhecia nada, eu não tinha menor noção de quem ele era, e ele não era conhecido, ele era um líder sindical que vivia falando do desmatamento e das injustiças com os seringueiros. E ele lia muito, então ele lia o Varadouro, que era o jornal famoso da época, do Acre, era um jornal alternativo que saia todos os meses, e ele era um leitor e um divulgador e um cara que escrevia cartas para o jornal. E eu fiz essa entrevista com ele na sede do Varadouro, em Rio Branco. Exatamente porque os jornalistas disseram “olha, quer saber o que está acontecendo, é o Chico Mendes quem pode te falar”. Então foi assim que eu o conheci.

                    Chico Mendes e Mary Alegretti (Reprodução / Acervo pessoal Mary Alegretty)


  

Você publicou esta entrevista?
A entrevista está na minha tese, e junto com o meu livro eu pretendo colocar ela em áudio, porque é muito original, é muito interessante. Porque ele já tinha uma visão histórica, uma interpretação da história do Acre, da história dos seringueiros e tinha convicções, conceitos claros, ele já era uma pessoa com pensamento muito original.
Nessa época em que encontrou ele, já havia acontecido algum enfrentamento pacífico, os famosos empates?
Já, porque os empates começaram em 76. Eu conheci ele em 81, quer dizer, já havia quase uma década de empates, os conflitos começaram em 70, eu tenho um artigo em que falo bastante das diferentes etapas do conflito. Em 76 teve o primeiro empate e aí não parou mais. Quando eu o conheci, como ele tinha sido eleito vereador, então ele estava numa fase onde ele estava fazendo política, um pouco desconfortável, porque eu acho que não era exatamente o que ele gostava, mas ao mesmo tempo ele estava mobilizando o sindicato, que tinha ficado nas mãos de um pelego lá em Xapuri. E ele estava mobilizando, organizando o sindicato pra voltar a tomar conta e ele acabou se elegendo presidente do sindicato em 83, e era onde ele se sentia melhor, mais confortável.
Então eu o conheci nesse momento, e ele me convidou pra ir a Xapuri. Ia acontecer uma assembleia muito grande lá, no final daquele mês, foi em maio de 78, ia acontecer uma assembleia grande, para tentar mudar a diretoria do sindicato, e eu fui. E fiquei super impressionada com o que vi, como antropóloga eu gravei tudo, não filmei porque na época ninguém ousava filmar, mas gravei tudo, essas reuniões todas que aconteceram nessa época, estava o Julio Barbosa, o Raimundo de Barros, todas as lideranças que continuaram depois que ele foi assassinado. E eu fiquei muito impressionada mesmo.
E o que mais te chamou a atenção nessa época, nele? Era o poder de mobilização, a capacidade de oratória?
Ele não era desses líderes de inflamar as massas, ele era um líder muito simples, mas ele passava muita legitimidade, muita sinceridade. E ele era uma pessoa também que tinha uma capacidade de acolher todo mundo. Ele dava valor as pessoas que se interessavam pelo trabalho que ele fazia e pela luta dos seringueiros, ele acolhia todo mundo. Eu fui uma das primeiras pessoas de fora que chegou, depois vieram outros, no decorrer dos anos, mas ele sempre teve essa postura.
Chegava um jornalista ele ia lá, mostrava, ia junto, contava a história, ele cativava a pessoa, e a pessoa se sentia ligada a ele, a causa, e não largava mais. Eu acho que era um carisma, mas não o carisma de quem vai lá e instiga as massas, é uma carisma de quem cria uma certa cumplicidade. Ele foi capaz de mudar a vida de muitas pessoas, e não só a minha. Eu larguei a universidade para apoiar o trabalho dele. Mas não fui a única.
Para mim ele passava legitimidade, sinceridade, um cara que era honesto, que realmente defendia o que defendia por convicção, ele não tinha nenhuma característica de nenhum tipo de político ou daqueles líderes populistas, demagogos. Ele tinha uma convicção, acreditava que as coisas podiam mudar e ele ia em frente apesar de todas as dificuldades, ele também tinha bom-humor e nós na verdade criamos uma amizade. Isso que eu acho uma coisa peculiar, nós ficamos amigos com essa simplicidade do movimento social. E eu fiz tudo o que eu pude pra trabalhar com ele, pra ajuda-lo, pra dar força, pra divulgar, pra informar, pra defender, pra tudo.
E vocês tinham afinidade política?
Se nós tínhamos as mesmas convicções políticas, eu nem sei, nunca me preocupei em saber de qual linha era dentro do PT, se ele era a favor de um ou de outro, nunca foi uma questão ideológica. E deixa eu te falar porque. Antes de conhece-lo eu fiz a minha tese de mestrado em um seringal tradicional lá no Acre. E era um seringal de patrão, aquela coisa bem dos livros de história. E eu fiquei muito chocada.
Quando eu conheci o Chico, ele me deu a história. Ele me colocou no contexto. Ele disse “olha, o que você viu é um lado da história. Em Xapuri a gente tem o outro lado. Que é o lado dos seringueiros que já não pagam renda, que já não tem patrão, que lutam contra o desmatamento, que já são autônomos, e aqueles seringueiros que você estudou eles são os cativos, que ainda tem patrão e tal”.
Então ele me deu essa perspectiva, e ele tinha um senso de busca por justiça muito forte. Mas eu entendi qual era o sentido da luta dele porque eu tinha visto o que era o seringal, o patrão, o seringueiro eternamente endividado, eu tinha estudado essa situação. Então quando ele falava do seringueiro liberto, do empate, da necessidade da educação, eu tinha uma profunda empatia, porque eu tinha percebido exatamente, sabia o que ele estava falando. E acho que ele percebeu isso, por isso a gente tinha muita cumplicidade.
Qual era a grande vontade de Chico lá no início, quando conheceu ele?
Ele tinha uma obsessão, que era mudar a situação do seringueiro. Porque ele tinha vivido, com a família dele, essa situação e ele tinha conseguido sair desse processo, ser alfabetizado. Ele dava um valor muito grande para a educação, então ele tinha essa coisa, queria mudar a realidade do seringueiro. Esse era o pensamento dele. Depois ele juntou a questão da floresta, do desmatamento, mas pelas razões de quem vive da floresta sim, como meio de vida.
Quando você olha para o avanço do agronegócio na Amazônia, todo o conjunto de projetos e leis que avançam nas esferas políticas dificultando novas demarcações de terras, pedindo revisões nas já existentes e outras ameaças, pensa que 25 anos depois, vivemos uma situação tão difícil quanto?
Eu acho que tem uma grande diferença que naquela época estávamos em um regime militar. Então qualquer oposição a qualquer política do governo militar implicava num risco muito alto, até de vida, e num risco muito alto de repressão e perseguição, mas por outro lado tinha uma grande repercussão internacional qualquer manifestação que fosse contra o regime militar e contra a politica militar dos índios. Então os aliados principais que nos tínhamos eram primeiro a comunidade internacional ligada a questão indígena, depois os organismos multilaterais como por exemplo o banco mundial, banco interamericano de desenvolvimento, eles eram, eles exerciam o papel de mediação em certo sentido.
Então acontecia alguma coisa lá no Acre, como aconteceram, com os Yanomami, como aconteceu políticas tão ou mais fortes que as de hoje e havia uma repercussão internacional, e essa repercussão gerava uma pressão que  constrangia os militares. Então de certa forma, a democratização fez com que as pressões internas passassem a ter mais importância e enfraqueceu a capacidade de mobilização, porque  mobilizar a opinião pública brasileira é muito difícil, é mais difícil do que mobilizar a opinião publica internacional, pra questão indígena principalmente. É uma coisa que não sensibiliza. Mas sensibilizava muito a opinião publica internacional, então era um jogo de pressão muito forte que se articulava lá fora e rebatia aqui dentro.
Esse é um aspecto, o outro aspecto é que o movimento social enfraqueceu muito desde que o PT assumiu o governo. E como toda a sociedade colocou a expectativa de que não precisava mais fazer esse jogo de pressão porque o PT iria atender essas demandas históricas e centenárias das sociedades indígenas e dos extrativistas, e como boa parte das lideranças e dos interlocutores foi para o governo e não aconteceu o que se esperava, gerou um vazio, um vazio enorme, de capacidade de pressão, as lideranças hoje não conseguem questionar o governo, não conseguem.
As lideranças indígenas questionam até mais do que os outros, eu acho que eles tem uma capacidade de mobilização, de questionamento muito alta. Eles são muito mais organizados, se eles conseguissem sensibilizar a opinião pública e conseguissem mais respaldo, eles impediriam essas mudanças que o governo está fazendo, só que há um constrangimento do movimento social em geral de questionar o governo.
E muitas das ameaças de hoje são as mesmas de antes? O avanço da pecuária aliado com a expansão da soja...
A soja é um processo natural da expansão, é uma etapa seguinte da expansão da fronteira, depois da madeira, da pecuária vem a soja, então é prevista digamos assim, eu acho até que é mais fácil lidar com a soja do que com a madeira e com a pecuária porque a soja tem um impacto grande na renda local, e com a renda as pessoas também mudam de qualidade de vida, e elas acabam tendo mais acesso a informação, a educação, então eu não meço isso tanto assim. Apesar de que eu acho que a Amazônia pelo fato de não ter uma situação de terra regularizada a soja vai vir acompanhada por conflitos fundiários. Mas acho que o problema maior é esse hoje, eu sinto que as investidas são muito parecidas, principalmente na parte legal, de diminuição de direitos indígenas, mas não há, não existem mecanismos que façam com que isso seja freado, então gera-se um impasse muito maior do que no passado.
E qual o maior legado deixado, o que, na sua opinião, fica de mais marcante, que aprendemos como país?
Eu vejo esses impasses muito fortes em relação aos indígenas e muito forte em relação aos direitos sociais digamos de toda uma população ribeirinha, extrativista na Amazônia. Mas o maior legado sem dúvida é a revolução do seringueiro, que é a criação das reservas extrativistas, porque isso é permanente, e é um conceito legitimamente vindo do movimento social, foi uma conquista e não uma concessão.
Você veja, o conceito surgiu em 85, as primeiras reservas e o conceito formal foi firmado em 90 e você tem ciclos de criação das reservas mas elas não param de ser criadas e não param de ser demandadas. Então é uma coisa extremamente fértil e conectada com a necessidade dessas comunidades. Eu acho que isso é um legado que ninguém poderia imaginar que seria possível acontecer. E se isso começasse hoje, certamente não aconteceria. Se essa ideia surgisse hoje e se as reservas que foram criadas até agora tivessem que começar a ser criadas a partir de agora isso não aconteceria.

Herdeiro do legado, multiplicador da causa

Joaquim Belo, presidente do CNS (Reprodução / Acervo Pessoal Joaquim Belo) 

Três décadas após a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) por Chico Mendes e vários de seus companheiros, a entidade, hoje chamada Conselho Nacional das Populações Extrativistas é gerida por um filho legítimo da maior conquista de Chico: o conceito das reservas, de desenvolvimento sustentável e extrativistas.
Morador do projeto de assentamento Foz do Rio Madeirão Velho, no Amapá,  Joaquim Belo só conheceu Chico Mendes com a repercussão de seu assassinato.
“Fui conhecer a figura brilhante do Chico na morte dele, enquanto eu me envolvia mais e mais  com o trabalho na reserva de Cajari”, conta. Mas logo percebeu que a luta iniciada por Chico, Wilson Pinheiro e tantos outros era a luta que ele mesmo sempre travara. “Percebi que o meu modo de vida se enquadrava justamente no modelo que eles defenderam na primeiras quatro reservas criadas”.
E a partir daí, se envolveu mais e mais no sindicalismo e nos movimentos locais em favor dos trabalhadores e comunidades amazônica. Ele resume a própria história como “a de um cidadão que mora na floresta, que tem uma relação e um modo de vida extremamente afetuoso com a floresta, e que trabalha com a floresta em pé”. Confira alguns trechos da entrevista:
Pode contar um pouco de sua trajetória até o CNS?
Cheguei no CNS na verdade através de um amigo chamado Pedro Ramos, que vem do início junto com Chico Mendes e viveu essa historia bonita de luta pela defesa dos extrativistas naquele momento. Eu sou técnico em agropecuária formado pelo instituto da família no Espirito Santo, que era apoiada pelo sindicato que o Pedro Ramos era presidente, e quando cheguei em 92 formado no ensino médio, e trabalhando voluntariamente no sindicato rural, no ano seguinte ele me convidou pra ajuda-lo no CNS, que estava iniciando o trabalho que ia fazer o cadastramento na reserva Cajari naquele momento, e eu fui convidado a ir pra lá.
Fiquei uns dois anos trabalhando com ele nessa pauta do cadastramento da reserva de Cajari. Em 98, eu fui convidado pra fazer parte da organização, do encontro estadual, e acabei indo. Na volta, fui eleito coordenador regional do estado do Amapá e fui me envolvendo mais e mais no trabalho. No levantamento da reserva, o que ela representava enquanto espaço territorial naquele momento, já que Cajari estava entre as quatro primeiras reservas extrativistas criadas, ainda no final do governo Sarney, junto com a Chico Mendes, Ouro Preto e Juruá.
Então eu fui estudando, começando a entender os documentos, os processos. Eu não fiz parte do início do processo, mas fui compreendendo que o que eu fazia no meu dia a dia, no meu modo de vida foi aquilo que o Chico, junto com outros grupos que começam com Wilson Pinheiro e tantos outros, que trabalharam muito pra que esse modelo fosse criado juridicamente, quer dizer, eu percebi que o meu modo de vida se enquadrava justamente no modelo que eles defenderam na primeiras quatro reservas criadas.
E meu envolvimento aí só aumenta. Fui coordenador regional no Amapá, no ano seguinte fui eleito para o conselho deliberativo nacional e fui galgando até a presidência. A minha história de vida é a de um cidadão que mora na floresta, que tem uma relação e um modo de vida extremamente afetuoso com a floresta, que trabalha com a floresta em pé. Eu fui entendendo que dentro dos diversos ecossistemas cada sistema desses tem um tipo de produção que atende muito bem o público que está lá, que é a castanha, o açaí, a borracha, o babaçu, enfim, é um conjunto de produtos que tem na natureza e que se relaciona com o povo de acordo com o ambiente que ele está habitando.
Como foi seu primeiro contato com Chico Mendes, em que momento da sua vida esse contato aconteceu?
Na verdade eu ouvi falar do Chico na morte dele. Meu pai era sindicalista, conviveu com ele. Pedro Ramos também conviveu com ele, mas eu só fui ouvir falar do Chico por ocasião da morte dele, que foi aquela comoção. No interior a gente não tinha televisão mas tinha rádio.  E a gente ouvia falar da morte do ambientalista Chico Mendes, aquela questão toda que ficou na mídia por tanto tempo. Era radinho de pilha né, a gente escutava muito a voz do Brasil, tinha a rádio nacional de Brasília, então eu ouvi muito, fui conhecer a figura brilhante do Chico na morte dele, enquanto eu me envolvia mais e mais  com o trabalho na reserva.
Ouvia muito sobre os companheiros de Chico, também? Você se inspirou muito nessas pessoas?
Os primeiros, que começaram mesmo junto com ele foram o Julio Barbosa, Maria Alegretti, Atanagildo Matos, seu Raimundão lá do Acre, pessoas que foram grandes inspiradores, ficaram com esse legado do Chico e passando para outras gerações assim como eu e que me serviu muito, foi de uma riqueza fantástica para que eu pudesse ter a consciência e pudesse ter o papel que tenho hoje, de representar essa instituição e estar multiplicando esse ideal do Chico que não é uma causa, é a vida das pessoas, é a vida do nosso povo da Amazônia que teve seu modo de vida desenhado pela convivência de milhares de anos com a floresta, e esse público é um público muito grande hoje na Amazônia, é um público gigantesco.
E em termos de conquistas? Qual a principal na sua opinião?
Nossa conquista hoje tá em torno de quase 40 milhões de hectares traduzidas nesse modelo de reforma diferenciada que a gente chama, que é nossas reservas extrativistas, nossos assentamentos extrativistas, reserva de desenvolvimento sustentável, então esses territórios de uso coletivo que são nossos lugares de moradia e produção acima de tudo, essa conquista é muito grande. Quando eu comecei a conhecer essa história, das quatro reservas criadas,  e a aprender com essas pessoas, isso pra mim, faz com que eu faça o que faço hoje com uma consciência aguçada do meu papel na defesa desse modo de vida, na conservação, no desenvolvimento sustentável, na manutenção do equilíbrio e da harmonia nos biomas brasileiros, e no mundo também.
Qual a situação da sua comunidade e da reserva de Cajari hoje, vocês convivem com a violência que assola tantas outras reservas? Vocês lidam com roubo de madeira, ameaças e outros tipos de violência?
Pois é. Primeiro, é impressionante como essa situação quase pouca coisa mudou, da violência, dos saques de recursos naturais das comunidades, ainda agora duas semanas atrás teve a maior apreensão de madeira da história, na região de Marabá. E quando você olha a região de Marabá, é uma região que tem tido o acesso muito facilitado, então dá pra gente analisar que essa questão da extração ilegal de madeira, a corrupção no setor continua muito forte, que as pessoas e esses grupos ainda se sentem muito a vontade para fazer o que fazem e há uma dificuldade muito grande do estado em dar uma resposta em cima dessa situação toda. E aí pega essa situação de Marabá , por exemplo, e imagine essas comunidades que estão mais distantes, isoladas  da presença do estado, como é o caso de Melgaço e tantas outras.
Então isso demonstra que os saques, a ilegalidade, essas coisas continuam com uma voracidade gigantesca em cima desses territórios, por isso que a gente briga muito pelas reservas extrativistas, que no governo Dilma tivemos a infelicidade de não criar nenhuma, e a única esperança que a gente tem é a criação do território, e a hoje a dificuldade tem sido muito grande em novas criações porque a frente do agronegócio quer impedir a criação de reservas, desses nossos territórios a qualquer custo, mas é o mínimo que a gente pode ter, a garantia ao território.
A garantia ao território traz consigo as demais?
É o primeiro passo, com ela você tem o mínimo, que é a garantia da preservação da vida. Porque, pela nossa história de luta, nós nunca ouvimos falar que mataram uma liderança dentro de uma reserva criada, geralmente morre num assentamento extrativista, porque com todo o respeito e importância que tem os assentamentos extrativistas, uma vez que se tornou uma coisa muito banal, o respeito também passou a ser mínimo. Já contra a reserva, é muito mais difícil atentar, fica um defunto mais caro pro crime.
Então a gente lamenta muito por não terem sido criadas novas reservas na nossa Amazônia, mas estamos firmes, fizemos um pacto para que até julho de 2014 a gente crie novas cinco reservas. No chamado das florestas fizemos esse pacto com o governo federal, com a ministra do meio ambiente e secretaria geral da presidência para a semana do meio ambiente.
A violência continua, nas nossas terras por aqui não é diferente. Particularmente, não digo que sou ameaçado de morte porque tomo muito cuidado com isso. Até porque hoje, são poucos os lugares em que o crime organizado ainda ameaça. Eles estão atuando de uma outra forma, já estão executando ao invés de ameaçar, porque quando ameaça tem a questão da visibilidade e tal, e quando matam diretamente fica mais fácil até de se livrarem.
Então essa questão da violência aqui no Amapá, que até viveu em harmonia nesse aspecto mas neste momento já temos conflitos gigantescos, companheiros que correm risco de morte e a gente tenta trabalhar de forma que não nos deixe tão expostos nesse aspecto e não sermos vitimados por esse segmento.
Vocês usam ou chegaram a usar alguma técnica de enfrentamento aos moldes dos empates?
Não, dessa forma não. Ajudei logo no início, com a Irmã Dorothy, a fechar estrada, fechar ponte, por semanas e tal, isso a gente chegou a fazer na região da Transamazônica, mas nesse nosso ambiente aqui, não. Mas no caso do Pará chegamos a fazer não embate pela floresta, mas em rodovias, em pontes, chamando a atenção justamente para a necessidade de criação de novos territórios.
Do ponto de vista daquelas lutas maravilhosas que o Chico fez, não chegamos a realizar esse tipo de ação, de embate na floresta para impedir desmatamento, mas com certeza tiramos inspiração delas para fazer as nossas próprias ações.
Como você enxerga o modelo de desenvolvimento para Amazônia que temos hoje? Mega obras, ameaças constantes da bancada ruralista nas esferas políticas...
Primeiro que o modelo que está sendo implementado para Amazônia é caótico, crítico. Crítico porque é um modelo extremamente degradador, e nesse sentido o governo está refém desse processo, desse poder hegemônico que está consolidado nesse país de uma forma bem estruturada, e aí eu confesso que não vejo um caminho claro no sentido de reversão para esse processo.
O que temos feito nesse aspecto, é fazer com que o governo também atenda nossas reinvindicações, porque o que está acontecendo na Amazônia neste momento é um sistema que está colocando um grau de perigo muito grande, porque essa infraestrutura toda que o governo está investindo para Amazônia é uma infraestrutura que está trazendo consigo a migração de diversos segmentos, inclusive segmentos endinheirados pra Amazônia, e junto com isso vem muita gente tentando arrumar trabalho, e isso vai estabelecer um conflito muito grande e que não vai demorar na região, se o governo também não atender as nossas reinvindicações.
E aí o ataque não passou a ser contra uma classe, contra um setor, mas contra o sistema ambiental desse país. E eu fico muito triste  quando vejo alguns técnicos ligados a área da conservação que ao invés de ver o extrativista como um bom aliado acham que somente parques conservam, e nem consideram o nosso segmento como possível aliado na mesma luta.
Mas também já existe muita gente com mentalidade diferente, que pensa na lógica do ou se junta todo mundo, ou todo mundo vai sucumbir nesse modelo que o governo federal está implantando para a Amazônia. Estamos passando por um momento crítico, e esse momento vai carecer do nosso papel como entidades mobilizadoras e de enfrentamento pra que o governo dê atenção as nossas pautas.
Nós temos claro que  governo não vai frear nesse modelo hegemônico que está sendo implantado, então o que nos cabe é mobilizar. E aí são todos os segmentos, ambientalistas, ativistas, trabalhadores, índios, extrativistas. Ou nos juntamos ou vamos sucumbir todos.
O sistema, unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas, todos estão ameaçados, então não tem ninguém melhor do que ninguém neste momento, e isso precisa ser compreendido por todos os segmentos, que precisamos estar juntos para enfrentar esse projeto de grandes obras e investimentos na Amazônia que vai trazer o caos para todos nós.

Saturday, December 21, 2013

Lambe-lambes espalhados por quatro cidades marcam 25 anos do assassinato de Chico Mendes

Pontos emblemáticos amanhecem com homenagem a um dos maiores líderes defensores da floresta amazônica e seus povos tradicionais

Lambe-lambes espalhados por quatro cidades marcam 25 anos do assassinato de Chico Mendes. (©Greenpeace/Brunno Marchetti) 

 Desde a madrugada deste sábado (21), os moradores de São Paulo, Belo Horizonte, Manaus e Campos do Jordão estão se deparando com lambe-lambes com o rosto do líder seringueiro Chico Mendes, espalhado por diversas regiões. Nos cartazes, a mensagem “Sempre presente” busca aguçar a curiosidade dos motoristas e pedestres sobre a vida e história deste personagem brasileiro.
“Chico foi morto com um tiro no peito, em uma emboscada, lá em 1988. O assassinato teve repercussão enorme à época, do tamanho do legado que ele nos deixou, porque havia mobilização e a opinião pública entendeu a importância da luta encampada por ele e seus companheiros. Hoje, passados tantos anos, a Amazônia continua sofrendo atentados no campo político e toda sorte de violência com o avanço das fronteiras, mas a execução de gente que adotou a mesma luta como Dorothy Stang, Zé Maria, Dezinho e tantos outros já não causa a mesma comoção. Temos que resgatar a história e a memória dessa gente”, defende Danicley de Aguiar, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil.
Vários pontos emblemáticos e de alta rotatividade em São Paulo como a Avenida Paulista, Teatro Municipal, Ponte Estaiada, Praça da Sé, Pátio do Colégio, cercanias de estações de metrô e centro velho, por exemplo, estampam agora a homenagem a Chico Mendes.
“A mensagem remete a uma tradição dos movimentos sociais no Brasil e na América Latina, a de relembrar seus mártires, sem permitir que suas lutas e legados caiam na vala comum do esquecimento. Chamando nome a nome, durante as mais importantes reuniões, é que os líderes atuais resgatam a história dos que se foram”, explica Danicley.
Além da mensagem e do rosto de Chico, os cartazes possuem ainda um código QR que pode ser reconhecido por câmeras de celular e conduz o internauta para uma página do Greenpeace com conteúdo específico sobre a vida e legado de Francisco Alves Mendes Filho. São entrevistas, vídeos e textos que relacionam a construção da Aliança dos povos da Floresta com a questão indígena atual, lembram a violência que persiste no campo, os embates pacíficos contra a derrubada da floresta e o avanço da agropecuária sobre territórios tradicionais de comunidades nativas.

Friday, December 20, 2013

Sempre Presente

Elas estão em todos os lugares: em locais públicos, dentro de recintos, em prédios abandonados (ou não) e até piscando do lado de fora de nossas casas. Elas são grandes, brilhantes... e feias! Estamos falando das propagandas que, muitas vezes, são também imorais.

Mas, nem todo mundo está disposto a aceitar passivamente esse bombardeio diário de propagandas. Convidamos todos os espíritos selvagens aí fora para se juntar a nós e manter viva a memória dos verdadeiros representantes da eterna luta por um Brasil mais livre e mais justo. Para marcarmos os 25 anos do assassinato de Chico Mendes, um dos grandes defensores da nossa maior riqueza, a Amazônia, propomos uma intervenção urbana para lembrar as pessoas que Chico Mendes estará sempre presente.
Para isso, disponibilizamos uma arte de lambe-lambe, um cartaz com conteúdo crítico a ser colado em espaços públicos. É uma forma de intervenção criativa e não-comercial na cidade, com o poder de despertar as pessoas para reflexões que em geral não estão presentes no nosso cotidiano. Vale ressaltar que lambe-lambe não é crime, mas é preciso cuidado com onde e como colar sua mensagem por aí.
Neste link disponibilizamos um guia rápido de como preparar seu lambe-lambe. Imprima a arte “Chico Mendes Sempre Presente”, reúna seus amigos e se manifeste artisticamente. Não se esqueça de fotografar seus lambe-lambes e espalhar pelas redes sociais usando a hashtag #SemprePresente. A mudança está nas mãos da sociedade civil.

Ano que passa, vida que segue

Entre retrocessos e avanços, divergência e união, veja os principais fatos que marcaram esse ano na ‘Retrospectiva 2013’
Foto: © Greenpeace / Robert Meyers 

O ano passou como um tufão. 2013 nos brindou com momentos gélidos e outros solares. Recarregados, colocamos nosso bloco na rua para lembrar as autoridades a que viemos. Da Amazônia ao Ártico, do asfalto quente da capital paulista às ladeiras estreitas de Vila Isabel, levamos a mensagem de que a receita para se construir um futuro mais justo e sustentável deve trazer a força revigorante dos jovens; a memória de luta social e ambiental daqueles que passaram, mas não se foram em vão; o esforço das florestas e seus guardiões, que tentam todos os dias se manter de pé; e as mudanças de paradigma necessárias para alcançar um modelo de desenvolvimento que atenda a todos e que evite as mudanças reais do clima, que chegam cada vez mais implacáveis e imponentes.
 
Cheio de altos e baixos, o ano trouxe um novo salto do desmatamento, mas coroou a conquista da sociedade nas ruas com a redução nas tarifas do transporte público. Em todas as manifestações públicas pacíficas de cobrança e participação civil, o Greenpeace se fez presente. Sozinhos ou acompanhados de multidões, não assistimos calados a mais demonstrações de grandes retrocessos por parte do governo. Protestamos ao ver o carvão retornar aos leilões de energia. E comemoramos a inesperada virada de mesa das renováveis, que se tornaram o grande trunfo dos consórcios geradores.
Na semana do índio, em abril, fizemos coro junto aos primeiros habitantes da Terra Brasilis, verdadeiros representantes brasileiros, e documentamos a vida e a luta de um dos povos mais ameaçados do mundo, os Awá-Guajá, em um dos últimos remanescentes florestais do Maranhão. Frente às ameaças iminentes da bancada ruralista no Congresso Nacional nos últimos meses, levantamos a bandeira indígena em Brasília durante a Mobilização Nacional, e marchamos contra a destruição da última frente de resistência às barragens nos caudalosos rios amazônicos, como o Tapajós.
Do outro lado do mundo, fixamos uma bandeira a 4 km da superfície marítima e, com assinaturas de mais de 2.5 milhões de pessoas, declaramos o Ártico um santuário global. Envergonhamos empresas multinacionais como a Shell, que fez diversas tentativas de emplacar seus planos para perfurar o mar do Polo Norte em busca do óleo negro. No Brasil, mostramos como a exploração de pré-sal pode se tornar um “caminho sem volta”, colocando o país no rol dos grande vilões do aquecimento do planeta. Além disso, lançamos uma ferramenta online para monitorar o nível de decadência das plataformas offshore que surpreendentemente ainda estão em operação.
Enquanto tudo isso era exposto, tivemos um dos nossos navios de campanha apreendido ilegalmente por protestar pela preservação de um dos mais importantes e vulneráveis ecossistemas terrestres. Vimos o ativismo pacífico ser criminalizado e taxado de pirataria e vandalismo. Seria um prato cheio para contradizer as autoridades responsáveis e atingir nossos objetivos de campanha se não tivéssemos 28 ativistas e dois jornalistas, incluindo a brasileira Ana Paula Maciel, presos sob o frio comando do governo Putin. Recebemos mensagens de solidariedade de milhares de pessoas em todo o mundo, além de autoridades de diferentes países. Com forte apoio político e repercussão na mídia, nossos ativistas conquistaram liberdade provisória e acabaram anistiados pelo governo russo por um crime que não cometeram.
Apesar dos alertas da comunidade científica internacional, os governos mundo afora continuam direcionando seus investimentos energéticos para o uso de combustíveis fósseis, maiores emissores de gases causadores do efeito estufa na atmosfera. A Polônia, anfitriã da 19a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-19), sediou, ao mesmo tempo, uma reunião das maiores empresas que dominam a indústria do carvão – e envergonhou sua população frente a representantes de todo o globo.
Contraditoriamente, como prova máxima de que as mudanças climáticas são reais e urgentes, enquanto os negociadores debatiam a portas fechadas os acordos ideiais para suas economias (mesmo que isso represente nada, na prática), a população da República das Filipinas vivenciava o maior tufão já registrado no país. Mas isso não foi o bastante e os resultados foram pífios, com algumas nações inclusive voltando atrás em seus compromissos.
O Brasil, por sua vez, segue financiando não só o petróleo do pré-sal, para o qual realiza leilões sem nem mesmo apresentar um plano de contingência minimamente aceitável, mas também resolveu investir no fraturamento hidráulico não convencional para exploração de gás de xisto sem que haja uma regulamentação adequada para o tema. Como se não bastasse, trata-se de uma atividade extremamente sensível, cuja tecnologia envolve graves riscos ambientais.
A Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), que deveria ter sido plenamente implementada como parte do compromisso internacional de redução de emissões, ainda peca nas ações previstas para os planos setoriais. Vemos o Brasil transferir sua curva de emissões, que caíram do desmatamento e uso do solo, para o setor de energia. E vemos também o governo de braços cruzados para o problema. Lançamos um balanço das ações da PNMC, para mostrar que seguimos de olho.
De olhos bem abertos para o futuro também estão os moradores do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Depois que o projeto Juventude Solar foi implantado, trazendo 20 painéis fotovoltaicos às casas para geração de energia, o sol passou a brilhar mais forte no morro que foi berço do sambista carioca Noel Rosa. Já na capital paulista, a campanha Cadê cobrou melhorias na mobilidade urbana, questionando os governantes sobre a falta de faixas de pedestre e políticas mais eficazes para meios de transporte alternativos, como ciclovias e linhas de metrô.
Pouco antes de se completar 25 anos da morte do líder seringueiro Chico Mendes, o símbolo da luta contra o apartheid, Nelson Mandela partiu desse mundo, deixando seus melhores ensinamentos. Durante os meses passados, o Greenpeace ficou sob novo comando, conquistamos um milhão de seguidores numa das redes sociais mais imporantes, o Facebook, e a Liga das Florestas, nossa plataforma online para coleta de assinaturas pela lei do Desmatamento Zero, adquiriu cara nova.
Muita coisa passou. Pessoas se foram, algumas entraram, outras tantas ficaram. Rindo ou chorando, freando ou seguindo, muitas vezes no atropelo – de direitos, de processos, do tempo –, o ano acabou deixando saudades. Ele se encerra com uma série de histórias para contar, mas muitas páginas em branco ainda por escrever. Assim, chamamos 2014! E que venha carregado de mais desafios, mais conquistas e, se couber na bagagem, mais vitórias.

As mortes anunciadas da Amazônia

Em Xapuri, no Acre, próximo ao local onde Chico Mendes foi assassinado (Eduardo Arraes) 

"Não resta a menor dúvida que nessa luta a gente tá convencido de que mais hoje ou mais amanhã algum companheiro vai perder a vida, alguém vai derramar sangue, porque nós estamos lutando contra um poderio econômico, o poder do latifúndio, no país do latifúndio", afirmou Chico Mendes, no documentário Chico Mendes, Um povo da floresta, de 1989.
Quando Chico proferiu essas palavras ele sabia que poderia estar entre as pessoas que iriam tombar na luta pela defesa da floresta e dos povos que vivem nela. Por seis vezes conseguiu escapar da morte anunciada. Inúmeras vezes ele mesmo denunciou seus algozes. Nada disso foi suficiente para impedir o seu assassinato, no dia 22 de dezembro de 1988, quando estava em casa com a família. Ao abrir a porta dos fundos, com a toalha nos ombros para ir tomar banho no chuveiro externo, Chico foi atingido por uma bala. Morreu na frente da mulher e dos filhos.
Em 1980, antes de Chico, outra liderança do Acre foi assassinada. Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia foi um pioneiro na luta pelos direitos dos seringueiros e povos da floresta. Assassinado na sede do sindicato.
Em 2005 a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada, aos 73 anos, com seis tiros, em Anapu, sudoeste do Pará. Lutava pela implantação de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável para aliar a agricultura familiar à preservação da floresta. Sabendo-se ameaçada, pouco antes de morrer declarou: "Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar".
Em 2011 foi a vez do casal de extrativistas José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados em Nova Ipixuna, sudeste do Pará, por denunciarem a ação de madeireiros, carvoeiros e grileiros no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira. Em 2010, numa palestra, Zé Claudio declarou: “A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a Irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu estou aqui conversando com vocês e daqui a um mês vocês podem saber a notícia que eu desapareci. Me perguntam: tenho medo? Tenho, sou ser humano, mas o meu medo não me cala”.
Histórias trágicas como essas continuam acontecendo num Brasil que se mostra orgulhoso de seu desempenho “moderno” no campo, mas nos bastidores se mantém inerte enquanto vê suas lideranças sendo assassinadas. Assim, o país vai anonimamente perdendo seus heróis, aqueles que estão na linha de frente na batalha contra o desmatamento, lutando por um interesse que é de toda a população.
Segundo o último caderno “Conflitos no Campo”, publicado anualmente pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), em 2012 a Amazônia registrou 489 conflitos no campo, 21 assassinatos e 229 pessoas ameaçadas de morte. 1 em cada 5 dos assassinados no campo em 2012 já havia recebido ameaças de morte. São pessoas que buscam uma realidade mais justa e sustentável numa terra que tem a falta de governança e a impunidade como marca.


A luta de Chico Mendes continua necessária. No Acre, por exemplo, o avanço dos madeireiros tem gerado inúmeros conflitos com as pessoas que vivem na floresta, como explica Darlene Braga, coordenadora da CPT no estado. A sede da CPT, órgão que atua junto aos trabalhadores no campo, foi invadida três vezes somente em janeiro de 2013, por grupos que deixaram recados em tom de ameaça nas paredes.
“Aqui no Acre é tudo em nome de Chico Mendes. Tem rua, restaurante, tudo. Estão usando a imagem dele, mas na verdade os ideais pelos quais Chico lutava ainda estão muito distantes, infelizmente”, afirma Darlene.

Thursday, December 19, 2013

Derretimento a olhos nus

Paredão de gelo instalado na av. Paulista, em São Paulo, fazia referência ao derretimento do Ártico. (©Greenpeace/Otavio Almeida) 

A avenida Paulista, cartão-postal de São Paulo, costuma ficar toda enfeitada nessa época do ano. Em contraste com a alta temperatura do verão brasileiro, neve artificial, pinheiros, renas e bonecos do Papai Noel anunciam a chegada de mais um Natal.
Foi nesse cenário que ontem o Greenpeace adicionou um item à decoração da avenida: um imenso paredão de gelo de 4x2 metros derreteu às vistas do público, mostrando que a terra do bom velhinho, o polo norte, vai desaparecer se não tomarmos uma atitude urgente.


Nos últimos 30 anos, o gelo Ártico do verão se reduziu em três quartos. Estudiosos preveem a possibilidade de, no verão de 2020, a extensão do gelo desaparecer completamente. Mas o que pode ser um problema para o restante do mundo é visto com bons olhos por algumas empresas petrolíferas, que terão os caminhos abertos para explorar com maior facilidade os cerca de 90 bilhões de barris de petróleo comprovadamente existentes, que suprem apenas três anos do consumo mundial do combustível. Tudo isso às custas do desaparecimento de todo um ecossistema, que será varrido do planeta.
Existem formas de se gerar energia de fontes renováveis, frear o aquecimento global e proteger o Ártico. Infelizmente, quem tenta mostrar essa segunda via ao mundo acaba sendo punido. Isso foi o que aconteceu com os 28 ativistas e dois jornalistas que foram presos na Rússia após protesto pacífico contra a exploração de petróleo na região. Foi por eles também que montamos essa instalação na avenida Paulista.
O Ártico pode estar a milhares de quilômetros de distância. Mas o que acontece lá, pode ter impactos aqui também. Por isso, neste Natal, nosso presente é sua sensibilização. Junte-se a nós na proteção desse ecossistema único.
*Fabiana Alves é da campanha de Clima e Energia do Greenpeace

Um elo de resistência na Amazônia brasileira

Dezenas de povos indígenas e tradicionais do Brasil se uniram na semana de Mobilização Nacional Indígena, realizada e Brasília no começo de outubro. É a atualização da Aliança dos Povos da Floresta, um dos legados de Chico Mendes (©Tico Fonseca/Greenpeace).
Há 25 anos, o Brasil perdia um dos maiores defensores de sua diversidade social e ambiental: Francisco Alves Mendes Filho foi assassinado covardemente em sua casa em Xapuri, no Acre, em 22 de dezembro de 1988. Chico Mendes, como é comumente conhecido, deixou um legado de sabedoria e persistência na luta pela preservação da floresta, que tem sido reproduzido por gerações no movimento socioambiental. Líder seringueiro e sindical, seu nome representa até hoje a resistência das comunidades que habitam a Amazônia ao avanço dos tratores que, no início dos anos 70, sob o comando do regime militar, atropelavam a mata e o que mais houvesse ao redor para trazer o suposto progresso àqueles rincões esquecidos.
Sua história se cruza com a de outras populações tradicionais amazônicas, como os ribeirinhos e povos indígenas, que também têm na floresta o seu sustento e fonte de sobrevivência. Com a chegada do ambicioso programa de obras e colonização do governo, estradas eram abertas no coração da floresta para dar passagem a novas frentes de “desenvolvimento” na Amazônia. Encobertos pela poeira e pelo rastro de destruição das maquinarias do Estado, as populações locais da região sentiram a necessidade urgente de unir forças para tentar salvar aquilo que lhes era mais precioso.
“Conheci o Chico quando ele estava peregrinando pelo mundo, indo pra fóruns fora do Brasil denunciar a destruição da Amazônia, as mazelas trazidas pela BR-163, insistindo que fossem criados mecanismos de consulta às comunidades, denunciando que tinham povos ainda em estado de isolamento, que seriam violentados e dizimados. Ele insistia que os povos da floresta precisavam ser ouvidos, não sublimados. Na época, as autoridades tratavam a Amazônia como se só houvesse floresta no caminho, sem seres humanos. Chico foi um pioneiro na Amazônia, antes dele não tinha ninguém levantando a bandeira dos direitos humanos relacionada à questão ambiental de maneira tão eficaz. A temática socioambiental se iniciou aí”, conta Ailton Krenak, ambientalista, líder indígena, ex-deputado federal e hoje coordenador da Rede Povos da Foresta.
À época, comunidades extrativistas, como os seringueiros do Acre e os castanheiros do Pará, enfrentaram inúmeros conflitos com grileiros, madeireiros e fazendeiros. Muitos perderam suas terras e pagaram com a própria vida o preço pela defesa da floresta. Foi na luta pela terra, pelos recursos naturais e seus usos diferenciados pelas comunidades tradicionais, que os povos da floresta foram se organizando e se aproximando.
“Ele tinha uma visão muito ampla do planeta como um todo. Ele pensava em organizar os trabalhadores e percebeu que, mais do que isso, era preciso criar relacionamentos entre diversas comunidades de forma a transcender os sindicatos e criar as redes. Muito antes disso virar moda hoje, ele já juntava índios, seringueiros, ribeirinhos, intelectuais, cientistas, pesquisadores e achava que essa gente toda tinha algo em comum. Eu tenho muita saudade do meu amigo Chico Mendes e de suas ideias geniais”, lembra Krenak, saudoso.
Em 1980 foi fundada, por um grupo de lideranças locais indígenas, a União das Nações Indígenas. Somando a experiência de dezenas de conflitos em todo o país, a então chamada UNI se articulou com outros setores da sociedade civil para dar visibilidade às lutas locais, antes invisíveis e extremamente desiguais. Teve importante participação no avanço dos direitos indígenas conquistados na Constituição de 1988, além de ter sido precursora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que hoje representa 165 povos indígenas e 75 organizações regionais.
Em outubro de 1985, os sindicatos de seringueiros do Acre convocaram o primeiro encontro nacional, em Brasília, reunindo representantes de comunidades extrativistas de cinco estados da Amazônia. Na ocasião, foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Dois anos depois, em 1987, Ailton Krenak, então coordenador da UNI, Jaime da Silva Araújo, o primeiro presidente do CNS, e Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, fizeram um evento público em São Paulo para discutir a proposta de criação da Aliança dos Povos da Floresta, enfocando os paralelos entre as diferentes experiências e lutas, e a importância de construir uma aliança efetiva.
Mas foi apenas depois da morte de Chico Mendes que a Aliança foi oficialmente lançada, durante o Primeiro Encontro Nacional dos Povos da Floresta e Segundo Encontro Nacional dos Seringueiros, em fevereiro de 1989, em Rio Branco, no Acre.
Índios e seringueiros souberam colocar seus antagonismos históricos de lado para lutar com eficiência contra as ameaças externas. Dessa forma, a Aliança ganhou força e deu respaldo a dezenas de colaborações em conflitos com grileiros e madeireiros. A partir dela foram criadas as primeiras Reservas Extrativistas, demarcadas muitas Terras Indígenas e instituído o Parque Nacional da Serra do Divisor. A Aliança também liderou a mobilização que resultou na criação do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), que atualmente conta com 623 organizações. Alguns dizem que ela foi desarticulada anos depois. Há quem discorde.
“Acho que a Aliança continua existindo até hoje. A Mobilização Nacional Indígena foi um exemplo concreto disso. Quando juntamos na mesma luta vários povos tradicionais, quilombolas, ribeirinhos; quando empatamos Belo Monte ou outros empreendimentos que assolam a vida das comunidades e a biodiversidade, isso é uma atualização constante da Aliança. As pessoas querem datar tudo, acham que a Aliança só existiu quando tínhamos escritório físico conjunto. Continuamos compartilhando agendas hoje, só que em outros campos, como nas redes sociais. Hoje as ações são feitas em territórios diferentes, novos. Enquanto houver gente reagindo à destruição da floresta, a Aliança estará viva”, conclui Krenak.
Um quarto de século depois, os movimentos socioambientais percebem a mesma necessidade de união, dada a constante e acirrada ameaça aos direitos eterritórios indígenas e de populações tradicionais vinda da parte mais atrasada do agronegócio brasileiro, e aos consequentes conflitos, violência e morte no campo.
O histórico da Aliança dos Povos da Floresta serve para mostrar que, quando o objetivo é comum, as desavenças se dissipam. Vivo fosse, Chico Mendes certamente não abandonaria seus companheiros de luta contra a afronta daqueles que dominam os latifúndios – muitas vezes improdutivos – no país e priorizam o lucro pessoal em detrimento ao bem maior da nação. Que os 25 anos sem Chico não nos deixe esquecer sua vida e seu legado, revigorem nossos ânimos e aumente a força da nossa resistência.

CNPE? O quê?

Nota endereçada ao ministro Edson Lobão, do Ministério de Minas e Energia, pedindo que as duas vagas destinadas à sociedade civil no Conselho fossem preenchidas. 

CNPE, Conselho Nacional de Política Energética. Poucos brasileiros já ouviram falar dessa sigla e ainda menos sabem o que ela significa. Mas não saber o que essa parte importante do Ministério de Minas e Energia faz não é a pior notícia. O que é realmente ruim é que há vagas previstas para um membro da sociedade civil e uma outra para um representante de universidade brasileira, e que no entanto, continuam vagas há anos.
Nesta terça-feira, 17 de dezembro, o CNPE se reuniu. E para mostrar o descontentamento com a falta de transparência neste órgão, 41 organizações, entre elas o Greenpeace, assinaram uma nota endereçada ao ministro Edson Lobão, do Ministério de Minas e Energia, pedindo que as duas vagas destinadas à sociedade civil fossem preenchidas.
Além disso, a nota questionou a forma como o Conselho orienta sua atuação. As diretrizes previstas na legislação brasileira mencionam a proteção ao meio ambiente, a identificação das soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica e o estabelecimento de programas específicos como para os biocombustíveis, a energia solar, a energia eólica e de outras fontes alternativas.
No entanto, o que se enxerga na atual política energética brasileira, estabelecida e operacionalizada pelo CNPE, é que este não considera as consequências sociais e ambientais dos projetos, conflitando com as próprias diretrizes estabelecidas na legislação.
“Queremos deixar claro que não é legítimo, nem lícito o que está acontecendo. O CNPE é uma instituição importante que toma decisões estratégicas sobre a política energética e, portanto, deve estar aberta ao diálogo”, afirmou Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.

Wednesday, December 18, 2013

Uma luta sem volta – 25 anos sem Chico Mendes

25 anos da morte de Chico Mendes. 

A partir de hoje e até domingo (22) – dia em que se completam exatos 25 anos da morte de Chico Mendes – o Greenpeace vai publicar uma série de textos lembrando algumas passagens marcantes da vida de um dos maiores heróis da Amazônia.
Francisco Alves Mendes Filho tinha todos os predicados para se tornar mais um relegado entre tantos outros habitantes da Amazônia brasileira. Esquecidos por sucessivos governos e acuados pelo regime militar, que na década de 70 só pensava em novas frentes de ‘desenvolvimento’ para a região, um grupo de cidadãos percebeu que era preciso agir contra o iminente cenário de conflitos por terra e recursos naturais que se desenhava.
Este grupo entendeu que era preciso uma articulação entre as milhares de comunidades da região, para que uma frente de resistência formada pelo povo da floresta tivesse alguma chance contra a verdadeira corrida colonialista instigada à época.
E Chico, por uma série de fatores que serão lembrados aqui e ao longo da semana, virou o ícone do que se tornaria a luta mais emblemática da história pela conservação da maior floresta tropical do planeta e seus povos nativos.
Filho de migrantes cearenses, analfabeto até os 19 anos de idade, começou a trabalhar ainda criança, acompanhando o pai pelos seringais amazônicos. A partir de 1.975, já sabendo ler, escrever e dono de uma oratória que fazia o mais desalmado dos jagunços parar e ouvir, passou a exercer posições centrais nos sindicatos locais e a articular com os diversos movimentos sociais que se estabeleciam à época, chamando a atenção das autoridades e incomodando aqueles com interesse político e econômico nas novas frentes de negócio que chegavam na região.
Junto com Wilson Pinheiro e vários outros aliados, travaram inúmeros empates – como ficaram conhecidos os atos de enfrentamento dos comunitários que se embrenhavam na floresta, desmontavam acampamentos de peões e se colocavam, com suas famílias, a frente dos tratores e motosserras que tinham por objetivo abrir espaço na mata para o avanço de um modelo de desenvolvimento baseado na destruição da floresta.
Wilsão foi morto com um tiro pelas costas, em 1980, justamente por ter liderado diversos empates contra criminosos da floresta. E Chico foi-se em 1988, aos 44 anos, vítima de uma emboscada, depois de inúmeros pronunciamentos públicos sob sua condição de jurado de morte ignorados pela imprensa, pelo governo e autoridades competentes.
Quatro décadas, mesmos problemas
 “É impressionante como essa situação pouco mudou. Os saques, a ilegalidade, essas coisas continuam com uma voracidade gigantesca em cima da floresta, por isso que a gente briga muito pelas reservas extrativistas”. As palavras são de Joaquim Belo, atual presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.
Para ele, o grande legado de Chico foi o ‘modelo de reforma diferenciada’ que possibilitou a criação das reservas. “Nossa conquista são os quase 40 milhões de hectares na forma de reservas e assentamentos extrativistas e de desenvolvimento sustentável. Esses territórios de uso coletivo são nossos lugares de moradia e produção acima de tudo, e esse legado é muito grande. Quando eu comecei a conhecer essa história e a aprender com essas pessoas, isso fez com que eu faça o que faço hoje com uma consciência aguçada do meu papel na defesa desse modo de vida, na conservação, no desenvolvimento sustentável, na manutenção do equilíbrio e da harmonia nos biomas brasileiros”.
Mas este legado está ameaçado - seja pela omissão do governo em promover o desenvolvimento desses territórios, seja pelo ataque orquestrado por parlamentares da bancada ruralista à legislação que rege essas áreas.
“A única esperança que a gente tem é a criação do território e hoje a dificuldade tem sido muito grande em novas criações porque a frente do agronegócio quer impedir a criação de reservas, desses nossos territórios a qualquer custo”, lamenta Joaquim.
Em auditoria recente realizada durante um ano, pelo Tribunal de Contas da União em parceria com os nove estados da Amazônia, foram revelados vários problemas de infraestrutura e gestão nas 247 unidades de conservação na região, que juntas somam 1,1 milhão de quilômetros quadrados. Mais da metade destas unidades não possui plano de manejo do território, por exemplo. E menos de dez por cento delas possui mais do que cinco funcionários, número baixíssimo se consideradas a extensão das unidades e a quantidade de gente morando e dependendo delas.
Esta situação de abandono explica a incidência de tamanha violência gerada pelos mesmos problemas de outrora – cooptação de lideranças, ameaças, execuções, invasão e roubo de recursos em parques nacionais, reservas e até mesmo terras indígenas.
“O mínimo que a gente pode ter é a garantia ao território. Assim temos garantia da preservação da vida. Isso porque, pela nossa história de luta, nunca ouvimos falar que mataram uma liderança dentro de uma reserva criada, geralmente matam em assentamentos, pois apesar da importância, se tornaram banais, e o respeito pelos assentamentos passou a ser mínimo. Já contra uma reserva é muito mais difícil atentar, fica um defunto mais caro pro crime. Por isso lamentamos tanto por não terem sido criadas novas reservas na Amazônia”, explica Joaquim.
O governo Dilma, apesar de não ter criado nenhuma reserva extrativista, prometeu distribuir mais 500 funcionários concursados entre as unidades ao longo de 2014. Enquanto isso, continua atropelando premissas da Constituição como a consulta prévia aos povos afetados por mega-obras de infraestrutura na região e privilegiando os grandes consórcios e interesses privados em detrimento do cidadão comum.
“Estamos passando por um momento crítico, que vai carecer do nosso papel como entidades mobilizadoras e de enfrentamento pra que o governo dê atenção as nossas pautas. Nós temos claro que o governo não vai frear esse modelo hegemônico que está sendo implantado, então o que nos cabe é mobilizar”, defende Joaquim Belo. Para tanto, é preciso articular – como Chico e Wilsão fizeram – entre todos os segmentos que adotaram para si a luta que eles iniciaram. Ambientalistas, ativistas, trabalhadores, índios, extrativistas, estudantes, cientistas, pesquisadores. Todos.
“Ou nos juntamos ou vamos sucumbir. O sistema, unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas, todos estão ameaçados. Então, não tem ninguém melhor do que ninguém neste momento e isso precisa ser compreendido por todos. Precisamos estar juntos para enfrentar esse projeto de grandes obras e investimentos na Amazônia que já plantou novos conflitos em diversas áreas e vai trazer mais e mais caos para todos nós”, conclui.

Anistia aos 30 do Ártico

Parlamento russo aprova anistia a condenados e acusados de vandalismo, o que beneficia os 30 do Ártico.

Presos após protesto pacífico, os 30 do Ártico conseguiram hoje anistia do parlamento russo (© Dmitri Sharomov/Greenpeace) 

 Os 28 ativistas do Greenpeace Internacional e dois jornalistas que enfrentaram dois meses de prisão na Rússia após protesto pacífico receberam com alívio a aprovação do parlamento do país de uma anistia que encerra as investigações de vandalismo. Por outro lado, o momento não permite celebração: “Não existe anistia para o Ártico”, declarou o grupo.
O decreto aprovado hoje anistia tanto as pessoas condenadas quanto acusadas de vandalismo, o que contempla do grupo dos 30 do Ártico. Agora, após os trâmites burocráticos, as 26 pessoas de nacionalidade não russa poderão voltar para casa.
“Estou aliviada, mas não celebrando. Fui acusada e permaneci dois meses presa por um crime que não cometi, o que é um absurdo. Mas finalmente parece que essa saga está chegando ao fim e em breve estaremos com nossas famílias”, disse a ativista brasileira Ana Paula Maciel. “Mas ainda penso em meus colegas russos que ficarão com a ficha suja em seu país por algo que eles não fizeram. Tudo isso porque eles lutaram pela proteção do Ártico.”
No momento, os 26 estrangeiros do grupo não possuem um visto de saída do território russo, uma vez que foram trazidos a força, após terem sido presos ilegalmente em águas internacionais por um protesto pacífico contra uma plataforma de petróleo no Ártico. Ao aceitar a anistia, o grupo não assume sua culpa, mas as investigações contra eles chegam ao fim.
O destino do navio Arctic Sunrise, entretanto, ainda é incerto. Atualmente, ele se encontra detido no porto da cidade de Murmansk (noroeste da Rússia), apesar de uma ordem do Tribunal Internacional do Mar para sua soltura.
A mobilização internacional pela libertação dos 30 do Ártico contou com mais de 860 protestos em 46 países e mais de 2,6 milhões de e-mails enviados para as embaixadas russas de todo o mundo – 230 mil apenas no Brasil. Artistas e políticos declararam seu apoio à campanha.
No Brasil, além do pronunciamento da presidenta Dilma, o presidente do Senado Renan Calheiros enviou um pedido oficial de libertação de Ana Paula Maciel ao parlamento russo e o próprio Congresso votou uma moção de apoio, que foi entregue ao embaixador russo no Brasil. Para ler mais sobre o apoio político ao caso no Brasil, clique aqui.
A campanha pela proteção do Ártico continua e você também pode participar. Acesse www.salveoartico.org.br e saiba como.

Instalação em SP mostra degelo do Ártico

Parede de gelo exposta na av. Paulista, em São Paulo, alerta para os perigos do derretimento do Ártico

Paredão de gelo de 4x2 metros montado na av. Paulista, em São Paulo, alerta para o iminente derretimento do Ártico. (©Otávio Almeida/Greenpeace) 

 Em plena Avenida Paulista com a Alameda Rio Claro uma instalação de gelo de dois metros de altura por três de comprimento traz ao público uma experiência visual de derretimento de gelo, fazendo referência à região ártica. Dentro do enorme bloco de gelo, uma alegoria de um urso polar reproduz de forma plástica um alerta: o derretimento do Ártico já é uma realidade e a exploração de petróleo na região poderá agravar ainda mais o que já não vai nada bem. A mensagem “Não deixe o seu futuro derreter”, aplicada na estrutura, busca personificar nos cidadãos os impactos da destruição do Ártico, uma vez que seus efeitos serão globais.
A expansão de grandes empresas petrolíferas na região é cada dia mais evidente e os riscos de exploração econômica no frágil ecossistema do Ártico já demostram seus primeiros efeitos: cientistas alertam que o gelo do Polo Norte nunca esteve tão escasso. “As pessoas não percebem que a extinção do Ártico significa a perda de mais um ecossistema na terra. Vidas animais e humanas serão diretamente prejudicadas pela ação irresponsável do homem em busca do lucro”, afirma Fabiana Alves, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace.

No dia 19 de setembro um grupo de 28 ativistas do Greenpeace e dois jornalistas foram presos na Rússia, suspeitos de vandalismo e pirataria. A acusação veio depois de um protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico em uma plataforma da Gazprom. Entre eles estava a bióloga brasileira Ana Paula Maciel. Hoje, o parlamento russo votou pela anistia dos 30, colocando um fim no processo de investigação e na acusação de vandalismo. Os ativistas poderão voltar para seus países de origem assim que um visto for concedido a eles.
No Brasil e por todo o mundo, milhares de pessoas se manifestarem em apoio aos ativistas. Após 60 dias, a justiça russa concedeu o direito de resposta ao processo em liberdade, sob fiança. Para além da retirada das acusações e direito ao protesto pacífico, o Greenpeace pede proteção ao Ártico, defendendo a criação de um santuário que transforme toda a região em áreas unicamente destinadas à pesquisa e preservação. Dessa forma, ficaria garantida a manutenção desse sistema frágil e único, valorizando não só fauna e flora, mas também a existência de povos locais e de seus costumes.