A minissérie da HBO, que trata do pior acidente nuclear da história, conquistou o primeiro lugar entre os 250 melhores programas de TV no IMDB, o Internet Movie Database, maior base de dados da web sobre cinema e programas de televisão. A série encerrou em seu quinto capítulo, mas as consequências reais desse desastre ainda afetam muitos outros personagens, décadas depois.
Chernobyl, uma mistura de documentário e ficção baseada em fatos reais, teve um cuidado minucioso com detalhes que vão das roupas que as pessoas usavam na época aos sinais de trânsito e meios de transporte autênticos, passando pela reprodução de ações que mostram o sacrifício de voluntários para impedir que a catástrofe fosse ainda pior e pelo recorte da total incompreensão dos moradores locais diante da intensidade do acidente.
Para muitos, a catástrofe não foi uma apenas uma história, mas uma realidade com efeitos que são sentidos até hoje.
Quase 350.000 habitantes foram retirados do local após o acidente. Hoje, 30 anos depois, mais de 5 milhões de pessoas ainda vivem em áreas oficialmente consideradas contaminadas pela radiação. Segundo estimativas conservadoras da Organização Mundial da Saúde, os efeitos de Chernobyl podem causar ainda mais 9.000 mortes. Dez reatores do mesmo tipo usados em Chernobyl ainda estão em operação na Rússia.
É difícil afirmar com precisão todo o impacto gerado por Chernobyl no que diz respeito à perda de vida, principalmente por conta da imprecisão de dados relacionados às consequências da exposição interna à radiação. A exposição interna é o que entra no corpo pela alimentação ou pela respiração e é uma informação muito mais difícil de ser rastreada do que a exposição externa. Uma única partícula de material radioativo pode permanecer dentro de um pulmão por tempo indeterminado e causar sérios riscos à saúde.
De acordo com uma pesquisa do Greenpeace, o número de mortes por câncer causadas por Chernobyl está próximo de 100 mil. Embora a origem do câncer possa ter diversas causas além da radiação, estimativas científicas apontam que essas causas foram desencadeadas, disseminadas e exacerbadas pela radiação do acidente. E o fato de pessoas ainda viverem em áreas contaminadas, recebendo doses diárias de contaminação, o número de mortes continuará aumentando.
Cabe então a pergunta: por que ainda estamos comendo cogumelos e frutas vermelhas contaminados com radiação e construindo novas usinas nucleares?
Em 2016, eu estive em Novozybkov, uma cidade no sul da Rússia impactada pela contaminação. Logo após o desastre, os moradores estavam para ser transferidos, mas no começo dos anos 1990 – com a crise econômica – os planos para a cidade foram limitados às ações de descontaminação. O Greenpeace coletou amostras de Novozybkov e de outras vilas da região de Bryansk.
Nós nos encontramos com Victor Alekseivich Khanaev, um cirurgião do hospital central da região de Novozybkov, que nos disse: “No início, logo após o acidente, as pessoas estavam assustadas e com medo, e aí seguiam o que médicos e autoridades recomendavam. Mas o medo uma hora desaparece, ele não dura para sempre. E depois de um tempo, passou a ser impossível para os moradores locais abrirem mão do que cultivavam em seus jardins – especialmente quando a situação financeira mal cobria os custos básicos para prover o próprio sustento”.
As pessoas rapidamente voltaram a colher cogumelos e frutas vermelhas na floresta, a manter o gado, e tudo continuava contaminado pela radiação. E o mais alarmante é que os produtos provenientes dessas atividades – frutas vermelhas e cogumelos de Chernobyl – são vendidos para outras regiões; ninguém está imune a produtos radioativos entrando em suas casas.
“Energia nuclear segura, gerada por reatores refrigerados a água, simplesmente não pode ser criada”, escreveu o acadêmico Valery Subbotin, no início dos anos 1990.
É difícil imaginar qualquer outro setor da atividade humana em que um erro possa ter consequências tão extensas e duradouras. O alto preço da energia atômica não é pago pelos governos, nem pelas empresas, mas sim por pessoas comuns, que pagam esse custo geração após geração.
Rashid Alimov é ativista do Greenpeace na Rússia
Texto traduzido para o inglês por Nicholas Hyder
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