Acompanhamos a incursão de pesquisadores de botânica nas florestas de Manicoré, em sua busca por conhecer a diversidade de plantas da região, e encontramos um mundo novo
O crepúsculo se aproximava quando deixamos apressados a floresta. Havíamos passado cerca de quatro horas sob a mata alta, embora não tivéssemos avançado mais do que um quilômetro floresta adentro. Um avanço lento, mas de qualidade.
Na saída da trilha, disse para Alberto Vicentini, o Beto, pesquisador de botânica e professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que nunca tinha vivenciado uma experiência como aquela. “Você nunca caminhou pela floresta?”, me perguntou. Respondi que já tinha caminhado pela floresta, mas nunca tinha realmente olhado para ela.
Avançamos lentamente, porque cada folha, cada fungo, cada microrganismo da floresta tinha uma história e estávamos lá, com olhares atentos, para desvendá-las. Dificilmente teria percebido as briófitas, se não fosse pelos olhos de Marta Pereira, pesquisadora gaúcha da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) fascinada pela botânica amazônica e que estuda essas minúsculas plantas que habitam cada casca de árvores da floresta, que de tão pequenas eram coletadas em envelopes laranja minúsculos, enfiados nos bolsos do colete e das roupas igualmente laranjas da pesquisadora.
“Essa é a serrapilheira. Toda a nutrição da floresta vem daqui. Dizemos que a floresta existe por causa da chuva e a chuva existe por causa da floresta. É a mesma coisa com a serrapilheira, as árvores existem por causa dela e ela existe por causa da floresta. Uma não existe sem a outra”, resume. A dinâmica entre as espécies de um planeta inteiro, resumida em uma caminhada de menos de um quilômetro.
Com um binóculo, Beto observava o dossel da mata, em busca de frutos e flores que pudessem ajudar a identificar as diversas espécies e subespécies de árvores. Raimundo Ribeiro Caetano, da comunidade Parintintin no rio Manicoré, nomeava cada uma como eram conhecidas por aqui, indicando para que eram usadas, a dureza de sua madeira, perfume e a complexidade de seus padrões.
Descobri que existem formas de identificar uma planta: pelo cheiro, por quantas partes se dividem suas folhas, pela disposição dos ramos, pela cor de seus frutos. Mas certos segredos não podem ser vistos a olhos nus. “Tem um estudo que indica que 220 espécies de árvores dominam 50% da Amazônia. Mas geralmente muitas dessas espécies se dividem em espécies diferentes, que podem ter se separado há milhões de anos, e isso só descobrimos com o apoio de laboratório”, explica Beto.
Infelizmente, não são muitos os laboratórios que fazem esse tipo de análise, nem muitos os profissionais capacitados para fazê-las. Sem mencionar o estrangulamento no orçamento para pesquisa e para os institutos e universidades no Brasil nos últimos anos. O que não muda a realidade da floresta: estima-se que 60% das árvores da Amazônia ainda sejam completamente desconhecidas pela humanidade. “Mas com esse desmatamento que a gente tá vendo agora, isso certamente está levando à extinção um bom pedaço dessa diversidade”, afirma.
A Amazônia tem muitas vocações e potenciais ainda pouco explorados, simplesmente porque o que a humanidade tem feito é tentar forçar uma vocação que não é desta terra. Dizem que o solo da Amazônia é pobre, mas só porque para produzir monoculturas na região é preciso alto nível de fertilização do solo.
A verdade é que a Amazônia é a maior representação da importância da biodiversidade, da mistura de espécies e da interação entre elas. E quando desmatamos a floresta, nada mais sobrevive. Nem as plantas, nem os fungos, nem os microrganismos, nem a terra. Sem a interação entre as diversas espécies de plantas e animais, a Amazônia seria um grande deserto.
Olhar para a floresta através das lentes destes pesquisadores me fez ver a Amazônia para além do maciço verde, para além do todo, me fez olhar para o micro. Somos apenas uma parte disso, todos nós somos uma micro parte disso. Juntos e juntas, formamos este organismo pulsante que é a Terra.
sobre o(a) autor(a)
Rosana Villar
Jornalista do Greenpeace Brasil em Manaus. Adora acampar e o cheiro da floresta depois da chuva. Ama sua filha, dormir, cozinhar e contar histórias, nessa ordem
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