Em sua primeira entrevista como ministra, Kátia Abreu usa
argumentos falsos e reforça ser representante dentro do governo da
parcela mais atrasada do agronegócio brasileiro
Kátia Abreu na cerimônia de posse do Ministério da Agricultura
(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil).
Recém empossada ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a
senadora licenciada Kátia Abreu, a eterna Miss Desmatamento, afirmou, em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira 5
de janeiro, que não tem nada contra assentamentos e que, no Brasil,
“latifúndio não existe mais”. Infelizmente não é bem isso que os dados
oficiais do próprio governo e sua reputação junto aos movimentos sociais
mostram.
De acordo com o cadastro de imóveis rurais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),
com números levantados a partir da auto-declaração dos proprietários de
terras entre 2003 e 2010, a concentração da terra e a improdutividade
aumentaram nesse período no País. Os dados mais recentes apontam que 130
mil proprietários de terras concentram 318 milhões de hectares, o
equivalente a (exemplo de um território, tipo estado, país, para o
leitor ter noção da área que estamos falando. Em 2003, eram 112 mil
proprietários com 215 milhões de hectares.
Mais de 100 milhões de hectares passaram para o controle de
latifundiários, que possuem em média mais de 2.400 hectares. Portanto,
não só ainda há latifúndio no Brasil, como eles cresceram em quantidade e
ainda estão mais improdutivos.
Uma das maiores defensoras da bancada ruralista no Congresso Nacional, Kátia Abreu já não era surpresa para o Ministério, tampouco a inclinação ideológica em seu mandato.
“Ela defende os grandes empresários do agronegócio e não quer saber dos
assentados, pequenos agricultores e populações tradicionais. Ela é
contra a reforma agrária, contra os índios e contra a PEC do Trabalho Escravo.
Suas ações são para defender interesses pessoais e mesquinhos de um
grupo restrito de grandes proprietários de terras que priorizam o lucro
em detrimento da preservação do meio ambiente e de seus guardiães”,
comenta Danicley Aguiar, da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Sobre o argumento de que “Os índios saíram da floresta e passaram a
descer nas áreas de produção”, podemos citar apenas que as populações
indígenas sempre habitaram todos os biomas do Brasil. Portanto, partir
do pressuposto de que os índios só ocupam florestas propriamente ditas
já é por si só equivocado. E é exatamente em regiões como o Mato Grosso
do Sul, Nordeste e Cerrado que os povos indígenas enfrentam situações de
maior vulnerabilidade, exatamente por não terem seus direitos
históricos à terra reconhecidos e garantios pelo Estado brasileiro.
Ela também menciona que se quiséssemos fazer justiça e devolver todas
as terras que são de direito aos índios, teríamos que tomar o Rio de
Janeiro e a Bahia, pois “O Brasil inteiro era deles”. Acontece que o
esforço de retórica da ministra não encontra eco na realidade. Ao
contrário, no Rio Grande do Sul, por exemplo, segundo dados oficiais da
Funai, se todas as reivindicações forem atendidas, somente cerca de 1%
do estado seria reservado aos índios.
Ainda na entrevista, quando Kátia Abreu se coloca como “parceira
número um” para “ajudar os índios a produzirem”, ela também ignora todas
as práticas milenares de produção sustentável desses povos
tradicionais.
Quando fala que “O STF já decidiu que terra demarcada não pode ser
ampliada”, Kátia Abreu se refere à votação da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, no qual o STF decidiu clara e explicitamente, no voto do
ministro Luís Roberto Barroso, que as condicionantes ali impostas não
teriam caráter vinculante. Ou seja, que são estritamente relacionadas
àquele caso específico.
Estes pontos, entre outros, revelam que as declarações da digníssima
ministra Kátia Abreu só demonstram que ela segue representando os
interesses dos segmentos mais atrasados da agricultura brasileira, que
não alcançaram os patamares mínimos de produtividade, desmatam o meio
ambiente e utilizam trabalho escravo, e que sua gestão continuará
desvalorizando a diversidade socioambiental do Brasil, representada
pelos conhecimentos e culturas dos povos brasileiros originários.
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