Wednesday, October 6, 2021

Expedição Amazônia 2021: fronteira sul do desmatamento volta a avançar

Na Amazônia da expansão “a qualquer custo”, acumulam-se histórias de violência, roubo e  destruição

Fazenda ao largo da BR-319, em Porto Velho (RO), faz limite com bordas de floresta e áreas recém-desmatadas (foto: Nilmar Lage/Greenpeace)

Nossa passagem por Porto Velho (RO) foi rápida e intensa, marcada por uma chuva em meio ao verão amazônico. A noite já tinha caído na cidade quando fizemos nossa última entrevista na capital, com um extrativista que havia sido expulso de sua terra em favor do latifúndio, de quem ouvi uma frase que ficou impressa na minha cabeça: “você pode me entregar sua terra pelo valor que estamos pagando ou vai custar só R$ 4”. O preço de uma bala. 

Esse é o retrato da violência atrelada ao modelo de desenvolvimento que impera historicamente na Amazônia, no qual o tão sonhado progresso nunca chega de fato às populações da região, que acabam forçadas a abandonar sua terra e forma de subsistência e migrar atrás de qualquer nova “promessa de salvação”. E são tantas promessas!

Conversamos com pessoas que observam com preocupação o avanço do agronegócio e da mais nova “promessa de desenvolvimento” para a região, a AMACRO – uma acrônimo de Amazonas, Acre e Rondônia. Uma versão “prima” do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia), um conhecido projeto criado para promover a expansão agropecuária no Cerrado que tem devorado o bioma para dar lugar a agricultura de larga escala, deixando rastros de injustiça e conflitos por onde passa. 

Apesar de revestida com um viés de sustentabilidade, a AMACRO é uma estratégia de “desenvolvimento” regional pautado na Agropecuária, como a professora Amanda Michalski, geógrafa, nos relatou ,onde as políticas são voltadas para o agronegócio e não na pequena propriedade ou o extrativista. Na prática, o desmatamento no sul do Amazonas tem se intensificado e o governo de Rondônia reduziu recentemente Unidades de Conservação, beneficiando grileiros, e liberou o garimpo no Rio Madeira – ações que seguem na contramão da sustentabilidade.

Uma das  ações previstas dentro do escopo de investimentos públicos para viabilizar a AMACRO, está a ampliação de infraestrutura, que facilita o avanço da fronteira e vai aos poucos abrindo caminho para o agronegócio ir se consolidando cada vez mais no território. Uma das obras que compõem o plano da Amacro é o asfaltamento da BR-319.

 A preocupação é que ramais comecem a se estabelecer entre municípios mais remotos e a rodovia, literalmente abrindo caminho para o desmatamento – justamente como acontece até hoje na mais incendiária fronteira do desmatamento da Amazônia, no Pará, ao longo da BR-163

Há relatos de que dois desses ramais já estão em construção, um partindo de Tapauá (AM) e outro de Canutama (AM), comunidade de Belo Monte (AM). Estamos falando de abrir acesso para uma parte quase intacta de florestas na Amazônia onde existe um grande estoque de carbono e de biodiversidade. Infelizmente, o Brasil até hoje não conseguiu executar obras de infraestrutura mitigando propriamente os impactos advindos desses projetos, vide o asfaltamento da rodovia BR-163 no Pará. 

Área recém-queimada, no ramal do km12 da BR-39, no município de Lábrea (AM). (foto: Nilmar Lage/Greenpeace)

Em Humaitá e Lábrea, já no sul do Amazonas, é possível sentir a especulação no ar. A pacata sede municipal de Lábrea, onde passa o rio Purus e o marco zero da rodovia Transamazônica, não vivenciava de perto o desmatamento e as queimadas (que tendem a se concentrar no sul do município), mas isso tem mudado nos últimos anos. Inclusive fomos em uma área recém-desmatada que ainda estava queimando. 

Município de Lábrea, no sul do Amazonas (Google maps)

Ouvimos relatos de reconcentração de terras em assentamentos próximos, invasões de terras indígenas e algo curioso: o plano do município de construir uma rodoviária e que recentemente novas linhas de ônibus se estabeleceram no município, levando pessoas à Manaus, Humaitá e para Porto Velho. Espera-se que o fluxo aumente em breve. 

Em Humaitá, conseguimos avistar algumas áreas sendo preparadas para soja, um tipo de intervenção muito característica, devido a retirada de todas as galhadas do solo para que o maquinário possa operar no terreno. Humaitá foi o primeiro município do Amazonas a ter soja plantada e o avanço do grão na região, bem como no norte de Rondônia também apareceu como uma preocupação.

No ciclo de mudança do uso da terra, a soja costuma ser o terceiro elemento. O início se dá geralmente pela retirada predatória de madeira (que observamos bastante em Candeias do Jamari, em Rondônia), depois as áreas são convertidas por alguns anos para pecuária (e dependendo do local permanece como pecuária mesmo) e depois que a terra estiver “amansada”,  aí entra a soja.

De Porto Velho (RO) à Lábrea (AM), obras de infraestrutura indicam que a soja irá avançar pela região, ocupando áreas antes usadas como pastagem. (foto: Nilmar Lage/Greenpeace)

Apesar de ter presenciado muitos relatos tristes e visto áreas recém-desmatadas e queimadas de perto, também conseguimos ver alguma luz no fim do túnel. Fomos conhecer quem está fazendo diferente, lutando por formas de desenvolvimento que convivem com a floresta e trazem um progresso perene. Te conto sobre isso no meu próximo texto.  

Até breve. 

Você já faz parte da #BrigadaDigital? Não sabe o que é? Então entra aqui e vem com a gente!

footer-BrigadaDigital

No comments:

Post a Comment

Note: Only a member of this blog may post a comment.