Área desmatada e queimada já recebe gado em Porto Velho, Rondônia. Imagem registrada por expedição do Greenpeace Brasil em julho de 2021 (Foto: Christian Braga/Greenpeace Brasil)

Mais uma vez, políticos ignoram os fatos científicos para colocar os interesses econômicos de alguns grupos em primeiro lugar. Uma investigação dos nossos colegas do Greenpeace no Reino Unido revelou que alguns países, incluindo o Brasil, tentam interferir nas conclusões e recomendações do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, formado pelos mais renomados cientistas do mundo. A intenção não é melhorar o relatório, mas enfraquecê-lo, ao procurar alterar os trechos inconvenientes que tratam sobre as recomendações para reduzir os gases de efeito estufa. Não por acaso, esses países são intensos produtores e consumidores de carvão, petróleo, carne e ração animal, que estão diretamente ligados ao aquecimento do planeta.

A poucos dias da COP 26, a Cúpula do Clima da ONU, quando o que se espera é que os líderes mundiais definitivamente reajam à última janela de oportunidades para a tomada de ação em direção a uma mudança urgente e necessária para conter as mudanças climáticas, uma revelação como esta levanta suspeitas. O quanto os governos estão de fato comprometidos em reduzir as emissões de seus países e legitimar o compromisso assumido de manter o aquecimento global a 1,5°C até o final do século?

A investigação, divulgada em reportagem da BBC, traz mensagens de funcionários do governo brasileiro e argentino, ambos bastante influenciados pelo agronegócio, pressionando repetidamente os autores do IPCC para que removam ou atenuem as mensagens no relatório sobre a necessidade de reduzir o consumo de carne e laticínios para combater o aquecimento global. 

Os cientistas do IPCC não têm obrigação de aceitar os comentários e cada um deles é verificado em relação à literatura científica. No entanto, os comentários fornecem uma janela para as posições que estão sendo adotadas pelos principais países nos bastidores.

“O IPCC é um importante braço científico da ONU para provar que os países necessitam de mudanças urgentes para conter a crise do clima. É vergonhoso que, às vésperas da Cúpula Climática da ONU, mensagens do governo brasileiro tentando retirar e questionar a urgência de modificarmos nossos sistemas econômicos para conter a crise do clima, venham a público. Isso evidencia o quanto o governo Bolsonaro e seus representantes estão preocupados única e exclusivamente com seus próprios interesses e com o lucro de poucos em detrimento do sofrimento de muitos”, declara Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

Assim como o governo brasileiro ignorou os fatos científicos da pandemia do coronavírus, que recomendava máscaras, distanciamento social e vacina, fica evidente que, mais uma vez, o governo brasileiro vai contra a ciência em relação ao aquecimento global. Ele está muito mais preocupado em esconder o rastro de desmatamento e emissões do setor pecuário do que somar esforços efetivos para poupar florestas e o clima.

A pecuária é uma das principais causas de desmatamento da Amazônia (ocupa mais de 80% das terras desmatadas) e reduzir o consumo de carne pode reduzir a pressão sobre as florestas brasileiras e, também, reduzir as emissões. 

Segundo o Unearthed, o grupo de jornalismo investigativo do Greenpeace, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro tenta retirar do rascunho do projeto a afirmação de que uma mudança para dietas com uma maior porcentagem de “proteínas de origem vegetal” em regiões onde as pessoas comem um excesso de calorias e alimentos baseados em animais poderia levar para uma redução substancial das emissões de gases de efeito estufa e fornecer benefícios à saúde. 

“Seguimos vítimas dos desmontes ambientais orquestrados pelo atual governo, que se recusa a ter metas ambiciosas para conter a ação humana na destruição do meio ambiente e para zerar o desmatamento na Amazônia. É incontestável que devemos nos afastar deste modelo agrícola convencional, cuja expansão infinita é uma falsa e perigosa solução para a emergência climática”, conclui Fabiana.