Carta entregue terça-feira alerta para a criminalização dos movimentos sociais no Brasil
Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace Internacional. (© Bodo Marks / Greenpeace)
Um dos representantes da luta contra o apartheid na África do Sul,
Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional, enviou uma
carta à presidenta Dilma Rousseff chamando atenção para a abordagem do
governo em relação aos protestos que vêm tomando cada vez mais corpo no
Brasil.
Durante sua viagem ao Brasil, no início do mês, Naidoo encontrou-se
com representantes da Conectas, Artigo 19 e Anistia Internacional. Todos
demonstraram preocupação com o contexto político atual do país, e por
isso viu-se a necessidade de lembrar o governo que os direitos básicos
dos cidadãos precisam ser respeitados.
A carta lembra a presidenta dos anos de ditadura, um regime opressor
que acabou com o direito fundamental de muitos e por isso combatido com
energia por pessoas como a própria Dilma. Naidoo se mostra preocupado
com o contexto político atual do País, que tende para a repressão de
movimentos populares por meio de leis antidemocráticas que tramitam no
congresso nacional.
“O fato de que muitas pessoas em todo o mundo ainda vivem em pobreza
extrema e sem acesso a serviços básicos - como transporte, saneamento,
saúde e educação - só agrava a sensação de que as pessoas não são
devidamente representadas pelas instituições oficiais”, escreve Naidoo.
Para ele, o governo não deveria se sentir ameaçado quando o povo vai
para rua. Deveria, por outro lado, respeitar e ouvir a voz da sociedade,
e não tentar calá-la. “De fato, esses projetos de lei parecem servir
apenas ao propósito de enfraquecer a intensidade dos protestos populares
às vésperas da Copa do Mundo”, acrescenta.
No fim, pede à presidenta que receba as manifestações populares como
uma chance de construir uma sociedade mais justa e igualitária para os
brasileiros, ressaltando que toda e qualquer tentativa de silenciar as
“vozes da mudança” vindas da rua deve ser abandonada.
Leia a carta na íntegra:
Exma. Sra. Presidenta,
A luta pela democracia marcou a história do Brasil profundamente.
Por mais de 20 anos, brasileiros e brasileiras viveram sob a sombra da
ditadura, um regime repressor que encolheu direitos democráticos
fundamentais - como o direito à organização, ao protesto e à liberdade
de expressão. Apesar das forças estatais terem sido fortemente usadas
para silenciar os que eram contra o regime, isso não impediu que as
pessoas lutassem por seus direitos - pessoas como a senhora, Presidenta.
Eu fiz o mesmo na África do Sul lutando contra o apartheid e leis
antidemocráticas.
Muitas coisas mudaram de lá pra cá e o Brasil agora é uma
democracia. Mas depois de minha recente viagem ao país, gostaria de
alertá-la para algumas coisas que estão acontecendo e que me preocupam,
porque colocam a democracia brasileira em risco e ameaçam enfraquecer
direitos fundamentais de todos os cidadãos.
Assim como vi em muitos lugares ao redor do mundo, as pessoas
estão revoltadas com o aumento da corrupção e da impunidade, e com a
falta de ação sobre problemas sociais e ambientais. Conflitos no campo
vêm sendo agravados por ataques constantes aos direitos indígenas e aos
movimentos de pequenos agricultores em nome de poderosos interesses
econômicos. Além disso, o fato de que muitas pessoas em todo o mundo
ainda vivem em pobreza extrema e sem acesso a serviços básicos - como
transporte, saneamento, saúde e educação - só agrava a sensação de que
as pessoas não são devidamente representadas pelas instituições
oficiais.
Essas são as forças por trás dos protestos que estão acontecendo
em todo o planeta - Egito, Grécia, Turquia e também no Brasil - e que
são parte fundamental de qualquer sociedade verdadeiramente democrática.
Quando as pessoas se reúnem para dizer a seus governos que elas querem
que eles ajam e mudem, os governos não deveriam se sentir ameaçados.
Pelo contrário, eles deveriam permitir que as vozes da mudança fossem
ouvidas e respeitadas
Mas o que vemos pelo mundo são governos usando mais e mais formas
de repressão para silenciar protestos pacíficos. Infelizmente, isso
pode ser visto em muitas ruas do Brasil hoje em dia - levando a mais
protestos e criando um certo grau de violência durante as manifestações.
Eu compreendo a revolta legítima que as pessoas sentem a respeito
da repressão policial e do abuso de poder. Também estou ciente que
muitos governos sob pressão tentam desmobilizar protestos pacíficos
autênticos pelo uso da força. Já vi isso acontecer em muitos lugares
como uma tentativa de fazer com que nossas causas pareçam ilegítimas
quando o problema real é que os governos não sabem como lidar com
manifestações de massa.
Diversas organizações de direitos humanos trabalhando no Brasil -
incluindo Anistia Internacional, Conectas e Artigo 19 - demonstraram
grande preocupação com a escalada de violência nas ruas e como isso tem
sido usado para criminalizar movimentos sociais. Temos acompanhado com
preocupação a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional que
restringem os direitos democráticos brasileiros. De fato, esses projetos
de lei parecem servir apenas ao propósito de enfraquecer a intensidade
dos protestos populares às vésperas da Copa do Mundo.
Devo dizer, Sra. Presidenta, que a violência não nos ajuda. Em
tempos como este, não temos escolha a não ser agir ainda mais
pacificamente, ser mais confrontativos e defender nossa democracia e
todos os valores que nos são caros: o direito ao protesto, o direito à
livre associação e organização, a liberdade de expressão.
Por isso eu peço, Sra. Presidenta: receba e acolha os protestos
no Brasil como uma oportunidade para construir uma sociedade mais justa,
diversa e livre, e olhe para os manifestantes como aqueles que estão
dispostos a ajudar o governo a construir esse novo caminho. Refute e
lute contra qualquer tentativa de silenciar as vozes de mudança vindas
das ruas - pelo contrário, faça tudo o que estiver a seu alcance para
garantir um ambiente democrático que permita participação pública ampla
nas decisões políticas do Brasil.
Com respeito e amor,
Kumi Naidoo
Diretor Executivo
Greenpeace Internacional
Veja a mensagem de Kumi Naidoo aos brasileiros:
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