Em decisão liminar, STF suspende a publicação da nova “Lista Suja” do
Trabalho Escravo, deixando trabalhadores e o mercado vulneráveis a
empresas infratoras.
Em setembro do ano passado 31 trabalhadores que atuavam em
condição
análoga a da escravidão foram resgatados em uma
carvoaria na região de
Rondon do Pará, a 150 km de Marabá.
(Divulgação MPT/AM)
A publicação da nova versão da “Lista Suja” do Trabalho Escravo, do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que deveria acontecer no último
dia 30, foi suspensa graças a uma ação movida pela Associação Brasileira
de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto ao Supremo Tribunal
Federal (STF). A decisão liminar foi expedida pelo ministro Ricardo
Lewandowski, em caráter emergencial, durante o recesso de Natal. Com
isso, empresas e instituições financeiras que utilizam a ferramenta para
eliminar o trabalho escravo de seus negócios ficam descobertas até que o
STF julgue em definitivo o processo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5209 (Adin 5209)
foi protocolada no STF em 22 de dezembro de 2014. Mesmo com o recesso
de Natal, em apenas cinco dias (27), o ministro Lewandowski deferiu uma
liminar determinando a suspensão da publicação do cadastro. Com a
decisão, as portarias interministeriais que regulamentam o processo de
inclusão dos nomes e de divulgação da lista, ficam suspensas. A decisão
tem caráter provisório e pode ser derrubada caso a decisão definitiva do
STF seja desfavorável à ação ou se a liminar for cassada até lá. O
tribunal só retornará do recesso em fevereiro.
“É inadimissível que no início de um novo ano tenhamos que lidar com
uma decisão que representa tudo que há de mais velho e horrível na
história do Brasil”, classifica Rômulo Batista, da campanha da Amazônia
do Greenpeace.
A última lista, publicada em julho de 2014, continha 609 nomes de
empresários flagrados com trabalhadores atuando em condições análogas a
da escravidão. Destes, 380 eram de estados da Amazônia Legal, sendo que
10% foram multados por desmatamento ilegal nos últimos cinco anos. A
nova lista, que deveria ter sido publicada no penúltimo dia de 2014,
traria quase 100 nomes adicionais, chegando perto de 700 empregadores
que utilizam mão de obra escrava ou análoga a escravidão, segundo apurou
o site Repórter Brasil.
A suspensão aconteceu no mês em que a “lista suja” recebeu um prêmio da Controladoria-Geral da União (CGU), na categoria de boas práticas da transparência.
Em nota, a Abrainc informou que agiu contra a inclusão de suas
associadas na lista por considerar as portarias inconstitucionais, assim
com o processo de inclusão dos nomes.
Conceito de Trabalho Escravo na mira do “progresso”
Decisões como esta do STF colocam o Brasil mais próximo de seu
passado sombrio do que de um futuro promissor. Um tempo em que
empresários que desmatavam, escravizavam e destruíam eram colocados em
pé de igualdade com empresas responsáveis e que respeitavam os direitos
socioambientais do País.
Mas a ofensiva contra a “lista suja” do trabalho escravo não é
exatamente uma novidade. Durante 2014 a chamada bancada ruralista do
Congresso trabalhou intensamente para tentar desconstruir os avanços
garantidos pela PEC do Trabalho Escravo, aprovada no ano passado -
depois de 19 anos de debates. A emenda à Constituição possibilita o
confisco de terras de proprietários flagrados com trabalhadores atuando
em condição análoga a escravidão. Mas agora, em sua fase de
regulamentação, representantes do agronegócio tentam enfraquecer a proposta.
O projeto de regulamentação apresentado pelo senador Romero Jucá
propõe a retirada dos termos “praticas humilhantes e degradantes” do
conceito oficial de trabalho escravo, além de tornar mais difícil a
inclusão de nomes de proprietários infratores na lista do MTE, que só
poderiam ser inseridos depois de esgotadas as possibilidades de apelação
judicial, o que pode levar até 20 anos no sistema judiciário
brasileiro. Atualmente, basta o empregador ter sido flagrado e autuado
em uma operação de fiscalização do MTE.
Mercado pode ser contaminado pelo trabalho escravo durante suspensão
As empresas que assinaram o Compromisso Público da Pecuária e a Moratória da Soja
utilizam a lista do MTE para manter o trabalho escravo longe de suas
cadeias produtivas, boicotando aqueles que constam no documento. Da
mesma maneira, mais de 400 companhias de diversos setores utilizam a
ferramenta para cumprir o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Dos 609 nomes incluídos na última versão da lista, a maioria (27%)
está no Pará. O Pará foi o estado da Amazônia Legal que mais desmatou em
2014. De acordo com o PRODES, foram perdidos 1.820 km2 de
florestas no ano passado no estado. Segundo o MTE, a atividade pecuária é
exercida por 40% dos empresários flagrados em todo o País, seguida da
produção florestal (25%) e da agricultura (16%).
Manter fora do mercado empresários que cometem ilícitos sociais e
ambientais deve ser uma prioridade do governo brasileiro. Mas enquanto a
publicação da nova lista encontra-se bloqueada pela justiça, o mercado
pode estar adquirindo, sem saber, produtos de empresas que mantém
trabalhadores em condições análogas a da escravidão.
“A suspensão da publicação da nova lista e a retirada do site da
lista antiga representam uma ameaça real às empresas e pessoas que não
adquirem produtos e serviços de quem se encontra no cadastro. Por sorte,
a última lista, que ficou disponível até 26 de dezembro, foi amplamente
divulgada e ainda pode ser consultada. Afinal, o Brasil ainda é um País
livre”, conclui Rômulo.
Confira a última lista, clicando aqui.
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