Avaliamos a versão final do edital da licitação de ônibus. Confira oito pontos falhos que foram apontados por diversas organizações, mas que acabaram ignorados pela Prefeitura, prejudicando assim a melhora da prestação do serviço
iFoto: Danielle Bambace
Após 74 dias de consulta pública junto à sociedade, no qual diversas organizações como o próprio Greenpeace apresentou críticas e sugestões, a Prefeitura de São Paulo apresentou a versão final do edital da licitação do transporte coletivo da capital. O texto final mostra que a Prefeitura não levou em conta diversas considerações, que afetam a livre concorrência na hora de contratar as empresas. Entre as principais falhas, estão a de continuar exigindo a posse de garagem pela operadora do serviço, não abrir a possibilidade de concorrência internacional e não impor limite de participação em múltiplos lotes. Isso abre caminho para limitar às empresas que já operam o sistema atual continuarem atuando por mais 20 anos. Este jogo de cartas marcadas impossibilita a melhoria de um sistema de transportes crucial para a cidade de São Paulo e mantém a prefeitura refém dos grupos empresariais atuais.
O Greenpeace, junto com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a Rede Nossa São Paulo acompanham o processo da licitação do serviço de ônibus em São Paulo desde 2015, buscando contribuir para o debate de melhores soluções para o sistema de mobilidade da cidade. Em carta protocolada pelas entidades hoje junto à Prefeitura de São Paulo, afirmam: “A licitação para escolha da empresa que fará a operação do serviço de ônibus em São Paulo é importantíssima para assegurar uma mobilidade sustentável, os direitos do consumidor e bem-estar dos milhões de passageiros e da população como um todo.”
Segundo Luiza Lima, especialista em mobilidade urbana do Greenpeace, “apesar do avanço na Lei de Mudanças Climáticas, que estipulou metas de redução de poluentes, ainda há muitos pontos preocupantes no atual texto do edital. "Queremos alertar que o lançamento do edital de forma apressada, feito antes da aprovação do Projeto de Lei 853/17 na Câmara Municipal, pode deixar a capital paulista, mais uma vez, com uma de suas mais importantes políticas públicas incapaz de promover a melhoria do serviço para o cidadão”, avalia.
Os 8 pontos identificados pelas organizações que precisam ser melhorados com urgência são os seguintes:
1. A manutenção da exigência de posse de garagem limita sobremaneira a concorrência. A exigência de posse de garagem estabelece uma grande desproporcionalidade na concorrência, pois as empresas que já operam o sistema são as que possuem esses estabelecimentos atualmente.
2. A falta de limite de concorrência em múltiplos lotes leva ao risco de aumento do domínio das empresas já hegemônicas no setor. Embora a concorrência seja fundamental para a qualidade da licitação, redução dos custos e melhoria dos serviços a serem prestados, é preciso limitar a disputa de grandes empresas em múltiplos lotes, além daquelas com conflito de interesses. A sabida existência de grandes grupos econômicos em atuação na cidade, inclusive com atuação em outras áreas da cadeia econômica, amplia sobremaneira esse risco de monopólio, produzindo ineficiências econômicas no setor. Tal limitação já havia sido adotada em 2003 e foi extremamente eficaz.
3. A participação de empresas com conflito de interesses leva ao risco de ineficiências econômicas e financeiras. Diferente da última licitação de 2003, temos hoje na cidade uma série de empresas que operam sistemas de transportes que deveriam ser concorrentes com o serviço de ônibus urbano. O edital de licitação deve ser o instrumento regulatório que preveja os riscos e as necessidades que a concessão em questão trás.
4. A não adoção da licitação internacional limita injustificadamente a concorrência. A legislação atual veda injustificadamente a participação de empresas internacionais na licitação. Essa proibição seria corrigida pelo PL 853/17, caso tivesse sido aprovado. A participação de estrangeiros seria adequada e interessante porque a atividade a ser exercida não exige conhecimento específico nacional; e porque pode trazer redução de gastos do poder público por permitir maior concorrência e troca de experiências com outras metrópoles do mundo.
5. A não adoção de Receitas Acessórias. A versão final do edital de licitação não menciona a necessidade de regras para adoção de receitas acessórias oriundas de propagandas e aluguéis de espaço. Este é um mecanismo importante para baratear o custo do sistema, sendo apontado, inclusive, pelo Artigo 10º da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/12). A ausência de informações e regras a respeito desse tema, além de possibilitar lucros excessivos aos empresários, retira o respaldo legal para que a prefeitura utilize esse recurso para diminuição de custo do sistema de ônibus, e com isso das tarifas, objetivo este que o Tribunal de Contas do Município já havia ressaltado em outras oportunidades.
6. A limitação da remuneração variável é injustificada e leva a benefícios excessivos às empresas. O novo documento limitou a parte da variação negativa da remuneração relacionada à qualidade arbitrariamente em 4% ou seja, independentemente de uma degradação da qualidade ainda maior da prestação do serviço por parte das empresas, o que levaria a prejuízo para o erário público. Com essa nova regra e com valores baixos de multas, pode valer economicamente para empresas investir nos critérios de qualidade para o usuário final.
Consideramos essa modificação bastante grave, e apontamos que ela não foi sugerida nem levantada pela prefeitura em nenhuma das situações onde o documento em consulta pública foi discutido.
7. A não obrigação do formato de Sociedade de Propósito Específico (SPE) leva a falta de clareza na fiscalização financeira. O formato de consórcio, utilizado hoje em São Paulo e em outras capitais, resulta em uma falta de unidade interna no contato com a SPTrans, além de diversas planilhas de prestação de contas, gerando dificuldades para a fiscalização. Diante disto foi proposto o formato de Sociedade de Propósito Específico, que também é utilizado pela Secretaria de Transportes e Mobilidade em outros contratos, tornando claro que o retorno ao modelo de consórcio trás ineficiências ao contrato proposto.
8. O edital não incluiu a Comissão de Acompanhamento da Concessão como prevê a Lei Federal 8.987 de 1995. A prefeitura precisa cumprir o Artigo 30º da Lei Federal 8.987 de 1995, conhecida como Lei de Concessões, que versa: “Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária.
Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.”
A participação dos usuários na fiscalização dos serviços sob concessão é fundamental para ampliar a qualidade da fiscalização e dar publicidade aos elementos por ela levantados.
A Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes justificou a não criação de um órgão que atenderia a essas diretrizes por já ter instaurado na cidade o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito. Porém, ressaltamos que as atribuições do Conselho são diferentes e muito mais amplas, abordando diversos modos de transportes da cidade, não incluindo grupo de trabalho específico para acompanhar e fiscalizar o contrato de concessão. Assim, consideramos grave o descumprimento do referido artigo disposto na Lei de Concessões.
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