Saturday, December 31, 2022

Jogo de interesses: o que a bancada do câncer não quer que você saiba

Greenpeace Brasil 

 Ao invés de combater a fome, a violência e demais urgências que assolam o país, parlamentares ruralistas querem autorizar mais agrotóxicos

Não querem que você saiba, mas a gente te conta! Apesar dos alertas da sociedade civil e científica sobre os danos à saúde pública e à biodiversidade, a bancada do câncer quer avançar com o Pacote do Veneno no Congresso Nacional até o fim do ano, mas nós não vamos deixar! 

O Pacote do Veneno é um projeto de lei (PL) ruralista que nos assombra há anos, mas que nunca esteve tão perto de virar realidade. A medida autoriza mais agrotóxicos no país – inclusive substâncias cancerígenas e proibidas em outros países – e tira os órgãos de saúde e de meio ambiente da decisão sobre o uso de venenos no Brasil.

Não caia em fake news ruralista! Conheça a verdade sobre o Pacote do Veneno:


Quais os principais danos do Pacote do Veneno?

O projeto de lei (PL 1459/2022) enfraquece completamente a regulamentação sobre agrotóxicos no Brasil, tornando o registro mais fácil e o banimento mais difícil. Entre as maiores flexibilizações, estão: 

  • Exclusão da Anvisa e do Ibama do processo de autorização de novos agrotóxicos, deixando a decisão apenas para o Ministério da Agricultura; 
  • Possibilita que agrotóxicos já proibidos sejam reavaliado e retira a obrigação de aprimorar as informações sobre toxicidade nos rótulos de produtos; 
  • Altera o termo “agrotóxico” para “pesticida” com a intenção de disfarçar a nocividade. 

Em que fase está o Pacote do Veneno no Congresso Nacional?

Em relação a sua tramitação, o Pacote do Veneno está em um estágio muito avançado. O projeto já passou pela Câmara dos Deputados e atualmente está no Senado Federal, onde recebeu uma nova numeração (PL 1459/2022) – se for aprovado nessa última casa legislativa, vai faltar apenas a sanção presidencial para virar lei. Porém, no Senado, o Pacote do Veneno foi despachado exclusivamente para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), onde a maioria dos membros têm interesses ruralistas, e as comissões indispensáveis a esse tema foram excluídas da tramitação. A pressão de especialistas é para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, inclua as comissões de Saúde, Meio Ambiente e Direitos Humanos na discussão sobre o Pacote do Veneno, para que haja um debate amplo e democrático sobre os riscos à população e ao planeta.

Quais os interesses ruralistas por trás do Pacote do Veneno? 

Apesar dos danos irreparáveis à saúde da população e ao meio ambiente, o lobby ruralista não esconde a pressa e o interesse em aprovar o Pacote do Veneno, sobretudo visando retornos individuais e políticos, diretamente ligados ao agronegócio. Por exemplo, uma vez por semana, nas terças-feiras, membros da bancada ruralista se encontram com executivos do Instituto Pensar Agro (IPA, uma think tank do setor ruralista) para discutir o avanço de projetos de lei (PLs) que servem aos lucros do setor, como o Pacote do Veneno. Em outros casos, também é comum empresas ruralistas financiarem campanhas eleitorais de parlamentares e ambos “trocam favores”. Relaciona-se com isso o fato de existir um mercado bilionário de agrotóxicos que chegou a movimentar 84,5 bilhões de dólares em 2019, e o Brasil é um dos principais países de comercialização. 

Quem são os membros da bancada do câncer?

Muitos parlamentares ruralistas e membros da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) são a favor do Pacote do Veneno. Na Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado por 301 votos e alguns nomes são destaque, como: Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e vencedor da Motosserra de Ouro em 2021; Luiz Nishimori (PSD-PR), deputado federal e relator do projeto na Câmara – vale lembrar que a empresa da família Nishimori tinha uma dívida milionária com a multinacional Syngenta, líder no mercado de agrotóxicos, que foi “amigavelmente” perdoada enquanto tramitava o Pacote do Veneno; e Neri Geller (PP-MT), deputado federal e líder ruralista.
Já no Senado Federal, onde o Pacote do Veneno está atualmente, o projeto é abertamente defendido por seu relator, Acir Gurgacz (PDT-RO), que também é presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), a única comissão onde o Pacote do Veneno tramita – é importante destacar que Gurgacz teve a candidatura a reeleição impugnada pela lei Ficha Limpa. 

Quais os prejuízos do Pacote do Veneno à saúde?

Os impactos são inúmeros e irreversíveis. Por isso, mais de 20 organizações, órgãos públicos e até a ONU já se manifestaram publicamente contra o Pacote do Veneno. O Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Ministério Público Federal, a Fiocruz e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) até chegaram a um consenso histórico alertando para os danos que o projeto traz através da exposição por meio de alimentos e do meio ambiente, com a possibilidade de desenvolver diversas doenças agudas e crônicas. As agudas podem ser observadas em poucas horas após a exposição (geralmente em um prazo de 24 horas), enquanto as crônicas são observadas mais tardiamente, em que os efeitos tóxicos podem manifestar-se muitos anos após a exposição. Assim, os efeitos na saúde podem ser desde uma dor de cabeça, irritação na pele, no olho, tontura, até problemas mais sérios como câncer, malformação fetal e desregulações hormonais. Inclusive, estudos já demonstraram a associação da presença de agrotóxicos no organismo humano ao mal de Alzheimer e ao Parkinson. Por isso, não existe uma exposição segura a agrotóxicos, e mesmo em quantidades pequenas, podem ser prejudiciais pois eles têm o poder de se acumularem no organismo humano.

O que podemos fazer para barrar o Pacote do Veneno? 

Compartilhe os riscos do Pacote do Veneno com quem você conhece e junte-se a mobilização para pressionar o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, para que ele permaneça ao lado da democracia e não ceda aos interesses da bancada do câncer. Participe do abaixo-assinado: 

 https://www.greenpeace.org.br/pacheco-destruicao-ou-vida

Monday, November 14, 2022

Em outubro, desmatamento da Amazônia supera marca histórica do Deter

Greenpeace Brasil

Segundo dados do Deter/Inpe, em outubro foram detectados 903,86 km² com alertas de desmatamento na Amazônia, pior índice para o mês

Monitoramento de fogo e desmatamento na região entre Rondônia e sul do Amazonas, agosto de 2022 
. © Christian Braga / Greenpeace

Dados do sistema Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje, revelam que de 1º a 31 de outubro foi registrada a maior área com alertas de desmatamento da série histórica para o mês. Foram 903,86 km² com alertas no mês, número maior (3%) do que o registrado em outubro de 2021, quando a área com alertas atingiu 876,56 km².

Gráfico traz série histórica anual do Programa DETER-B/INPE, com os acumulados de janeiro a dezembro. 

A destruição se concentrou no estado do Pará (48,12%), seguido de Mato Grosso (16,61%), Amazonas (15,76%) e Rondônia (7,59%). No acumulado de janeiro e outubro de 2022, houve recorde da série histórica: uma área total destruída de 9.494 km², superando o registrado nos outros anos inteiros da série, mantendo o padrão Bolsonaro de destruição.

Nesse período, dos cinco municípios que lideraram os alertas de desmatamento na Amazônia, três fazem parte da AMACRO, região entre o sul do Amazonas, norte de Rondônia e Acre, que vem se destacando nos últimos anos pelo rápido e violento avanço do desmatamento.

“Apesar de uma perspectiva mais otimista com o fim da política claramente antiambiental de Bolsonaro, as ações e omissões do governo ainda produzirão danos diretos e indiretos para a Amazônia e seus povos por algum tempo”, afirma o coordenador de Amazônia do Greenpeace Brasil, André Freitas.

Municípios com maior área com alertas de desmatamento entre janeiro e outubro de 2022. (Deter/Inpe)

O resultado final desta política para o Brasil e para o mundo deverá se confirmar definitivamente nos próximos dias, com a divulgação dos dados do Prodes (Inpe), que mede a taxa oficial de desmatamento na Amazônia e Cerrado em um ano, no período de agosto de um ano até julho do ano seguinte. 

“Será um enorme desafio reverter a situação atual, mas se o Brasil realmente quiser voltar a ser uma liderança no debate climático, esse é um caminho inevitável, e essa agenda tem pressa”, completa Freitas.

Este mês, acontece a 27ª Conferência das Partes, a COP27, e todo o mundo quer saber o que o Brasil fará daqui em diante para reverter o caos ambiental em que se afundou e como os países poderão trabalhar, juntos, para proteger a floresta e seus povos, com renda e dignidade para todos os brasileiros e brasileiras. Nós também queremos saber e vamos acompanhar de perto. 

Vai ter COPA. Quer dizer, COP!

 Jaqueline Sordi 

 Começa neste domingo (6/11) a maior conferência anual do clima, e o Greenpeace está com um time de craques no aquecimento para acompanhar as negociações

Logo logo vai ter COPA. Mas antes, não esqueça: Vai ter COP!

A partir deste domingo (6/11), o balneário de Sharm El-Sheikh, no Egito, será o palco da 27ª Conferência das Partes, a COP27, o principal encontro anual sobre clima que reúne, desde 1995, líderes de praticamente todos os países para discutir estratégias para lidar com a crise climática. E o Greenpeace Brasil está levando um timaço para acompanhar de perto as negociações deste campeonato onde só há um vencedor: o planeta Terra!

Neste ano, quatro itens fundamentais para o progresso do combate à crise climática estarão em jogo:

  • (i) o aumento da ambição e a implementação das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa;
  • (ii) a criação de um mecanismo próprio de financiamento às perdas e danos climáticos;
  • (iii) a discussão de uma meta global de adaptação à mudança do clima; e
  • (iv) o aumento dos compromissos dos países ricos de fornecer dinheiro para ação climática nos países mais pobres.

No entanto, um conceito que deve estar muito presente em todas as negociações é o de Justiça Climática. Você sabia que nas regiões mais vulneráveis à crise climática, como países do Sul Global, o número de mortes por secas e enchentes foi 15 vezes maior na última década do que nas regiões menos vulneráveis? Pois é, e são os povos dessas regiões os que menos contribuíram para chegarmos a esse cenário.

Quando o que está em jogo é o futuro do planeta, as comunidades em situação de vulnerabilidade não podem mais ficar no banco de reservas. Não é aceitável que a voz de populações que vivem um processo histórico de segregação e exclusão como jovens, negros e negras, povos indígenas, mulheres e o Sul global sejam tangenciadas e fiquem de fora da mesa de decisão.

A COP27 é uma oportunidade para pressionar os tomadores de decisão a ouvir essas vozes, para que suas histórias sejam contadas e para que essas populações participem mais ativamente nos acordos multilaterais de enfrentamento a essa crise.

A convite do Greenpeace Brasil, os ativistas climáticos Marcelo Rocha, diretor executivo do Instituto AYÍKA, e Amanda Costa, fundadora do coletivo Perifa Sustentável, estão embarcando para o Egito neste final de semana para acompanhar as principais jogadas deste grande campeonato.

Para a Amanda, “essa COP, que vai acontecer em um país africano, é bem estratégica para abordar o tema de Justiça Climática e enfrentamento ao racismo ambiental. Trazer a Justiça Climática para o centro das negociações não é apenas mais uma pauta, mas é a pauta central, que precisa reverberar para além das conferências”.

Já o Marcelo entende que nessa conferência “teremos mais uma oportunidade de discutir Justiça Climática, principalmente porque o novo presidente da República eleito já aceitou o convite de estar lá e articular junto à sociedade civil. Vai ser uma COP de unificação, que pode abrir portas para o Sul Global estar dentro dos processos e espaços de negociação”.

Durante as duas semanas da conferência, o Marcelo, a Amanda e mais um time do Greenpeace estarão acompanhando todos os detalhes e bastidores das negociações, além de levar a voz de jovens periféricos dos quatro cantos do Brasil para o centro das tomadas de decisão.

Quer entrar para esse time de craques da Justiça Climática e acompanhar tudo o que vai acontecer no campeonato, quer dizer, na conferência? Siga as nossas redes, curta e compartilhe!

Outubro registra 13.911 focos de queimadas na Amazônia

Rosana Villar  

Faltando dois dias para encerrar o mês, foi atingida a marca de 100 mil focos de queimadas no acumulado do ano, número 33% maior do que foi registrado em todo 2021

Em outubro de 2022, os maiores números de focos foram registrados no estado do Pará.
Em outubro de 2022, os maiores números de focos foram registrados no estado do Pará. © Fábio Nascimento / Greenpeace

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nesta terça-feira (1º) revelam que o mês de outubro, de 1º a 31 de outubro, registrou 13.911 focos de queimadas no bioma Amazônia, um aumento de 20,4% em relação ao mesmo mês de 2021. 

Os maiores números de focos foram registrados no estado do Pará com 7.469 (54% do total), seguido pelo Amazonas com 1.503 (11% do total), Maranhão que registrou 1.269 (9% do total), Acre com 1.127 (8% do total) e Mato Grosso com 903 (6%). Já no acumulado do ano, até o dia 31 de outubro, foram 101.215 focos de queimadas registrados.

Para Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, os números são mais um reflexo do “padrão Bolsonaro” de destruição, resultado de uma visão retrógrada de desenvolvimento que acredita no usufruto dos recursos naturais de forma predatória e que não conversa com a necessidade de frear o desmatamento na Amazônia para conter a crise climática.

“É icônico que um dia antes do 2° turno das eleições foram atingidos mais de 100.000 focos de calor na Amazônia. Isso é o reflexo de todo o descaso do atual governo com a floresta e seus povos. Agora com um novo governo eleito continuaremos trabalhando e cobrando, como fizemos durante todos os governos anteriores, para que a Amazônia, nossa maior riqueza seja protegida, seus povos respeitados e que a paz seja soberana na floresta.””

A nova gestão que estará à frente do país a partir de 1º de janeiro de 2023, terá como um de seus desafios, desfazer os retrocessos vistos como nunca na gestão Bolsonaro. A Amazônia precisa de desmatamento zero, de projetos que detenham a grilagem de terras públicas e que tragam um real desenvolvimento econômico que beneficie e defenda os povos da floresta.

Sunday, October 2, 2022

Setembro em chamas: focos de calor tem aumento de 147% no mês

Greenpeace Brasil

Segundo dados do Inpe, o total de queimadas na Amazônia em setembro deste ano é o maior dos últimos 12 anos 

Sobrevoo em Porto Velho, na região da AMACRO (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – Foto: Nilmar Lage / Greenpeace Brasil

Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nesta sexta-feira (30), mostram que no mês de setembro houve um salto assustador no número de queimadas na Amazônia, não apenas em relação ao mesmo período no ano passado, mas sendo o maior número desde 2010. 

Enquanto que em setembro de 2021 foram registrados 16.742 focos de calor no bioma, neste ano houve 41.282. O Pará concentrou o maior número de focos de calor, 30,8% (12.696) do total  registrado,  seguido por Amazonas (8.659) que apesar de segundo lugar no total de focos teve o mês com o recorde de queimadas desde o início do monitoramento em 1988. Mato Grosso (6.950), Acre (6.693) e Rondônia (5.354) vêm em seguida. 

“Não podemos mais compactuar com essa política de destruição que acontece na Amazônia, que é fruto da falta de uma política ambiental nos últimos anos e de um congresso que cria projetos de lei como a legalização da grilagem de terras, abertura das terras indígenas para atividades destrutivas e acaba com o licenciamento ambiental”, afirma Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

Listamos 5 medidas urgentes para proteger a floresta e seus povos

1. Retomar imediatamente a execução de um plano eficiente e articulado de combate ao desmatamento, nos moldes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM).

2. Destinar orçamento adequado para ações e políticas de proteção ambiental e de direitos territoriais bem como fortalecer os órgãos ambientais e fundiários como Ibama, ICMBio, INCRA e FUNAI, o que inclui renomear servidores capacitados para cargos de chefia de órgãos relevantes para a pauta socioambiental, realização de concursos públicos e a contratação de servidores.

3. Destinar florestas públicas não-destinadas para conservação e uso sustentável, reconhecendo os direitos à terra de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares (inclusive territórios de uso comum e assentamentos da reforma agrária).

4. Retomar o processo de responsabilização por crimes ambientais e aplicação de multas e penalidades previstas em lei.

5. Retomar o processo de demarcação dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como criar mecanismos e implementar ações para a desintrusão de invasores, o combate a atividades criminosas nesses territórios, em especial o garimpo, e o combate à violência contra esses povos.

 

Wednesday, September 28, 2022

Cercados por 300 mil bois, lideranças Karipuna pedem socorro a União Europeia

Jorge Eduardo Dantas  

Lideranças cumprem em Brasília (DF) agenda de reuniões junto a embaixadas de vários países

Representantes de 16 países participaram do encontro com os Karipuna na embaixada da União Europeia. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Brasília (DF) – “Estou preocupada com o futuro. Estamos cercados por grileiros e desmatadores. O estado brasileiro não cumpre seu dever de proteger nossas terras. Viramos reféns em nosso próprio território”. É dessa maneira que Katiká Karipuna, anciã do povo Karipuna, de Rondônia, resume a situação de seus parentes nos dias atuais. Ela, assim como outros doze integrantes da etnia, estão em Brasília (DF) desde o início da semana levando seu pedido de socorro a diversas autoridades do Brasil e do exterior.

Na agenda do povo Karipuna, estão compromissos com embaixadas de oito países – como Espanha, França, Alemanha e Suíça – assim como encontros com a embaixada da União Europeia e com o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU).

As lideranças estão entregando aos embaixadores uma carta, intitulada “Pedido de Socorro” e solicitando que a União Europeia não compre produtos oriundos do desmatamento da Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas. 

Cobrar providências

“Estamos pedindo socorro e estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias em diversos órgãos brasileiros, mas o Estado não cumpre seu dever de proteção territorial, de proteger nossas terras”, queixou-se o cacique do povo, André Karipuna, aos embaixadores.

“Por isso pedimos a vocês que cobrem do governo brasileiro providências contra os grileiros, os madeireiros e pescadores que invadiram nosso território. Estamos vivendo quase uma guerra. Recebemos ameaças de morte o tempo inteiro. São essas pessoas aqui que vocês estão vendo que estão sofrendo no território”, disse a liderança.

André lembrou ainda da responsabilidade que os outros países têm no combate ao desmatamento e no suporte aos direitos dos povos tradicionais: “Boa parte do que sai aqui do Brasil – ouro, madeira, soja – e chega em outros países sai daqui com manchas de sangue indígena. Então quando vocês fizerem acordos comerciais com o Brasil, com empresas brasileiras, se perguntem de onde sai aquele recurso, de onde ele vem. Muito do que chega à mesa de outros países tem sangue indígena do Brasil.”

O cacique André Karipuna entregou ao embaixador da União Europeia Ignacio Ybáñez uma carta chamada “Pedido de Socorro”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Sem dormir

A delegação Karipuna que está em Brasília hoje é diversa. Possui desde pequenas crianças até dois anciões que estão entre os cinco sobreviventes dos primeiros contatos que os Karipuna fizeram com os não-indígenas na década de 70.

Além de Katiká, outro sobrevivente deste período é Arypã Karipuna. “A gente não consegue mais dormir à noite, porque a impressão que temos é de que seremos expulsos do território a qualquer momento. Nos ajudem a combater as invasões – nossos peixes, nossa castanha, está tudo sumindo”, disse Arypã na reunião ocorrida na embaixada da Espanha.  

Para o porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Danicley de Aguiar, o fato desses anciões – que mal falam português e pouco saem de sua aldeia, além de já estarem com a saúde debilitada – virem a Brasília se encontrar com os embaixadores mostra o grau de desespero do povo Karipuna.

A Europa discute hoje uma lei anti-desmatamento que pode ter impactos profundos nas florestas brasileiras. Então precisamos fazer essa conversa, precisamos pedir da União Europeia uma legislação rígida que não abra mão dos direitos indígenas. É dever de todos nós não naturalizar a violência contra esses povos e garantir que ela seja combatida em todos os fóruns e de todas as maneiras possíveis”, disse Danicley. 

A reunião na embaixada da União Europeia, ocorrida na quarta (21), contou com a presença do embaixador Ignacio Ybáñez, que falou sobre a lei anti-desmatamento: “Essa lei é muito importante para nós, pois ela vai estabelecer regras e vai justamente nos dar condições de cobrar os governos. Estamos comprometidos em ter regras comerciais que garantam em território europeu produtos sem trabalho escravo, sem destruição de florestas e sem exploração de territórios indígenas – e que também ajudem a combater as mudanças climáticas aqui e no resto do mundo”.

O encontro na embaixada da União Europeia contou com a presença de três embaixadores – da Holanda, Irlanda e Malta – e representantes de outros 16 países como Itália, Dinamarca, França, Bélgica, Polônia e Finlândia.

André Karipuna: “Estamos cansados. Estamos há sete anos fazendo denúncias e o estado não protege o nosso território”. Foto: Adriano Machado/Greenpeace

Recente contato

O povo Karipuna é um povo de recente contato. Suas primeiras interações com os não-indígenas ocorreram na década de 70. Eles foram quase dizimados e chegaram a ter apenas 8 indivíduos. Hoje, eles somam 61 pessoas. A Terra Indígena Karipuna foi demarcada em 1998 com 153 mil hectares. Mas, de lá pra cá, o governo brasileiro pouco fez para garantir sua proteção e integridade. Como resultado, ela foi invadida de maneira massiva, principalmente nos últimos anos, durante o governo Bolsonaro. Os indícios de que por ali existem dois povos isolados tornam aquela área ainda mais frágil e especial.  

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a TI Karipuna foi a nona terra indígena mais desmatada do Brasil entre 2015 e 2021 – com 4,7 mil hectares de floresta devastadas. Estimativas dão conta que 300 mil bois pastam ao redor do território. Por conta das ameaças e do clima de violência, os povos indígenas não circulam por ali: eles vivem acuados e utilizam apenas 1% de sua área.  

A abertura de ramais, a construção de pontes clandestinas, a abertura ilegal de pastagens e o estabelecimento irregular de plantios são alguns dos problemas da TI Karipuna. As ameaças às lideranças também são comuns – ano passado, uma ponte de acesso a uma aldeia chegou a ser destruída pelos invasores, que também já bloquearam estradas, impedindo que uma equipe de saúde indígena realizasse atendimentos.  


Friday, September 16, 2022

Lei anti-desmatamento é aprovada pelo Parlamento Europeu

Greenpeace Brasil 

 Nova legislação irá aumentar o controle sobre os produtos ligados ao desmatamento e violações socioambientais. A lei também vale para os países da própria UE

Área desmatada no município de Barreiras, no Cerrado do oeste baiano. Nova legislação da UE protege parte do Cerrado, mas ignora as regiões do bioma com vegetação mais rasteira. © Marizilda Cruppe / Greenpeace

Nesta terça-feira (13), o Parlamento Europeu aprovou uma nova lei anti-desmatamento para a União Europeia (UE), com o objetivo de controlar a entrada de produtos ligados à destruição de florestas e violações dos direitos humanos em áreas de floresta ao redor do mundo.

Para o Brasil, a medida ajudará a fechar as portas do mercado internacional para desmatadores e violadores dos direitos humanos, enquanto traz mais segurança para as empresas que produzem sem desmatamento e de forma responsável.  

Atualmente, a UE é responsável por 16% do desmatamento de florestas tropicais ligado a commodities comercializadas internacionalmente, como carne, óleo de palma ou soja.

Uma pesquisa realizada nos países da UE mostrou que 82% dos entrevistados acreditam que as empresas não devem vender produtos que destroem as florestas do mundo, enquanto 78% acreditam que os governos deveriam proibir produtos de áreas desmatadas. A legislação foi uma resposta ao desejo da sociedade, que não quer fazer parte da destruição. 

“Ninguém quer ter que se preocupar se o supermercado onde faz a compra da semana está ligado à morte e à destruição, e a votação dessa lei é um grande passo para quebrar esse vínculo. Com apoio público esmagador e agora apoio também político, a única coisa que está no caminho de erradicar a destruição de florestas e abusos de direitos humanos do mercado da UE são os governos que encobrem as empresas que se recusam a limpar suas cadeias”, disse Sini Eräjää, porta-voz da campanha de florestas do Greenpeace na União Europeia. 

Como pontos fortes, a lei aprovada inclui uma lista ampla de commodities e produtos, que inclui óleo de palma, soja, café, cacau, gado e madeira. Durante as negociações para a votação, entraram também a borracha, milho e outros tipos de animais, como suínos, ovinos, caprinos e aves. É importante ressaltar que as regras também valem para os próprios países da UE, onde a exploração de madeira em áreas naturais é um grande problema. Esse deve ser um ponto de pressão para que seja enfraquecido por ministros do parlamento europeu de países como Finlândia e Suécia. 

O texto aprovado trouxe outras importantes atualizações, como definições mais robustas de desmatamento e degradação florestal, que garantirão maior proteção das florestas contra a expansão agrícola e práticas destrutivas de extração de madeira, proteção mais forte dos direitos humanos, especialmente os direitos dos povos indígenas e comunidades locais, e a inclusão de instituições financeiras europeias entre as empresas que serão fiscalizadas. Com isso, as carteiras de investimento destes bancos terão que fazer o trabalho de diligência prévia, ou seja, um processo robusto de verificação para comprovar que não existe ligação do financiamento a projetos e empresas que promovem a destruição de florestas.

E o Brasil com isso?

Uma das medidas estipuladas na nova lei é a necessidade de rastreabilidade dos produtos da fonte até o destino final, um dos grandes problemas da carne e da soja brasileira, onde as empresas ainda se arrastam para cumprir suas promessas de zerar o desmatamento das cadeias produtivas. Na votação, foi mantida a necessidade de fornecer a geolocalização da área de produção do produto comercializado. 

A falta da  rastreabilidade total (de ponta a ponta) das cadeias favorece, por exemplo, a entrada de gado irregular na cadeia. Isso acontece porque o animal pode passar por diferentes fazendas ao longo do seu crescimento, e algumas delas podem apresentar desmatamento e/ou violações de direitos humanos. Mas, na hora da venda, o processo é realizado por uma fazenda regularizada. 

Apesar do governo brasileiro ter questionado a legislação sob o argumento de que a lei não traria benefícios ambientais, violaria as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e traria impactos sociais, sabe-se que esforços para mitigar a crise climática são necessários e, além disso, o país tem plenas condições de atender critérios rígidos de rastreabilidade. No passado, o Brasil aumentou sua produção ao passo que o desmatamento foi reduzido.  

“O desmatamento na Amazônia foi reduzido em 80% entre 2004 e 2012, ou seja, sabemos como produzir sem desmatar. Da mesma forma que desde 2006 a Moratória da Soja mostrou ser possível mapear, identificar e bloquear produtores que não estão em conformidade com o desmatamento zero. O Brasil tem potencial de se destacar nos esforços tanto para atender os critérios da lei anti-desmatamento quanto na agenda climática, no entanto, tem seguido o caminho oposto”, avalia Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha da Amazônia do Greenpeace. 

O atual governo implementou ao longo dos últimos anos uma política antiambiental que enfraqueceu órgãos ambientais, cortou orçamentos e travou o Fundo Amazônia, reduziu drasticamente o número e eficácia das atividades de fiscalização e estimulou a violência no campo através de seu discurso e omissões, como por exemplo na falta de ação para coibir o crime ambiental e de invasão em territórios indígenas.

“Em vez de assumir um lugar de destaque, o governo Bolsonaro optou por se apequenar nas relações internacionais e estimular o que existe de mais retrógrado em termos de desenvolvimento e meio ambiente, e agora temos as maiores taxas de desmatamento desde 2006 e uma sinalização de que o mercado não irá tolerar produtos atrelados à destruição”, ressalta Mazzetti.

Ainda há o que avançar

Apesar da versão votada adotar a definição da Food and Agriculture Organization (FAO) de “other wooded lands” (outras áreas com cobertura arbórea) em adição a florestas – o que é um passo importante para abranger outros ecossistemas -, isso ainda é insuficiente. Partes do Cerrado onde a savana é mais aberta e o Pantanal, por exemplo, continuam ameaçados pela expansão agropecuária e pelo impacto do consumo da UE.

O Parlamento, no entanto, aprovou uma cláusula de revisão que permitiria à Comissão aumentar a proteção a todos os ecossistemas naturais no próximo ano. Portanto o trabalho não acabou, seguiremos pressionando. 

Em 2020, incêndios de grandes proporções consumiram mais de 20% do Pantanal, no Centro-Oeste do Brasil. A falta de chuvas recorrente na região, somada à ausência de políticas de proteção ambiental, deram início a uma crise sem precedentes, que coloca em risco pessoas e a rica biodiversidade do bioma. © Leandro Cagiano / Greenpeace

Após a votação, terão início negociações sobre a lei final entre o Parlamento Europeu, os governos nacionais e a Comissão Europeia. 

O Cerrado brasileiro, que ocupa 25% do Brasil, já perdeu metade de sua vegetação nativa. Segundo levantamento do MapBiomas, em 37 anos as atividades agrícolas no Cerrado cresceram mais de 500%. A savana mais biodiversa do mundo está sendo rapidamente substituída pela soja. O Pantanal também é sede de violações frequentes de direitos humanos, com o assassinato e violências contra indígenas que lutam pelo seu território tradicional. Em 2020, o Pantanal teve mais de um quarto da sua formação original queimada.

Saturday, September 10, 2022

Desmatamento da Amazônia chega a 1.661 km² em agosto

Greenpeace Brasil 

 A área com alertas de desmatamento detectados pelo Deter equivale a 237.286 campos de futebol. No acumulado de janeiro a agosto, o índice já é o maior da série histórica

Sobrevoo sobre uma área desmatada e queimada de 8 mil hectares, em 30 de agosto de 2022, na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). © Nilmar Lage / Greenpeace

Dados do Programa DETER-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (9), mostram que agosto registrou 1.661 km2, o segundo pior resultado para o mês da série histórica, perdendo apenas para o ano de 2019, também no governo Bolsonaro. Pará lidera, seguido do Mato Grosso e Amazonas. O registrado em agosto representa um aumento de 81% em relação ao ano anterior, e o acumulado de janeiro a agosto de 2022 foi o maior da série histórica, com 7.135 km2.  

O que chama a atenção é a intensidade da destruição nos últimos meses, quando comparado ao ano anterior: em agosto de 2022, o desmatamento quase dobrou e as queimadas dos primeiros sete dias de setembro já ultrapassaram o total registrado no mesmo mês em 2021.

Os dados do Deter mostram a aceleração do desmatamento no final de agosto. (Fonte: Terrabrasilis/Deter/Inpe)

“A destruição ambiental ganhou velocidade e escala nos últimos anos, já que as porteiras foram escancaradas por um governo que abraça e incentiva o crime ambiental através de suas ações e omissões. Como desmatadores não sabem como será o dia de amanhã, estão correndo para destruir enquanto a porteira está aberta”, observa Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

Alertas de desmatamento registrados em agosto.
(Fonte: Terrabrasilis/Deter/Inpe)

O desmonte das políticas e instituições socioambientais promovido pela gestão Bolsonaro, a exemplo do sucateamento de órgãos ambientais, cortes e baixa execução de orçamentos e omissão quanto a invasões fortemente denunciadas em terras indígenas, levou à explosão do desmatamento e da violência no campo: em média, a taxa de desmatamento pré e pós Bolsonaro aumentou 52% e, de acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as invasões em terras indígenas aumentaram três vezes quando comparadas a 2018. O assassinato de indígenas tem virado rotina.

“Estamos fazendo uma volta para o passado, para o que há de mais retrógrado, com consequências cada vez mais graves”, alerta Cristiane Mazzetti. 

Para o Greenpeace Brasil, é urgente a reversão do desmonte ambiental e a adoção de ações e medidas que consigam derrubar as altas taxas de desmatamento.

“É necessário adotar uma meta de desmatamento zero, além de restabelecer um plano articulado de combate ao desmatamento, e fortalecer uma economia que conviva com a floresta em pé. Isso inclui o fortalecimento dos órgãos ambientais, a destinação de florestas públicas não destinadas para conservação e uso sustentável, a demarcação dos territórios indígenas reivindicados pelos povos originários, além de promover a proteção das áreas já destinadas com a desintrusão de invasores de Unidades de Conservação e Terras indígenas”, finaliza Cristiane Mazzetti.

Pátria derrubada e queimada, Brasil

 Greenpeace Brasil

 No mês do bicentenário da Independência, Brasil se supera em queimadas na Amazônia. Após 200 anos, estamos repetimos a mesma dinâmica predatória

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias. © Nilmar Lage / Greenpeace

A primeira riqueza usurpada do povo brasileiro foi uma árvore, o famoso pau-brasil. Não somente uma, mas dois milhões de árvores durante o primeiro século de exploração portuguesa, segundo registros do Arquivo Nacional – o correspondente a seis mil quilômetros quadrados (km²) da Mata Atlântica. Não foi à toa que deram nome de árvore a esta nação. Quando conquistamos nossa independência, quase já não havia pau-brasil para contar história.

Duzentos anos depois, mais uma vez assistimos a nossas árvores e povos tradicionais tombar sobre essa terra. Porém, dessa vez, numa velocidade inimaginável: um terço de toda a perda de vegetação nativa do Brasil se deu nos últimos 37 anos (MapBiomas). E se os portugueses levaram um século para arrancarem dois milhões de pau-brasil no passado, os novos desmatadores levaram menos de nove meses para cortarem mais de 361 milhões de árvores somente da Amazônia Legal em 2022, de acordo com dados calculados pelo Greenpeace Brasil.

Na semana em que comemoramos nosso bicentenário de independência, nossas florestas estão em chamas: em apenas uma semana de setembro deste ano já superamos o número de focos de calor registrados na Amazônia em todo o mês do ano passado. De 1 a 7 de setembro, Dia da Independência, foram 18.374 queimadas na Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em setembro de 2021 foram 16.742 ao todo. Se compararmos esta semana com a primeira semana de setembro de 2021, o aumento nas queimadas é de 474%.

“Na semana em que comemoramos a Independência do Brasil e o Dia da Amazônia, os números referentes a queimadas e incêndios florestais só reforçam que estamos repetindo a mesma dinâmica predatória de 200 anos atrás, propagando uma economia da destruição que ainda se alimenta fortemente de recursos naturais ao passo que não traz o tão almejado desenvolvimento real para a Amazônia”, declara Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

O Índice de Progresso Social, que analisa variáveis socioambientais, revelou que, em 2021, a média do índice para os municípios da Amazônia Legal foi 16% inferior à média nacional, e a diferença é ainda maior em municípios com altos índices de desmatamento.

“Estamos entregando um patrimônio que é dos brasileiros e brasileiras nas mãos de criminosos que avançam sobre a floresta aceleradamente e cujas ações ganharam força, especialmente nos últimos três anos, com a gestão claramente antiambiental do governo federal”, completa Cristiane.

É fato que todos os governos tiveram sua participação ou permitiram direta e indiretamente a continuidade da destruição ambiental, mas diferente da gestão atual, vale pontuar que houve esforços em governos anteriores para conter essa dinâmica predatória. 

No governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram demarcados mais de 600 mil km² de terras indígenas, foram dadas as condições para a criação das ferramentas de monitoramento do Inpe e estabeleceu-se um marco para combate à grilagem a partir do livro branco da grilagem de terras. 

Nos governos seguintes, foi colocado em prática o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (o PPCDAm), o que incluiu muitas ações de comando e controle, corte de financiamento para quem desmata e criação de diversas Unidades de Conservação, culminando na redução do desmatamento para menos de 5 mil km² em 2012. 

Nos últimos anos, no entanto, além de não existir plano ou ações nessa direção, está em curso um desmantelamento dos órgãos ambientais, corte e baixa execução de orçamento, estratégias apenas midiáticas e com baixa efetividade, a exemplo do decreto proibitivo para uso do fogo dissociado de fiscalização e o uso das Forças Armadas protagonizando as ações de fiscalização. 

O desmatamento está fora de controle e a escala só aumenta. Estamos de volta ao passado e precisamos nos libertar dessa relação com a natureza que mina dia a dia nossas chances de futuro.  

Cinco medidas urgentes para salvar a Amazônia e seus povos

Rosana Villar 

Nesse Dia da Amazônia, mostramos o caminho das pedras para reconstruir os sistemas de proteção da floresta, rumo à Amazônia que precisamos

Amazônia que precisamos | Floresta próxima ao Rio Manicoré, no sul do Amazonas, na Amazônia. As comunidades ribeirinhas estão lutando para terem seus direitos territoriais reconhecidos e sua floresta protegida. © Valdemir Cunha / Greenpeace

Hoje é o Dia da Amazônia, uma data para celebrar a força e a importância deste bioma, mas também para fazermos uma pergunta chave: que Amazônia queremos para o futuro? Este ano, afinal, é ano eleitoral e teremos nas mãos o poder de decidir se queremos seguir com a economia da destruição, que traz lucro para poucos enquanto prejudica toda a sociedade, ou se queremos propostas e ações que ajudem a construir a Amazônia que precisamos, com valorização da ciência, da floresta em pé e de seus povos. 

Não é uma escolha difícil, pelo menos para a maior parte da população, que entende que não podemos destruir nosso planeta indefinidamente sem consequências. Inclusive, nenhum político vai dizer que adora derrubar árvores, pega mal, né? Mas na prática, muitos deles têm agido precisamente pela destruição da floresta. 

Segundo um levantamento realizado pela Repórter Brasil, dois terços dos deputados federais com mandato atualmente agiram contra o meio ambiente, votando medidas e elaborando projetos de lei contrários e danosos à natureza, aos povos indígenas e aos trabalhadores rurais. 

Mas essa parcela de parlamentares não está sozinha na sanha pela destruição de nosso patrimônio natural. Nos últimos anos, vimos um tremendo esforço dos governos estaduais e federal em apoio ao garimpo, à legalização do crime e ao avanço da destruição. O último ministro do Meio Ambiente não estava brincando quando disse que iria “passar a boiada”. Se compararmos a média dos três anos de governo Bolsonaro, a área desmatada na Amazônia teve um aumento de 52% (média de 11.339 km² entre 2019 e 2021), em relação à média dos três anos anteriores (média de 7.458 km² entre 2016 e 2018). 

Proteger a Amazônia é importante para o equilíbrio climático, para garantir os meios de vida das populações que vivem na região e é fundamental para manter o ciclo da água no Brasil. Sem floresta, não tem água, não tem comida, não tem futuro!

Por isso, é preciso que os próximos governantes e legisladores tomem medidas urgentes para frear esta destruição. Listamos cinco medidas que devem ser tomadas ainda nos primeiros dias de governo para iniciar a reconstrução da agenda socioambiental do país e proteger nossa floresta.

1. Retomar imediatamente a execução de um plano eficiente e articulado de combate ao desmatamento, nos moldes do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM).

2. Destinar orçamento adequado para ações e políticas de proteção ambiental e de direitos territoriais bem como fortalecer os órgãos ambientais e fundiários como Ibama, ICMBio, INCRA e FUNAI, o que inclui renomear servidores capacitados para cargos de chefia de órgãos relevantes para a pauta socioambiental, realização de concursos públicos e a contratação de servidores.

3. Destinar florestas públicas não-destinadas para conservação e uso sustentável, reconhecendo os direitos à terra de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares (inclusive territórios de uso comum e assentamentos da reforma agrária).

4. Retomar o processo de responsabilização por crimes ambientais e aplicação de multas e penalidades previstas em lei.

5. Retomar o processo de demarcação dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como criar mecanismos e implementar ações para a desintrusão de invasores, o combate a atividades criminosas nesses territórios, em especial o garimpo, e o combate à violência contra esses povos.

Este é um ano decisivo para o Brasil e para o mundo: ou mudamos a forma de fazer política e como encaramos a Amazônia agora, ou colocaremos o planeta e nosso país na direção de um futuro difícil para todos.

 sobre o(a) autor(a)

Jornalista do Greenpeace Brasil em Manaus. Adora acampar e o cheiro da floresta depois da chuva. Ama sua filha, dormir, cozinhar e contar histórias, nessa ordem.

Focos de calor na Amazônia têm maior número para agosto desde 2010

Greenpeace Brasil 

 Número é 18%  maior que o registrado no ano passado e moratória do fogo mostra-se mais uma vez ferramenta inútil de combate ao crime ambiental

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), realizado e 30 de agosto de 2022, em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias. (Nilmar Lage/Greenpeace) © Nilmar Lage/Greenpeace

Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (1º), mostram que agosto registrou 33.116 focos de calor no bioma Amazônia – todos ilegais, já que desde 23 de junho está em vigor o Decreto Nº 11.100  que proíbe o uso do fogo na Amazônia e Pantanal. 

O número alarmante mostra que não existe uma política séria de combate ao desmatamento e queimadas na Amazônia que, além de destruir a rica biodiversidade da floresta, enchem as cidades da região de fumaça e fuligem. 

“Realizamos um sobrevoo de monitoramento de queimadas e desmatamento na região onde convergem os estados do Amazonas, Acre e Rondônia (Amacro), e flagramos o maior desmatamento da Amazônia no último ano: cerca de 8 mil hectares, equivalente a 11 mil campos de futebol queimando. Participo desses monitoramentos há mais de dez anos, e nunca tinha visto um desmatamento tão grande e também com tanta fumaça”, relata Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Do total de focos de calor do ano registrados até 31 de agosto – 46.022, houve um aumento de 16,7% em relação ao ano passado, maior número acumulado para o período desde 2019. Desse total, 43% ocorreram apenas em dez municípios da Amazônia, sendo cinco deles localizados na região da Amacro, considerada a nova fronteira de expansão da economia da destruição na Amazônia e que vem acelerando as taxas de desmatamento e queimadas.

Fonte: BDQueimadas/Inpe

Outro fator relevante é o avanço das queimadas em terras públicas. Do total de focos de calor, 13,8% ocorreram em Unidades de Conservação (UCs), e 5,9%, em Terras Indígenas (TI). Outro dado que preocupa é que mais de 10.600 queimadas, cerca de ¼ do total, ocorreram em florestas públicas não destinadas. Mais um indício do avanço da grilagem. 

“Ao invés do poder Executivo e dos parlamentares estarem focados em conter os impactos da destruição da Amazônia sobre a população e o clima e em combater o crime que avança na floresta, tentam aprovar projetos que irão acelerar ainda mais o desmatamento, os conflitos no campo e a invasão de terras públicas. Nosso país não precisa da aprovação destes projetos, mas sim de uma política que promova um real avanço no combate ao desmatamento, queimadas, grilagem de terras e que defenda os povos da floresta”, afirma Rômulo.

O desmatamento da Amazônia não só destrói nossas riquezas naturais e a saúde de quem vive perto da floresta, mas também a imagem e a economia do país. Atualmente, a mudança do uso do solo – o desmatamento – é responsável por 46% das emissões de gases do efeito estufa do Brasil (SEEG). Acabar com o desmatamento deveria ser uma prioridade de governos e do próprio setor produtivo do Brasil, pois o desmatamento afeta toda a sociedade. 

Wednesday, August 17, 2022

Violência contra os povos indígenas: invasões e exploração ilegal aumentam pelo sexto ano seguido

Jorge Eduardo Dantas  

Em 2021, foram registrados 305 casos, quase três vezes mais do que o registrado em 2018

Protesto feito na Marcha das Mulheres Indígenas, ocorrida em setembro de 2021 em Brasília (DF). Foto: Hellen Loures/CIMI

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) lançou nesta quarta-feira (17) a mais recente edição de seu relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, que é publicado todos os anos e compila dados sobre violações aos direitos dos povos originários de nosso país. Desta vez, o documento trouxe dados de 2021 e revela o que quem acompanha o assunto verifica na prática: o terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro representou o agravamento de um cenário que já era muito difícil e violento para os indígenas brasileiros

O relatório registrou aumento em 15 dos 19 tipos de violência mapeados pelos técnicos do CIMI. Foram registrados 176 assassinatos de indígenas em 2021 – apenas seis a menos que em 2020, o ano com o maior número de registros deste tipo de crime. Entre 2015 e 2019, a média era de 123 indígenas assassinados por ano. Em 2021 registrou-se também o maior número de suicídios indígenas dos últimos oito anos, com 148 ocorrências.

Clique aqui para acessar o relatório

Hoje, 62% das Terras Indígenas reclamadas pelos povos ainda não foram demarcadas. Foto: Hellen Loures/CIMI

Foram reunidos no relatório dados sobre “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”. Em 2021, foram registrados 305 casos do tipo – quase três vezes o que foi verificado em 2018. Este é o sexto ano consecutivo de aumento deste tipo de violência. Ano passado, 226 Terras Indígenas, em 22 estados diferentes, registraram invasões e exploração ilegal. Em 2020, foram registrados 263 casos.

Casos como o dos povos Yanomami, em Roraima, e Munduruku, no Pará, mostram bem o aumento da truculência perpetrada por garimpeiros, madeireiros e grileiros dentro dos territórios.

Na aldeia Yanomami Palimiú, integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC envolvidos com o garimpo desferiram tiros contra comunidades, instaurando um clima de terror. Houve pelo menos 16 ataques do tipo na região. Duas crianças morreram afogadas após serem arrastadas pela correnteza de uma draga que operava em frente a uma comunidade. O povo Munduruku, por sua vez, teve a sede de sua associação de mulheres atacada, lideranças recebendo ameaças de morte e uma delas, Maria Leusa, chegou a ter sua casa incendiada. Nos dois territórios, o aumento da atividade garimpeira foi aterrador e implacável – foram ao menos 44 territórios originários que registraram danos causados pelo garimpo em 2021.

Violência religiosa

Por conta da relação diferenciada que os povos indígenas têm com seus territórios, vale lembrar que a não demarcação de Terras Indígenas é em si uma violência. De acordo com o CIMI, das 1.393 Terras Indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos que não contam com nenhuma providência do poder público para dar início ao processo de demarcação.

A violência religiosa também foi mapeada pelo CIMI – cinco casos de queima de Casas de Reza ocorreram ano passado: quatro no Mato Grosso do Sul, envolvendo os povos Guarani e Kaiowá; um no Rio Grande do Sul, envolvendo os Guarani Mbya.

Feminicídios

Os registros de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 355 casos – maior número verificado desde 2013, quando houve uma mudança na metodologia da compilação dos dados. Em 2020, foram 304 casos. Os estados que registraram maior número de assassinatos foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32). 

Para exemplificar esta violência, o relatório lembra dos assassinatos do professor Isac Tembé, morto por policiais militares enquanto caçava numa área próxima ao seu território; e Didi Tembé, também morto a tiros, após ser perseguido, em outro episódio que ainda não foi totalmente explicado. O povo Tembé habita a Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará.

Não é possível esquecer também do que ocorreu com Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de 11 anos; e a Kaingang Daiane Griá Sales, de 14 anos. Ambas foram estupradas e mortas de maneiras cruéis e suas mortes causaram grande indignação por todo o país. Esses feminicídios motivaram manifestações da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Os técnicos do CIMI chamaram atenção para a crueldade das mortes registradas em 2021. Foto: Hellen Loures/CIMI

Povos Isolados

O CIMI registrou ainda 847 mortes de indígenas por covid-19, grande parte delas em cidades, acampamentos e retomadas. O relatório chamou a atenção para o elevadíssimo número de subnotificações neste tipo de ocorrência – visto que a Secretaria Especial de Saúde (Sesai) se recusou por um bom tempo a atender indígenas não-aldeados, desobedecendo uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). 

O governo Bolsonaro também ameaçou de maneira grave os povos isolados: algumas portarias de restrição de uso vêm sendo renovadas por períodos muito curtos, de apenas seis meses. Existem também portarias que não foram renovadas, como a referente à Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, que está sem proteção desde dezembro de 2021. Além disso, 28 Terras Indígenas que apresentam sinais de povos isolados registraram sinais de invasão ano passado. 

Política deliberada

Vale lembrar que essas violências não ocorrem ao acaso: elas são resultado de uma política deliberada de desrespeito e atentado aos direitos dos povos indígenas. Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma Terra Indígena – descumprindo seu dever constitucional de zelar e defender esses territórios. Ele é o primeiro presidente após a redemocratização a fazer isso. Além disso, suas falas permissivas com os crimes ambientais empoderam criminosos, que intensificaram o nível de violência praticado dentro das Terras Indígenas.

No âmbito legislativo, os povos originários lutam contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que abre as terras já demarcadas à exploração predatória; e o PL 191/2020, que pretende liberar a mineração dentro dos territórios ancestrais. Isso sem falar na mobilização contra o Marco Temporal, que prossegue no Supremo Tribunal Federal (STF).  

É importante mencionar também o caráter autoritário do governo, que tentou criminalizar lideranças indígenas por meio da Polícia Federal ano passado; e o aparelhamento da Funai, que passou de entidade protetora dos indígenas para se ocupar da tentativa de abrir as riquezas naturais desses territórios para a iniciativa privada.

Genocídio

No lançamento do relatório, num evento ocorrido em Brasília (DF), o líder indígena Adriano Karipuna, de Rondônia, falou da situação vivida hoje pelos povos tradicionais no Brasil: “É com muita tristeza que nós, os Karipuna, viemos mais uma vez denunciar a situação que acontece no nosso território. Denunciamos desde 2017 as invasões de grileiros e madeireiros. Eles já fizeram inúmeras ameaças, de que vão invadir as aldeias e matar nosso povo. Já acionamos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não se faz nada. A quem podemos pedir socorro?”.

Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou: “Lançar este relatório é sobretudo acreditar na verdade. Para construir a democracia que queremos, precisamos combater a mentira e as fake news. Então trazer esses dados e organizar essas informações é acreditar e apostar na verdade, doa a quem doer”.

Friday, August 12, 2022

Alertas de desmatamento de julho na Amazônia fecham mais um ano de destruição


 Greenpeace Brasil

De agosto de 2021 a julho deste ano, o monitoramento do sistema Deter, do Inpe, identificou 8.590 km² de alertas de desmatamento na Amazônia

Porto Velho, Rondônia. O Greenpeace realizou sobrevoos no sul do Amazonas e no norte de Rondônia para monitorar desmatamento e queimadas na Amazônia em julho de 2022. © Christian Braga / Greenpeace

Dados do sistema DETER, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados hoje (12), apontam para 1.487 km² de alertas de desmatamento no mês de julho na Amazônia. Trata-se do 4° maior número da série histórica, perdendo só para os anos anteriores do atual governo.

No acumulado de 1° de agosto 2021 a 31 de julho 2022,  período em que a taxa anual do desmatamento é medido, os alertas apontaram para uma área total desmatada de 8.590  km², uma pequena queda de 2% em relação ao ano passado. Analisando os últimos três anos, entretanto, foram em média 8.862 km² de alertas por ano, área 65,6 % maior que os 5.351 km² de média dos três anos anteriores.  

“O que chamou atenção nos sobrevoos que realizamos neste último ano, além do avanço do desmatamento, é a quantidade de grandes áreas desmatadas em terras públicas não destinadas, em propriedades privadas e até mesmo em áreas protegidas. Isso reitera que o desmatamento da Amazônia não é fruto da pobreza e do desespero de pessoas em situação de grande vulnerabilidade. Trata-se de esquema organizado, patrocinado por grandes proprietários e grileiros de terra que sentem-se  protegidos pelo derretimento das políticas de proteção ambiental e combate ao desmatamento que ocorreram nos últimos anos”, afirma Rômulo Batista, porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil. 

Rômulo refere-se ao alto custo para realizar o desmatamento e a queimada de grandes áreas. A Amazônia não pega fogo sozinha, o fogo tem quase sempre origem na ação humana, que o utiliza no processo de desmatamento, para queimar restos da floresta desmatada ou enfraquecer áreas degradadas. O processo para se desmatar uma grande área pode levar meses. Mas o rápido desmatamento e queimada de grandes áreas necessita de grande investimento, custando em média R$2 mil por hectare. 

No período de 1° agosto 2021 a 31 de julho 2022,  os estados que mais desmataram foram o Pará, que registrou 3.072 km² (35,7% do total), seguido pelo Amazonas com 2.292 km² (26,7% do total) e Mato Grosso, com 1433 km². 

Lábrea e Apuí, ambos no sul do Amazonas, foram os municípios que mais registraram alertas de desmatamento no período (571 e 566, respectivamente). Seguidos de Altamira, no Pará, e Porto Velho, em Rondônia, que junto com os municípios do sul do Amazonas, está em uma das mais quentes fronteiras da destruição no momento.

Dados de 1 de agosto de 2021 a 31 de julho de 2022 do Deter/Inpe, por município.

Apesar da pequena queda no acumulado dos últimos 12 meses, tivemos seis meses onde os dados do sistema DETER-B de alertas de desmatamento foram recorde desde 2016, ano do início de sua operação. Além do atual cenário de destruição ambiental, avançam também no Congresso projetos de lei que dão ao povo brasileiro ainda mais motivos para se preocupar, tal como o 2633/2020, que anistia grileiros, e o PL 490/2007, que abre terras indígenas para atividades predatórias, acrescentam mais uma camada de pressão sobre nossas florestas. 

“Ao invés do poder executivo e dos parlamentares estarem focados em conter os impactos da destruição da Amazônia sobre a população e o clima, no combate ao crime que avança na floresta, e que não só destrói nossas riquezas naturais, mas também a imagem e a economia do país, eles tentam aprovar projetos que irão acelerar ainda mais o desmatamento, os conflitos no campo e a invasão de terras públicas, afirma Rômulo Batista.

O Brasil precisa enfrentar o desmatamento da Amazônia de uma vez por todas, e não de projetos que enfraquecem a proteção da floresta. É hora de avançar em políticas que promovam um real combate ao desmatamento, queimadas e grilagem de terras e que defenda os povos da floresta, com dignidade para todos. Isso é o mínimo.

 

Tuesday, August 9, 2022

TOP 6: Principais problemas da tese do Marco Temporal

Jorge Eduardo Dantas  

Medida ameaça os povos indígenas, a biodiversidade e a segurança climática do Brasil

Protest Against Illegal Mining in Indigenous Lands in Brazil. © Diego Baravelli / Greenpeace
Nos últimos anos, os povos indígenas têm reforçado suas ações de resistência © Diego Baravelli / Greenpeace

A tese do Marco Temporal é uma das principais ameaças que existem hoje contra os povos indígenas do Brasil. Por meio dela, a bancada ruralista no Congresso Nacional e os setores ligados ao agronegócio querem estabelecer uma data a partir de quando um determinado território pode ou não ser considerado terra indígena. 

Essa ideia, que não encontra respaldo na legislação brasileira, está presente hoje no Projeto de Lei 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados e faz parte do #PacotedaDestruição que os ruralistas querem aprovar; e no Supremo Tribunal Federal (STF), na forma de um julgamento que foi adiado em junho último e ainda não tem previsão de voltar à pauta. 

Conheça agora alguns argumentos para entender por que o marco temporal é uma péssima ideia:

1 – O MARCO TEMPORAL É INCONSTITUCIONAL 

A tese do Marco Temporal afronta diretamente o artigo 231 da Constituição Federal – e por isso precisa ser rejeitada por toda a população brasileira! Neste artigo, o texto da Carta Magna fala em “direitos originários” dos povos indígenas – ou seja, o direito desses povos é anterior à formação do Brasil. Por isso, a história de colocar uma data a partir de quando os direitos indígenas seriam válidos não faz sentido e não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico. Ou seja: o que os ruralistas estão propondo é ilegal!  

A Assembleia Constituinte de 1988 foi muito clara no sentido de reconhecer a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições dos povos originários – assim como os direitos originários sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam.

2 – O MARCO TEMPORAL FRAGILIZA DIREITOS CONQUISTADOS

Vivemos num período de muitos retrocessos e o surgimento da tese do Marco Temporal no debate público é parte desse processo – de sobrepor os interesses de uns em detrimento dos direitos de outros. Não podemos concordar com isso! A ideia do Marco Temporal, no final das contas, busca retirar direitos indígenas, abrindo um precedente perigoso em tempos tão sombrios para a política brasileira. Vamos assistir a isso calados? 

3 – O MARCO TEMPORAL DESTRÓI A POLÍTICA DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL 

Juristas ligados à causa indígena são unânimes em dizer: caso a tese do Marco Temporal seja aceita – ou seja, caso ela passe no Congresso ou seja julgada procedente no STF – diversos territórios indígenas demarcados e consolidados hoje podem sofrer processos de revisão. Essa medida aumentaria o caos fundiário que existe no Brasil hoje e acirraria conflitos por todo o País, como aquele vivenciado pelos povos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul. Assim, toda a experiência, acúmulo, jurisdição e técnicas utilizadas há décadas para os processos de demarcação seriam perdidos e inutilizados. 

Vale lembrar ainda que esse é um tema no qual o Brasil ainda fica devendo: hoje, 832 terras indígenas, por todo o País, aguardam providências do poder público para sua regularização (o que equivale a 64% de um total de 1299 terras indígenas). Mas o lobby do agronegócio é forte e o governo Bolsonaro não demarcou uma única terra indígena desde 2019 – ele é o primeiro presidente do Brasil, após a redemocratização, a desrespeitar os direitos indígenas de maneira tão direta e ostensiva.

4 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA A SOBREVIVÊNCIA DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

É sabido que os povos indígenas possuem uma relação muito particular e distinta com os territórios em que habitam. Na cosmologia de muitas populações, os rios, as montanhas, as cavernas e florestas têm lugar específico, e ajudam aquele povo a entender e encontrar seu lugar no mundo. Por isso, retirá-los de certos locais, contaminar rios, demolir morros e abrir estradas é tão danoso para a cultura desses grupos. Aceitando a tese do Marco Temporal, as terras indígenas ficariam ameaçadas e diversas aldeias e comunidades começariam a lidar com grandes obras, como hidrelétricas, superpopulação e crimes como exploração de trabalho escravo, exploração sexual infanto-juvenil, caça e pesca ilegal. Isso ameaça a vida e cultura desses povos, seu tecido social, as relações com seus ambientes e, num grau acima, suas vidas. É por isso que precisamos tanto proteger as terras indígenas e exigir demarcações: sem a garantia de seus territórios, os povos indígenas têm muitos problemas para garantir sua sobrevivência e a manutenção de suas culturas

5 – O MARCO TEMPORAL COLOCA EM RISCO AS FLORESTAS BRASILEIRAS  

De acordo com o projeto Mapbiomas, nos últimos 30 anos, apenas 1,6% de toda a perda de vegetação nativa ocorrida no Brasil aconteceu dentro de terras indígenas – mostrando que esses espaços proporcionam um alto nível de proteção às nossas florestas. Não podemos colocar isso em risco! Aceitar a tese do Marco Temporal vai provocar uma corrida pelos recursos da floresta, ameaçando a vida e a biodiversidade de nosso país. E não podemos esquecer do papel fundamental que a Amazônia, em especial, desempenha no cenário de crise climática em que vivemos hoje, estocando carbono que, de outra maneira, seria lançado na atmosfera e agravaria a ocorrência de eventos extremos por todo o mundo. Por isso o mundo olha com atenção às políticas ambientais do Brasil – e o péssimo desempenho do governo Bolsonaro nesse quesito já tem causado impactos significativos para a política e economia de nosso país.

6 – O MARCO TEMPORAL AMEAÇA MAIS DE 100 POVOS ISOLADOS 

O Brasil possui hoje 115 povos indígenas isolados – 114 deles na Amazônia. São populações que optaram por viver em isolamento voluntário e ter pouco contato com a civilização ocidental. A maior parte desses povos vive dentro de terras indígenas, que foram criadas justamente para protegê-los e permitir que eles tivessem um espaço onde pudessem sobreviver e manter suas culturas. Mexer na política de demarcação de territórios ameaça de maneira muito séria a sobrevivência física e cultural desses povos e empobrece culturalmente o Brasil – que coleciona, por meio dessas populações, uma série de cosmologias, visões de mundo, costumes e tradições que só existem aqui. Bruno Pereira, o indigenista assassinado em junho no Vale do Javari (AM) e cuja morte chocou o mundo, trabalhava justamente com a proteção desses povos, por entender a necessidade de proteger essas pessoas e garantir a elas o seu direito de existir. Não podemos brincar com isso!

No mês de abril, em Brasília (DF), lideranças indígenas protestaram contra os prejuízos que o garimpo ilegal de ouro leva aos territórios © Tuane Fernandes / Greenpeace

Sunday, August 7, 2022

Repúdio à tentativa de extinguir Parque Estadual Cristalino II no MT

Greenpeace Brasil 

 O parque, de 118 mil hectares, protege uma região com grande número de espécies endêmicas. Ação por sua extinção foi movida por empresa agropecuária

Floresta protegida pelo Parque Estadual Cristalino, no Mato Grosso, guarda uma enorme biodiversidade endêmica. © Greenpeace / Daniel Beltrá

Esta semana, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) do Mato Grosso foi notificada a cumprir uma decisão judicial para extinguir o Parque Cristalino II, na divisa do estado com o Pará. “A extinção da unidade de conservação localizada no bioma amazônico é mais um dos diversos ataques que as áreas protegidas no Estado vêm sofrendo e pode representar um precedente perigoso”, destaca a nota emitida pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), endossada pelo Greenpeace Brasil.

O Parque Estadual Cristalino II foi criado pelo decreto do Estado de Mato Grosso nº 2.628, em 30 de maio de 2001. A área protegida possui 118 mil hectares e é considerada uma das mais ricas em biodiversidade da Amazônia brasileira, com grande concentração de espécies endêmicas. A região tem grande relevância também, devido a sua localização, no meio do arco do desmatamento. 

“É inaceitável perante a emergência climática e crise da biodiversidade mundial sequer considerar a extinção de uma unidade de conservação que traz benefícios para toda a sociedade. O movimento deveria ser o contrário – de criar áreas protegidas e não destruir”, afirma Cristiane Mazzetti, campaigner sênior da campanha de Amazônia do Greenpeace. “Enquanto isso, a grilagem segue avançando sobre nossas terras públicas na esperança de que esse patrimônio, que é de todos, seja privatizado. Bônus para poucos, ônus para toda a sociedade”. 

A ação que pediu a extinção do parque foi movida por uma companhia agropecuária e já havia sido negada duas vezes pela justiça. De acordo com a nota do  Observa-MT, a decisão judicial transitou em julgado sem nenhum recurso judicial interposto, o que demonstra uma inércia do Estado de Mato Grosso na defesa de suas áreas de preservação.

“Os conflitos de interesse relacionados à área da Unidade de Conservação são historicamente conhecidos, especialmente os ligados às atividades produtivas do entorno. Contudo, os problemas não foram tratados de forma responsável pelas autoridades estaduais que poderiam ter adotado medidas mitigadoras e mediadoras, inclusive com direcionamento de recursos de compensação de grandes empreendimentos instalados na região, mas ao contrário preferiu acolher a decisão do Tribunal sem ânimo para propor a reação devida nas vias judiciais”.

O Observa-MT,  junto às assessorias jurídicas das entidades que compõem o observatório, estuda meios judiciais para suspender os efeitos da decisão.

Região tem extrema relevância para a biodiversidade

Em 2021, o pesquisador Leo Lanna, um dos contemplados pelo Programa Tatiana de Carvalho de Pesquisa e Conservação da Amazônia do Greenpeace Brasil, realizou a expedição “Austral: Mantis da Amazônia” na região, onde ele já identificou ao menos três novas espécies de louva-a-deus. 

O biólogo ressalta a relevância da região, por ter uma ecologia única e em uma área extremamente ameaçada. “Esse parque, junto aos outros parques que tem ali adjacentes, protegem uma das últimas áreas de floresta amazônica preservada nessa região norte do Mato Grosso, que é uma região riquíssima em biodiversidade, com muito endemismo, com espécies únicas da região”.

As pesquisas da expedição Austral foram realizadas na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Cristalino, uma reserva privada, na mesma floresta contínua protegida pelos  parques estaduais Cristalino I e II. 

Lvcas Fiat e Leo Lanna em exploração noturna nas florestas da RPPN Cristalino, em busca dos louva-a-deus. (Projeto Mantis)

Segundo Lanna, a floresta da região possui uma rica diversidade de espécies, onde se misturam “a fauna que tem a ver mais com o lado peruano da Amazônia, com a fauna que tem a ver com o lado leste que é mais pra região do Pará e ela ainda é uma zona de transição entre Cerrado e Amazônia que eles chamam de ecótono cerrado Amazônia”.

Sem consulta aos povos da floresta, Ibama dá licença para BR-319

https://www.greenpeace.org/brasil/author/gpbrasil/

 Em posicionamento, Observatório BR-319 ressalta os vícios do processo, falta de governança e de transparência, além do subdimensionamento dos impactos socioambientais

Agosto começa com um dos maiores desafios que a questão socioambiental já enfrentou nos últimos tempos: a liberação da Licença Prévia (LP) para o Trecho do Meio da rodovia BR-319. A medida, que é ao mesmo tempo o maior avanço que o processo de licenciamento da rodovia teve nos últimos 15 anos, também é um dos maiores retrocessos em termos de respeito aos direitos dos povos da floresta e à democracia. Isso porque a LP foi emitida sem a consulta prévia, livre e informada das populações mais vulneráveis aos impactos da repavimentação da BR-319, que são os povos indígenas e comunidades tradicionais, extrativistas e ribeirinhas.

A LP foi expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na quinta-feira (28/07), para a criação de projetos para obras no Trecho do Meio (entre os quilômetros 250 e 655,7) da BR-319.

“Salta aos olhos a violação dos direitos dos povos da floresta no processo de licenciamento das obras da BR-319. A gestão pública não pode cometer os mesmos erros do passado, na década de 1970, e ignorar indígenas e comunidades tradicionais. Isso coloca em risco o bom andamento do processo e abre brechas para judicializações e mais atrasos”, avalia a secretária-executiva do Observatório BR-319 (OBR-319), Fernanda Meirelles.

“Além disso, vemos com grande preocupação a emissão da Licença Prévia neste momento de disputa eleitoral. A decisão tem evidente motivação política e eleitoreira”, completa Meirelles. 

O diretor da WCS Brasil, organização membro do OBR-319, Carlos César Durigan, diz que é impossível concordar com a viabilidade ambiental concedida pela LP.

“Ainda existem pontas soltas no processo todo e, neste caso específico, basicamente não temos garantias das agências ambientais sobre as ações de fiscalização, controle e monitoramento, nem da obra em si e seus impactos diretos. Muito menos dos tantos problemas já registrados e relatados às instituições envolvidas, como tem sido o caso de abertura de ramais, ocupação de terras públicas destinadas – Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs) – e não destinadas, que têm levado a uma explosão da degradação e desmatamento em toda a área de influência da BR-319”, diz Durigan. 

Para o porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista, a decisão acrescenta uma camada extra de pressão sobre a região, que já vem enfrentando um aumento vertiginoso no desmatamento e na grilagem de terra nos últimos anos.

“Só no Amazonas o desmatamento aumentou em 55% no último ano, segundo o Prodes. Se a possibilidade de criação de um polo agropecuário na região onde convergem os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, já vem gerando essa corrida, a perspectiva da estrada colocará ainda mais gasolina na situação, que já está quente na região, e sem que o Estado esteja devidamente preparado para reagir a isso. É algo que já vimos antes, na BR-163 por exemplo, e corremos o risco de ver novamente agora”, diz. 

É importante deixar claro que o Observatório BR-319 não é contra a reconstrução da rodovia, mas se posiciona na defesa de um processo de licenciamento transparente, democrático e inclusivo, que ouça e dê voz a quem mora em territórios tradicionalmente ocupados ao longo da rodovia e que sofrerá as piores consequências de um processo marcado por violações. 

Também é importante que a sociedade não se deixe levar por narrativas enganosas, que colocam ambientalistas, cientistas e outros como vilões e inimigos do progresso. Entra governo e sai governo, a gestão das obras da BR-319 é deliberadamente confusa, irresponsável e incompetente, por isso elas atrasam, porque não cumprem a lei e deixam brechas para a judicialização do processo. Para deixar claro e embasado o que pensa o Observatório BR-319, o coletivo emitiu uma nota de posicionamento que explica pontos fundamentais dessa situação. 

OBR-319

O Observatório BR-319 é formado pelas organizações Casa do Rio, CNS (Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas), Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), FAS (Fundação Amazônia Sustentável), FVA (Fundação Vitória Amazônica), Greenpeace Brasil, IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), Opan (Operação Amazônia Nativa), Transparência Internacional Brasil, WCS Brasil e WWF-Brasil.