Wednesday, August 17, 2022

Violência contra os povos indígenas: invasões e exploração ilegal aumentam pelo sexto ano seguido

Jorge Eduardo Dantas  

Em 2021, foram registrados 305 casos, quase três vezes mais do que o registrado em 2018

Protesto feito na Marcha das Mulheres Indígenas, ocorrida em setembro de 2021 em Brasília (DF). Foto: Hellen Loures/CIMI

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) lançou nesta quarta-feira (17) a mais recente edição de seu relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”, que é publicado todos os anos e compila dados sobre violações aos direitos dos povos originários de nosso país. Desta vez, o documento trouxe dados de 2021 e revela o que quem acompanha o assunto verifica na prática: o terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro representou o agravamento de um cenário que já era muito difícil e violento para os indígenas brasileiros

O relatório registrou aumento em 15 dos 19 tipos de violência mapeados pelos técnicos do CIMI. Foram registrados 176 assassinatos de indígenas em 2021 – apenas seis a menos que em 2020, o ano com o maior número de registros deste tipo de crime. Entre 2015 e 2019, a média era de 123 indígenas assassinados por ano. Em 2021 registrou-se também o maior número de suicídios indígenas dos últimos oito anos, com 148 ocorrências.

Clique aqui para acessar o relatório

Hoje, 62% das Terras Indígenas reclamadas pelos povos ainda não foram demarcadas. Foto: Hellen Loures/CIMI

Foram reunidos no relatório dados sobre “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”. Em 2021, foram registrados 305 casos do tipo – quase três vezes o que foi verificado em 2018. Este é o sexto ano consecutivo de aumento deste tipo de violência. Ano passado, 226 Terras Indígenas, em 22 estados diferentes, registraram invasões e exploração ilegal. Em 2020, foram registrados 263 casos.

Casos como o dos povos Yanomami, em Roraima, e Munduruku, no Pará, mostram bem o aumento da truculência perpetrada por garimpeiros, madeireiros e grileiros dentro dos territórios.

Na aldeia Yanomami Palimiú, integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC envolvidos com o garimpo desferiram tiros contra comunidades, instaurando um clima de terror. Houve pelo menos 16 ataques do tipo na região. Duas crianças morreram afogadas após serem arrastadas pela correnteza de uma draga que operava em frente a uma comunidade. O povo Munduruku, por sua vez, teve a sede de sua associação de mulheres atacada, lideranças recebendo ameaças de morte e uma delas, Maria Leusa, chegou a ter sua casa incendiada. Nos dois territórios, o aumento da atividade garimpeira foi aterrador e implacável – foram ao menos 44 territórios originários que registraram danos causados pelo garimpo em 2021.

Violência religiosa

Por conta da relação diferenciada que os povos indígenas têm com seus territórios, vale lembrar que a não demarcação de Terras Indígenas é em si uma violência. De acordo com o CIMI, das 1.393 Terras Indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos que não contam com nenhuma providência do poder público para dar início ao processo de demarcação.

A violência religiosa também foi mapeada pelo CIMI – cinco casos de queima de Casas de Reza ocorreram ano passado: quatro no Mato Grosso do Sul, envolvendo os povos Guarani e Kaiowá; um no Rio Grande do Sul, envolvendo os Guarani Mbya.

Feminicídios

Os registros de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 355 casos – maior número verificado desde 2013, quando houve uma mudança na metodologia da compilação dos dados. Em 2020, foram 304 casos. Os estados que registraram maior número de assassinatos foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32). 

Para exemplificar esta violência, o relatório lembra dos assassinatos do professor Isac Tembé, morto por policiais militares enquanto caçava numa área próxima ao seu território; e Didi Tembé, também morto a tiros, após ser perseguido, em outro episódio que ainda não foi totalmente explicado. O povo Tembé habita a Terra Indígena Alto Rio Guamá, no Pará.

Não é possível esquecer também do que ocorreu com Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de 11 anos; e a Kaingang Daiane Griá Sales, de 14 anos. Ambas foram estupradas e mortas de maneiras cruéis e suas mortes causaram grande indignação por todo o país. Esses feminicídios motivaram manifestações da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Os técnicos do CIMI chamaram atenção para a crueldade das mortes registradas em 2021. Foto: Hellen Loures/CIMI

Povos Isolados

O CIMI registrou ainda 847 mortes de indígenas por covid-19, grande parte delas em cidades, acampamentos e retomadas. O relatório chamou a atenção para o elevadíssimo número de subnotificações neste tipo de ocorrência – visto que a Secretaria Especial de Saúde (Sesai) se recusou por um bom tempo a atender indígenas não-aldeados, desobedecendo uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). 

O governo Bolsonaro também ameaçou de maneira grave os povos isolados: algumas portarias de restrição de uso vêm sendo renovadas por períodos muito curtos, de apenas seis meses. Existem também portarias que não foram renovadas, como a referente à Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, que está sem proteção desde dezembro de 2021. Além disso, 28 Terras Indígenas que apresentam sinais de povos isolados registraram sinais de invasão ano passado. 

Política deliberada

Vale lembrar que essas violências não ocorrem ao acaso: elas são resultado de uma política deliberada de desrespeito e atentado aos direitos dos povos indígenas. Jair Bolsonaro não demarcou nenhuma Terra Indígena – descumprindo seu dever constitucional de zelar e defender esses territórios. Ele é o primeiro presidente após a redemocratização a fazer isso. Além disso, suas falas permissivas com os crimes ambientais empoderam criminosos, que intensificaram o nível de violência praticado dentro das Terras Indígenas.

No âmbito legislativo, os povos originários lutam contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que abre as terras já demarcadas à exploração predatória; e o PL 191/2020, que pretende liberar a mineração dentro dos territórios ancestrais. Isso sem falar na mobilização contra o Marco Temporal, que prossegue no Supremo Tribunal Federal (STF).  

É importante mencionar também o caráter autoritário do governo, que tentou criminalizar lideranças indígenas por meio da Polícia Federal ano passado; e o aparelhamento da Funai, que passou de entidade protetora dos indígenas para se ocupar da tentativa de abrir as riquezas naturais desses territórios para a iniciativa privada.

Genocídio

No lançamento do relatório, num evento ocorrido em Brasília (DF), o líder indígena Adriano Karipuna, de Rondônia, falou da situação vivida hoje pelos povos tradicionais no Brasil: “É com muita tristeza que nós, os Karipuna, viemos mais uma vez denunciar a situação que acontece no nosso território. Denunciamos desde 2017 as invasões de grileiros e madeireiros. Eles já fizeram inúmeras ameaças, de que vão invadir as aldeias e matar nosso povo. Já acionamos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não se faz nada. A quem podemos pedir socorro?”.

Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou: “Lançar este relatório é sobretudo acreditar na verdade. Para construir a democracia que queremos, precisamos combater a mentira e as fake news. Então trazer esses dados e organizar essas informações é acreditar e apostar na verdade, doa a quem doer”.

No comments:

Post a Comment

Note: Only a member of this blog may post a comment.