Novo diretor-executivo do Greenpeace Brasil, o antropólogo e jornalista
Fernando Rossetti vê necessidade de reposicionar debate ambiental a
partir dos novos movimentos de rua
De criança, sua família se exilou no Reino Unido por conta da
ditadura militar. Já adolescente, acompanhou com entusiasmo o movimento
de redemocratização do Brasil. Com tanto estímulo e debate político a
seu redor, as Ciências Sociais foram sua escolha natural. E o
jornalismo, uma forma de colocar seus conhecimentos em prática. Repórter
de educação da Folha de S.Paulo por dez anos, co-fundador da ONG
Aprendiz, Fernando Rossetti, 51, decidiu encarar o
movimento ambiental e se candidatar ao cargo de diretor-executivo do
Greenpeace Brasil – tudo com o apoio e torcida de suas duas filhas.
Agora, a frente de uma das mais influentes ONGs ambientais do país, seu
desafio será repensar a representatividade do Greenpeace diante dos
novos movimentos que vem surgindo das ruas e ampliar o diálogo com a
sociedade. Confira a entrevista:
Greenpeace - O que te interessa em particular no Greenpeace?
Fernando Rossetti – O nome da organização já diz
tudo: verde e paz. A causa do Greenpeace é o que mais interessa. Hoje em
dia, é impensável uma sociedade que não busque práticas mais
sustentáveis de uso de energia, de consumo, de produção, de organização
das cidades. Outra questão que atrai muito no Greenpeace é a sua
independência. Graças aos colaboradores, não temos rabo preso e podemos
afrontar certos interesses econômicos que se chocam com o meio ambiente.
É uma organização muito especial e não sou apenas eu quem acha. A
juventude também acha. Minhas filhas ficaram muito animadas com a
possibilidade de eu trabalhar com o Greenpeace.
G – Quais serão seus desafios a frente do escritório brasileiro?
FR – Vejo dois desafios principais. Em primeiro
lugar, o movimento ambiental está em transição. As questões ambientais
são globais. O que afeta o Brasil, afeta o mundo todo. Então, é preciso
rever o movimento ambiental por essa perspectiva e por como isso se
relaciona com a economia. A segunda questão ficou clara nos recentes
movimentos de rua: as pessoas não se sentem representadas pelas
organizações, seja pelo Poder Executivo ou Legislativo, pelos partidos
políticos, pelos sindicatos, mas também pelas organizações da sociedade
civil. Qual é nosso papel nisso? Temos o desafio de repensar as
organizações dentro de um cenário em que os jovens estão conectados por
redes sociais, em que a sociabilidade acontece de maneira diferente e os
espaços são ocupados de maneiras diferentes. Teremos que repensar todas
as organizações, inclusive as ONGs.
G – Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace
Internacional veio do movimento social da África. Não é uma pessoa com
uma história no movimento ambiental. Você também tem uma experiência de
trabalho mais ligada à educação. Seriam esses dois indicativos de que a
organização busca novos caminhos e tenta ampliar sua pauta?
FR – Qual é a pauta ambiental e como reposicionar
essa pauta? E como repensar as organizações? Sou um gestor de
organizações sociais e, como tal, minha função é repensar isso tudo. Me
sinto muito desafiado e animado para, junto de outras organizações,
construir um mundo mais sustentável e dialogar com movimentos como os
que estamos vendo no Brasil, na Turquia... Quero dizer que a juventude
está indo às ruas e não se sente representada pelas organizações da
sociedade. Acho que existe uma oportunidade de fazer o Greenpeace
crescer e se integrar melhor com outros movimentos.
G – Isso pode representar uma mudança de pauta para o Greenpeace?
FR – Não vejo uma mudança, mas uma atualização da
agenda para um contexto novo, em que todos ainda estamos aprendendo. O
mundo mudou e, talvez, estejamos precisando de uma reflexão de base para
atualizar a organização. De qualquer maneira, continuamos sendo
Greenpeace. Nossa forma de atuação não muda.
G –Você vê possibilidade de ampliar a pauta de trabalho do Greenpeace para além das campanhas Amazônia e Clima e Energia?
FR – Acabo de chegar na organização e não trago uma
agenda de mudanças. O Greenpeace está em um processo de planejamento
para os próximos três anos e sei que temos em nossos quadros alguns dos
melhores profissionais da área ambiental. Meu papel, então, é escutar
essas pessoas e decidir juntos qual agenda é prioritária para o país e
para o mundo.
G – Os brasileiros estão preparados para apoiar uma
organização como o Greenpeace com a mesma força que vemos em países da
Europa?
FR – Claro, e temos demonstrado isso. É verdade que
existem desafios na cultura de doação em nosso país. O Brasil, afinal, é
um dos países que mais concentra renda no mundo. Mas tem muita gente
que já doa e participa desta causa. Como o Greenpeace é uma organização
com reputação, que sempre cuidou muito de sua independência e de suas
posições, isso gera confiança para as pessoas doarem.
G – Como você analisa o debate atual sobre meio ambiente?
FR – A questão ambiental é emergencial e as pessoas
começam a entender isso. Mesmo países mais resistentes, como os Estados
Unidos, estão começando a mudar de direção. Por outro lado, é aquela
comparação entre o copo meio cheio ou meio vazio. Algumas coisas
avançaram, outras não. No Brasil, o desmatamento diminuiu, mas tivemos a
derrota do Código Florestal, o que gera certo desânimo. Mais uma vez,
houve um descolamento entre a tomada de consciência da sociedade e a
representação política, que foi no sentido oposto. Avançamos em uma
série de questões, mas os desafios ainda são enormes.
G – Como o Greenpeace pode ajudar na discussão sobre o “copo meio vazio”?
FR – O Greenpeace contribui de várias maneiras,
atuando na produção de conhecimento, no controle social, mobilizando as
pessoas, levando a pauta ambiental para o Legislativo. Junto com
importantes organizações que trabalham o meio ambiente no Brasil, o
papel do Greenpeace é terminar de encher o copo.
G – Em que ponto sua experiência com educação converge com meio ambiente?
FR – O modelo de educação da era industrial, que
parece uma linha de montagem, não dá conta da realidade atual. Pensar a
educação no século XXI é pensar como acontece a aprendizagem, o dar
significado à vida das pessoas. Essa bagagem que eu tenho ajuda em
qualquer área. Precisamos repensar a maneira como a sociedade transmite
conhecimento no contexto da comunicação que estamos vivendo. O movimento
ambiental, as ONGs e as empresas estão se colocando questões
semelhantes.
G – Como diretor do GIFE [Grupo de Institutos Fundações e
Empresas, sua experiência anterior], você trabalhava diretamente com
empresas. No Greenpeace, a relação com as empresas é de independência.
Como é para você essa mudança de “modus operandi”?
FR – Meu objetivo profissional sempre foi o de
buscar um país e uma sociedade mais justos. Para isso, há diferentes
maneiras de contribuir. O GIFE trabalha a necessidade de autorregulação e
de mudanças de cultura das empresas. Já o Greenpeace atua no controle
social e no confronto pacífico para alcançar a transformação. Eu não
vejo uma coisa oposta à outra. Minha experiência com empresas me
habilita a sentar na mesa de negociação e a identificar com clareza o
que é retórica e o que é prática sustentável.
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