Na data em que se celebra o Dia do Índio, a Funai publicou, no Diário
Oficial da União, o Relatório Circunstanciado de Identificação e
Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, e de
outras três terras indígenas no Brasil, permitindo o prosseguimento da
demarcação desses territórios
Menino Munduruku durante reunião do povo (©Fábio Nascimento/Greenpeace)
Hoje os Munduruku de Sawré Muybu vivem o que
provavelmente será o Dia do Índio mais importante de sua história:
finalmente, mais de uma década após o início do processo de demarcação
da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu - com 178 mil hectares, localizada
nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará -, a Funai deu
continuidade à demarcação, com a publicação do “Relatório
Circunstanciado de Identificação e Delimitação”, que reconhece o
território.
“Essa vitória é fruto da união de nosso povo, que se
fortaleceu para buscar os parceiros que apoiam a nossa luta e que
tiveram uma contribuição muito grande. Nessa data especial que é o Dia
do Índio, ele [o presidente da Funai] não assinou [o relatório] porque
ele quis, mas sim por conta da pressão que há muitos anos a gente vem
fazendo. Esse é o primeiro passo de vitória, mas a gente vai continuar
nossa luta. Sabemos que depois vem a contestação, e sabemos dos outros
projetos que vão impactar nossa vida e nossa cultura, como a
hidrelétrica que querem construir no Tapajós. Estamos lutando pelo
território e por uma coisa boa para a humanidade. Queremos que as
pessoas juntem-se a nós porque estamos lutando por um futuro melhor que é
de todos”, afirma Rozeninho Saw Munduruku.
Hidrelétrica
A demarcação da TI Sawré Muybu é uma antiga reivindicação do povo Munduruku, que vive no rio Tapajós há gerações. No
entanto, o processo estava paralisado desde 2013, justamente porque a
Funai não havia publicado o relatório circunstanciado que, na prática,
confirma a ocupação tradicional dos índios neste território. Na
época, a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati,
chegou a declarar que o relatório estava aprovado, mas não tinha sido
publicado por envolver outros interesses do governo.
Nos últimos anos, por pressão do setor energético, uma
hidrelétrica foi colocada no caminho da demarcação de Sawré Muybu. Desde
maio de 2011, São Luiz do Tapajós passou a figurar como obra
prioritária do governo. Se construída, ela poderá alagar parte do
território indígena, comprometendo a sobrevivência física e cultural do
povo Munduruku, devido aos impactos sobre a flora, a fauna e sobre os
locais sagrados do povo, e forçando a remoção da população que habita o
território de Sawré Muybu. De acordo com o Artigo 231 da Constituição
Federal, é vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo em
caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, e
garantindo o retorno imediato logo que cesse o risco.
“A publicação do relatório é realmente um passo
importante para que a demarcação prossiga rumo aos momentos finais,
sendo considerada uma importante vitória que honra a tradição de luta do
povo Munduruku e premia o esforço de articulação realizado pelo povo no
sentido garantir seus direitos constitucionais e contra a construção de
hidrelétricas no rio Tapajós”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha
da Amazônia do Greenpeace.
Autodemarcação
Em 2014 e 2015, os Munduruku realizaram a
autodemarcação da TI Sawré Muybu, confirmando os limites da terra de
acordo com o que consta no próprio relatório que agora foi publicado.
Nesse processo, eles exigiam não só o reconhecimento de sua existência,
mas também de seus direitos: “A publicação do Relatório ocorre depois de
muita luta e pressão do povo Munduruku, que nunca desistiu de lutar por
seus direitos. A demarcação da TI Sawré Muybu é importantíssima não só
por garantir a proteção do território e da floresta, mas por assegurar a
prevalência dos direitos indígenas em relação aos projetos
hidrelétricos nos rios da Amazônia”, completa Aguiar.
Para os Munduruku, Sawré Muybu é muito mais do que um
simples pedaço de terra. É lá que eles têm a base de sua cultura e
alimentação, e é o rio Tapajós que abriga diversos locais sagrados que
poderão ser destruídos caso a construção da hidrelétrica ocorra. A
publicação do relatório foi um importante passo no sentido de garantir a
proteção do território, mas ainda é preciso lutar para que a demarcação
seja finalizada e para que o governo desista dos planos de construir as
dezenas de hidrelétricas previstas para a bacia do Tapajós.
“A gente conserva a floresta andando nela, por terra,
debaixo dela, e não só de cima, onde muitas vezes não dá para ver nada.
A autodemarcação para nós é isso, é cuidar da floresta, impedir que
tirem madeira e conservar os frutos e a caça”, afirmou o cacique Juarez
Saw Munduruku, em entrevista ao Greenpeace em 2015, explicando que o
direito à terra é fundamental para a sobrevivência de seu povo.
Mais terras indígenas rumo à demarcação
Outras três terras indígenas também tiveram seus Relatórios
Circunstanciados publicados no Diário Oficial hoje: a TI Ypoi/Triunfo,
do povo Guarani Ñandéva, no Mato Grosso do Sul; a TI Sambaqui, do povo
Guarani Mbyá, no Paraná; e a TI Jurubaxi-Téa, dos povos Baré, Tukano,
Baniwa, Nadöb, Pira-Tapuya, Arapaso, Tariana, Tikuna, Coripaco e Desana,
no Amazonas. No total, nesse pacote foram declarados 1.4 milhões de
hectares. Ainda assim, o governo de Dilma Rousseff é um dos que menos
demarcou terras indígenas na história do Brasil.
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