Juliana Arini
Pesquisadores, organizações da sociedade civil e parlamentares lançam nota técnica contra o Decreto 10.833/2021, que altera a regulamentação sobre uso e registro de agrotóxicos
Na sexta-feira (08) de outubro, às vésperas do feriado do dia das crianças, sem a participação do Congresso Nacional ou da sociedade civil e com uma simples “canetada”, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), publicou no Diário Oficial o Decreto Presidencial 10.833/2021 que flexibiliza substancialmente a aprovação de agrotóxicos no Brasil. O Decreto altera a Lei de Agrotóxicos e incorpora o que há de mais crítico no Pacote do Veneno, segundo aponta uma nota técnica publicada nesta quarta-feira (27).
A nota foi redigida por pesquisadoras e pesquisadores da área da saúde, com contribuição de cientistas de diversas instituições, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entidades do terceiro setor e legisladores.
O documento reúne os graves impactos que a medida irá trazer à saúde humana, ao meio ambiente e à agricultura brasileira. A manifestação já conta com a adesão de 135 pesquisadores e pesquisadoras, mais de 100 organizações e coletivos da sociedade civil, e parlamentares da Frente Parlamentar Ambientalista.
A nota técnica destaca que a medida vai justamente na contramão do que os mercados consumidores internacionais pregam e têm exigido: cadeias de fornecimento livres da destruição de florestas, de agrotóxicos e socialmente justas.
O Decreto também foi assinado às vésperas da Conferência Mundial do Clima (COP-26) e, apesar de o modelo da agricultura brasileira, altamente dependente de químicos, estar diretamente relacionado à questão climática, o clamor por essa urgência não acanhou o governo brasileiro em mais um retrocesso ambiental. Para a pesquisadora da Fiocruz e membro do grupo temático Saúde e Ambiente da Abrasco, Karen Friederich, as alterações trazidas pelo decreto são muito preocupantes; “dificultam o acesso a informações relevantes para a sociedade e, principalmente, permitem que sejam registrados no país produtos muito tóxicos para a saúde das pessoas, como agrotóxicos reconhecidamente cancerígenos, que causam problemas hormonais e reprodutivos, além de malformações em bebês”, explica a pesquisadora.
“Esse decreto demonstra uma tremenda falta de seriedade do governo, ao empurrar para a sociedade o caminho escolhido por um setor apenas e não pela maioria da população. Esse caminho é o do veneno, da priorização das commodities sobre alimentos de verdade,da fome e do esgotamento das fontes”, afirma Marina Lacôrte, porta-voz da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace.
A sociedade já demonstrou que busca exatamente o oposto, ou seja, a redução de agrotóxicos. Um caminho capaz de gradualmente transformar nossa agricultura em produtora de alimentos saudáveis capazes de nutrir a todos e que seja sustentável no sentido de realmente conservar os recursos e de se manter produzindo para as futuras gerações.
“Esse caminho é absolutamente possível a partir de políticas públicas e investimentos que deveriam estar vindo do Ministério da Agricultura e do Congresso, porém nos dois lugares temos no comando lideranças que querem agradar apenas aos seus interesses e os do presidente, exatamente o que fazem Tereza Cristina e Arthur Lira.”, conclui Marina Lacôrte.
Disfarce fajuto
O atual decreto nada mais é do que uma nova roupagem para o Pacote do Veneno, um Projeto de Lei de autoria do ex-senador Blairo Maggi. Essa é a avaliação das organizações que vêm acompanhando o tema dos agrotóxicos e a flexibilização no registro e aprovação dessas substâncias, que tem batido recordes na atual gestão da ministra da agricultura Tereza Cristina. O Pacote do Veneno já foi aprovado pelo Senado Federal e em 2018 também fora aprovado na Comissão Especial da Câmara onde tramitava, sob relatoria do Dep. Luiz Nishimori e a presidência da então Deputada Tereza Cristina, mesmo sob intenso protesto da sociedade. Na época, diversas organizações públicas se posicionaram contra a medida e quase dois milhões de pessoas também assinaram um manifesto contra, e em favor da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA).
O Decreto Presidencial é tido ainda como ilegal e inconstitucional, pois, além de derrubar aspectos mais restritivos da Lei, facilitando o registro de substâncias cancerígenas, mutagênicas, teratogênicas, viola princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal, como os direitos à alimentação e ao um meio ambiente saudáveis.
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