Mais de quarenta representantes de oito povos indígenas
discutiram como suas vidas já são drasticamente impactadas pelo
superaquecimento do clima
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As
severas alterações ocorrem em diversos aspectos da vida: na produção de
alimentos, na saúde, na cultura, no modo de vida… © Jacilda Guajajara
O aumento da “quentura”, o desaparecimento de animais e de diversas
frutas nativas, a perda de roças inteiras, a eclosão de doenças
não-comuns, a alta incidência de incêndios e as mudanças no seus modos
de vida tradicional são algumas das alterações que 44 mulheres indígenas
de cinco povos do Maranhão (Krikati, Awá, Gavião, Ka´apor e Guajajara),
um do Pará (Tembé), um do Tocantins (Krahô) e um de Roraima (Macuxi)
afirmam já impactar severamente o dia-a-dia de suas comunidades.
Reunidas em Carolina (MA), entre os dias 12 e 14 de junho, para a
realização da oficina intitulada “Mulheres indígenas e o impacto das
Mudanças Climáticas”, elas se debruçaram sobre temas ainda não muito
conhecidos, como desenvolvimento econômico, globalização e economia
verde. Jovens ou anciãs, muitas delas participavam pela primeira vez de
um evento como aquele e a timidez de falar em público ou para driblar as
dificuldades de falar na língua do “caraí” (não indígena) eram
explícitas.
Com a presença de muitas crianças e bebês – o que, certamente, não
ocorreria em uma reunião de lideranças masculinas –, o encontro foi
marcado pela diversidade também em relação ao tempo de contato com a
sociedade não indígena. O povo Awá, por exemplo, é de recente contato,
de cerca de 40 anos; enquanto o povo Guajajara já está em contato com a
nossa sociedade há mais de 400 anos.
Elas compartilharam diversas vivências, como o trabalho de
sensibilização realizado no entorno de alguns territórios para que a
vida da floresta seja respeitada e o apoio aos maridos no monitoramento
dos territórios – os Guardiões da Floresta. Também demonstraram suas
preocupações com a finitude dos bens naturais e a necessidade de
valorização da cultura (língua, danças, rituais, modo de vida) e,
especialmente, das anciãs e anciãos.
Para além dos problemas e desafios, as participantes focaram bastante
energia em soluções (que muitas vezes já empregam em seus territórios),
como o reflorestamento, a manutenção de viveiros com sementes nativas e
plantas medicinais, a criação de abelhas, a produção de mel, a
agroecologia, as trocas de sementes, a revitalização de rios e
nascentes, as brigadas contra incêndio, o cuidado com a espiritualidade e
os seus Encantados e, claro, a contínua e permanente proteção da
Mãe-Terra, suas águas e matas.
Abaixo, seguem os incríveis testemunhos de sete destas “guerreiras”:
Acari Awá-Guajá, Terra Indígena Alto Turiaçu
“É
importante a gente repassar os conhecimentos que a gente aprende para
as nossas parentes, porque nem sempre nós, mulheres, temos esta
oportunidade, esta autonomia de sair da aldeia e participar de
discussões como essa. As mulheres têm seu próprio conhecimento e elas
também nasceram pra lutar. Então, é preciso que a gente esteja junto
com os homens, defendendo nossa cultura, que está ameaçada. O jabuti,
por exemplo, tá em extinção. O mutum também. Raramente a gente vê estes
bichos. E isso é muito triste. No ano passado, fizemos uma roça de
mandioca. Mas foi um ano perdido porque o inverno foi muito longo e
perdemos a colheita toda. Por isso é importante respeitar os territórios
indígenas, porque a gente preserva a terra e a água”.
Edilena Krikati, Terra Indígena Krikati, Conselheira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
“Nós,
mulheres, somos as primeiras a sentir e observar os impactos e as
mudanças relacionadas ao clima no nosso cotidiano porque temos uma
relação especial com a natureza e o território. Somos nós também que
guardamos as sementes e passamos estes e outros conhecimentos para as
novas gerações. Inclusive os diferentes modos de fazer a proteção
territorial. A gente precisa se adaptar mais à natureza e não intervir
tanto, fazendo grandes desmatamentos, mudando as paisagens, construindo
barragens, estradas. E não percebemos o quanto isso é ruim pra nossa
própria existência. Nós, indígenas, tiramos da natureza tudo o que
precisamos pra comer, pra viver e pra estar lá. Se isso faltar, a gente
passa a não existir mais porque a nossa relação é um todo, não é em
partes. Nós somos só um, que estamos lá naquele conjunto maior. Não
estamos fora da natureza”.
Maria Betânia Mota de Jesus Macuxi, Terra
Indígena Aningal (RR), Secretária Geral do Movimento de Mulheres do
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
“São
muitos os impactos que a gente sente nas aldeias devido ao avanço das
mudanças climáticas. Hoje, não tem mais peixe suficiente nos rios pro
consumo do povo indígena. A gente não sabe mais quando começa e nem
quando termina o inverno. As enchentes que acontecem agora não eram tão
comuns antes. As nossas plantações não são mais abundantes como eram. O
garimpo ilegal nos Yanomami, por exemplo, já contaminou muitos indígenas
com mercúrio… E tudo isso nos deixa muito tristes porque nós cuidamos e
protegemos nossos territórios. Não só pra nós, mas pra todos os
brasileiros. Estamos estudando e cada vez mais entendendo as causas das
mudanças climáticas, como os combustíveis fósseis, a pecuária, o
desmatamento, a mineração, as hidrelétricas. Todas as graves alterações
no clima são causadas pelas ações humanas. Todo este desequilíbrio.
Seria importante que estas pessoas que estão destruindo a natureza, se
sensibilizassem, de verdade, porque não podemos viver sem a natureza”.
Maria Helena Gavião, Terra Indígena Governador, coordenadora da Amima (Articulação de Mulheres Indígenas do Maranhão)
“As
mulheres sentem muito mais as mudanças climáticas, na aldeia, na roça. E
tudo tem mudado muito rapidamente. Antes, em abril, já tinha passado a
chuva. Hoje, chove até julho. Não sabemos mais quando vai começar nem
quando vai parar de chover. A gente fica perdido. Não sabe quando deve
começar a fazer a roça. E quando a gente fala de clima, a gente fala de
proteção do território, a gente fala de Bem Viver. Tá tudo interligado.
Quando a gente tá no mato, a gente sente a energia da mata, da floresta.
É muito forte e muito bom. Por isso que a gente tem que preservar. Sem
esse conhecimento a gente não vive. E isso é passado de geração pra
geração. Sem floresta, a gente não tem vida. É nossa casa, nossa
história, nossa origem… Tudo depende da floresta. Os não indígenas não
têm esta ligação com a natureza. Acham que o capitalismo, os
empreendimentos, o dinheiro é vida. Mas não é! Sem água, como vamos
viver? E o que é mais vital, tá tudo sendo ameaçado, destruído, todo
dia”.
Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
“As
mudanças climáticas são como um anúncio de um período ainda mais
drástico, com secas e enchentes, alterações severas que exigem conversas
e cuidados de nós, mulheres, pra lidar com estes danos. E as mudanças
climáticas são causadas pela ação das pessoas e por este plano de
progresso, que dizem que é um progresso econômico, mas é um grande
regresso em relação aos direitos humanos, à proteção ambiental e,
principalmente, à nossa própria existência e modo de vida. É claro que
as políticas públicas que não protegem e não respeitam o meio ambiente,
que só priorizam o viés econômico e o lucro, vão aumentar cada vez mais
as mudanças climáticas, e causar mais destruição e desmatamento. O atual
governo Bolsonaro é totalmente alinhado com o que aumenta as mudanças
climáticas, como as mineradoras, a indústria madeireira, as
monoculturas, o agronegócio. Por isso lutamos contra este modelo de
destruição, que se baseia na exploração dos recursos naturais. No
Brasil, a maior causa das mudanças climáticas é o desmatamento e a
degradação ambiental, que inclui os incêndios. Precisamos pressionar o
governo para fazer políticas que protegem o meio ambiente, o que não
acontece hoje. Por isso temos uma guerra, uma briga grande aí, e estamos
na mira dos assassinatos, das ameaças, da criminalização, porque
estamos lutando com forças poderosas econômicas e políticas”.
Suluene Guajajara, Terra Indígena Arariboia, integrante da Coordenação e Organização dos Povos Indígenas no Maranhão (Coapima)
“Estamos
mostrando o nosso olhar sobre como as mudanças climáticas impactam
diretamente nossa aldeia, na saúde, na cultura e na produção. Isso
reflete também em mudanças no nosso modo de vida. Tivemos um incêndio
muito grande na TI Arariboia, que destruiu mais de 60% da floresta, em
2015. De lá pra cá todo ano acontece incêndio. Isso leva nossas caças,
nossos pássaros, e quando vamos fazer a Festa da Menina Moça, já não
encontramos mais as caças que precisamos pra realizar a festa. E por que
o incêndio entrou? Porque houve desmatamento, teve exploração de
madeira. Isso impacta nossa cultura. Nossas roças também não produzem
como antes porque a terra tá queimada, o solo não produz. E o calor… a
gente sente que o sol tá muito mais próximo de nós que antes. Nossos
rios estão secando. O não indígena fez carvoaria na nascente do Rio
Buruticupu e ele tá muito fraco agora. E, pra nós, o rio é sagrado. Não é
só pra beber que a gente pega água, não é só pra pescar. Ali vive outro
povo, Encantado, que depende de nós. O nosso contato com o povo
Encantado depende da água. E não queremos perder o que a gente tem de
sagrado. Com a diminuição da produção na roça, a comunidade tem que
comprar alimentos industrializados na cidade. Hoje temos muito mais
hipertensos, temos problemas cardíacos, muitos casos de diabete. São
doenças não tratadas por nós, causadas pelos alimentos industrializados e
pelo contato direto com o mundo externo. Tem doenças que o pajé cura,
mas câncer o pajé não cura”.
Valdilene Alves Tembé Ka´apor, Terra Indígena Alto Turiaçu
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“Esta é a primeira vez que participo de um debate como este, que é
importante pra toda a nossa comunidade. A gente tem até vergonha de
falar na frente de todo mundo, mas é assim que começa. Porque acredito
que nós, mulheres, temos que participar da luta pelo território, porque
ele está em perigo com o desmatamento, que tem avançado muito. A gente,
lá na aldeia, não tem mais bacuri nas nossas terras, e nem outros
frutos. Os brancos destruíram tudo pra fazer estrada. Mas não vamos mais
deixar acontecer isso”.
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