Assim começou o 15° Acampamento Terra Livre (ATL), o maior encontro de povos indígenas do mundo que, este ano, conta com a participação de mais de 4 mil indígenas. Logo na chegada, os povos ocuparam a área à frente do Congresso Nacional e começaram a montar acampamento, o que não durou muito.
Poucas horas depois, carros da polícia federal e do Distrito Federal começaram a chegar. Cavalaria, cachorros, ônibus da tropa de choque e até helicóptero reforçaram a demonstração de poder. Neste contexto, as lideranças foram convidadas a “negociar” a saída do local. Em respeito à segurança das populações, integradas também por diversas crianças, as delegações deixaram o local e se dirigiram à Praça dos Ipês, ao lado do Teatro Nacional.
O ATL deste ano tem um gosto agridoce, pois ocorre em um momento em que os direitos indígenas estão em grave risco. Direitos como o de ter suas terras demarcadas e sua saúde assistida. A mobilização exige que a Fundação Nacional do Índio (Funai) volte a ser subordinada ao Ministério da Justiça, que também deve ter as atribuições de demarcar essas áreas e opinar sobre o licenciamento ambiental de projetos que afetem essas populações. As lideranças não aceitam, ainda, a proposta do governo de municipalizar ou estadualizar o atendimento de saúde das comunidades.
Nos primeiros dias do novo governo, o Executivo editou a Medida Provisória 870/2019, que entregou de bandeja o direito originário indígena à sua terra ao gosto dos ruralistas, passando a responsabilidade de demarcar Terras Indígenas (TIs) ao Ministério da Agricultura (Mapa), atualmente controlado pelo suprassumo da política ruralista. Justamente os mesmos ruralistas que lutam, há anos, para paralisar as demarcações e invadir áreas protegidas em nome do lucro.
Enquanto a mudança do acampamento se desenrolava do lado de fora, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, negava o pedido de liminar incluso na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSB, que aponta para o absurdo da MP 870/2019. Para negar a liminar, o ministro justificou que o Executivo tem o direito de reorganizar o desenho administrativo dos ministérios, o que foi feito por meio da MP e dos decretos. Apesar disso, Barroso reforçou que o governo deve garantir o direito dos índios às suas terras e avançar nas demarcações e deixou claro que o Judiciário poderá agir se as demarcações forem paralisadas. “A União, por meio do Mapa, está obrigada a promover tais demarcações, e a recusa em realizá-las efetivamente implicaria um comportamento inconstitucional”, disse.
Entre cantos, danças e cores, os indígenas seguiram mostrando sua força e união. Brasília e o Brasil ficam mais ricos com seus sons. “Não vamos nos render às ameaças de governo autoritário algum. Estamos aqui para mostrar que os povos originários estão de pé”, declarou Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a coletiva de imprensa.
Assista ao vídeo do primeiro dia de ATL 2019:
Justiça!
O debate sobre mudanças climáticas também esteve presente, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Um relatório do World Resources Institute mostra que o desmatamento é 11 vezes menor nas áreas da Amazônia em que há terras indígenas. A importância dos povos indígenas para a manutenção da floresta e, consequentemente, do clima, é inegável – por mais que alguns digam que a terra é plana e que mudanças climáticas não existem.
A proteção das florestas e seus povos é um assunto de todos. Em solidariedade aos indígenas, o Greenpeace organizou atividades de apoio ao ATL em 11 cidades ao redor do mundo, em frente a embaixadas brasileiras. Uma delegação do Brasil também esteve na ONU e denunciou o governo Bolsonaro no fórum permanente sobre questões indígenas.
No início da noite, uma massa gigante de indígenas saiu em marcha em direção à Praça dos Três Poderes, situada entre o Congresso Nacional, o STF e o Palácio do Planalto. De novo, o chão tremeu quando milhares de indígenas, em um corpo único e coeso e entoando canções, iluminaram a praça com a palavra “Justiça”.
“A mensagem que levamos para o mundo todo é a de que justiça é o nosso território nas nossas mãos. É a nossa saúde com qualidade e respeito às nossas necessidades. Justiça é termos a nossa educação específica e diferenciada de acordo com os valores de cada povo. Justiça é o nosso território não ser invadido. É nossas lideranças não serem assassinadas. Esta intervenção simboliza Justiça. É isso que estamos fazendo aqui, na Esplanada dos Ministérios: exigindo Justiça!”, afirmou o Cacique Marcos Xukuru, de Pernambuco.
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