Tese anti-indígena defendida pelos ruralistas ameaça a democracia, a biodiversidade do Brasil e o futuro do planeta

Foto de manifestação com pessoas voluntárias e lideranças indígenas, na rua contra o Marco Temporal
O julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal começou há dois anos e ainda não foi concluído. Foto: Avelin Kambiwá

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para a próxima quarta-feira (30) a retomada do julgamento do Marco Temporal. Isso significa que, na próxima semana, é possível que essa tese – que põe em risco a vida dos povos indígenas, ameaça a nossa democracia e coloca em xeque o equilíbrio climático do planeta – possa ser enterrada de vez pelos ministros da mais alta Corte do país. 

O Marco Temporal ameaça os direitos de quase 2 milhões de indígenas e de mais de 305 povos, espalhados por todo o território brasileiro. Todas as Terras Indígenas que temos hoje no Brasil podem ser impactadas e 1393 serão afetadas diretamente. Ou seja, o Marco Temporal destrói a nossa atual política de demarcação das Terras Indígenas.

Defendido apenas por ruralistas e pelo agronegócio, o Marco Temporal busca estabelecer a partir de quando um território pode ser considerado Terra Indígena. Seus defensores querem que a data estabelecida seja o dia da promulgação do nosso mais recente texto constitucional – 5 de outubro de 1988, o que é um absurdo! A própria Constituição Federal reconhece os direitos originários dos povos indígenas ao território que habitam.

Inconstitucional

Lideranças indígenas, pesquisadores, juristas e cientistas sociais alertam que o Marco Temporal é inconstitucional – em seu artigo 231, a Constituição fala em “direitos originários” dos povos indígenas. Isso significa que esses direitos são anteriores à formação do Brasil e não podem ser lidos ou interpretados como tendo uma data específica a partir de quando eles passam a valer ou não.

Além disso, a data sugerida pelos ruralistas ignora, ou desconsidera deliberadamente, as violências às quais os povos indígenas foram submetidos desde 1500. Nossa história é marcada por relatos de diversos povos originários sendo vítimas de massacres, genocídios, contaminação por doenças, violências sexuais, aliciamento para trabalho escravo, expulsão de territórios e remoções forçadas.

O que o agronegócio quer é manter o modelo predatório e desfuncional que temos hoje de exploração desenfreada da floresta. Querem dificultar a demarcação de Terras Indígenas e impedir que os povos originários vivam segundo seus costumes e tradições. Caso a tese do Marco Temporal seja validada, podemos esperar o aumento da violência e dos conflitos fundiários, mais retrocessos nos direitos indígenas, prejuízos econômicos e ambientais. É esse o futuro que queremos e merecemos?

Vale lembrar que, hoje, nós sabemos que as terras indígenas são o tipo de território que mais protege as florestas – os indígenas são apenas 20% da população mundial, mas guardam em seus territórios cerca de 80% da biodiversidade do planeta inteiro! 

Em 2021, diversas lideranças indígenas foram a Brasília acompanhar o início do julgamento do Marco Temporal. Foto: Diego Baravelli/Greenpeace

O julgamento

Os ministros do STF estão julgando o Recurso Extraordinário 1.017.365 – uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. 

Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada aqui servirá de diretriz para todas as instâncias da Justiça no que diz respeito à demarcação de Terras Indígenas. Por isso, este é um dos julgamentos mais importantes da história do Brasil!

Atualmente, o placar está de 2 x 1 pela a rejeição da tese do Marco Temporal. O relator do caso, Edson Fachin, reafirmou o que diz a Constituição: que os direitos dos povos indígenas são originários – ou seja, não podem ter uma data estabelecida de começo, meio e fim. 

O ministro Alexandre de Moraes foi pelo mesmo caminho, mas abriu um precedente perigoso após falar em indenização para não-indígenas e “terras equivalentes”; essas ideias foram rechaçadas fortemente pelo movimento indígena e suas entidades representativas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

O ministro Kássio Nunes votou a favor do Marco Temporal. Na próxima quarta-feira, com a retomada do julgamento, é a vez do Ministro André Mendonça proferir seu voto.

Apetite ruralista

A tese do Marco Temporal não está presente apenas no STF. Ela também está sendo discutida no Congresso Nacional, numa ofensiva violenta da bancada ruralista que, esta semana, aprovou o texto do PL 2963 na Comissão de Agricultura do Senado. No Congresso, a discussão está sendo feita de maneira apressada e sem o menor cuidado, mostrando que, mesmo com o fim do governo Bolsonaro, o apetite ruralista por continuar explorando sem critérios a natureza brasileira em prol do lucro de alguns poucos continua à toda. 

Estamos diante de um momento importantíssimo para o país e precisamos estar juntos do movimento indígena, dizendo em alto e bom som que não queremos que a tese do Marco Temporal seja aceita por nossas autoridades.

É hora de todo mundo se manifestar e mostrar que o país que queremos – justo, inclusivo e ecológico – considera os povos indígenas, seus costumes e tradições como patrimônios valiosíssimos. Seu direito de viver como quiserem, em paz e comunhão com seus territórios, são inegociáveis. Engrosse o coro que diz: Marco Temporal Não!

A tese do Marco Temporal ataca os direitos indígenas e ameaça diretamente quase 2 milhões de pessoas por todo o País. Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace