Jorge Eduardo Dantas
Nesta quinta (9), o ministro Edson Fachin se manifestou em favor dos direitos indígenas
As mulheres, meninas e anciãs indígenas assumiram esta semana a linha de frente do combate à tese do marco temporal: desde terça-feira (7) ocorre em Brasília (DF) a segunda edição da Marcha das Mulheres Indígenas, um movimento que busca discutir as questões de gênero dentro do movimento indígena, celebrar o papel das mulheres dentro das sociedades originárias e mostrar a força das guerreiras da ancestralidade.
Estão reunidas na capital federal mais de 5 mil lideranças, de 172 etnias diferentes, que dão continuidade à mobilização iniciada em 22 de agosto, no acampamento #LutapelaVida – que hoje, sabemos, foi a maior mobilização indígena dos últimos 30 anos.
Violências
A pauta principal da Marcha é acompanhar o julgamento da tese do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quinta-feira (9), o ministro relator do processo que analisa o Recurso Extraordinário 1.017.365, Edson Fachin, se manifestou contra o marco temporal e a favor dos direitos dos indígenas. Segundo o ministro, uma interpretação da Constituição Federal que “restrinja os direitos fundamentais dos povos indígenas sobre suas terras vai contra a Constituição e o Estado democrático de Direito”.
O ministro Nunes Marques, o segundo a votar, começou a ler seu voto, mas pediu para concluí-lo apenas na próxima sessão, que ocorre na próxima quarta-feira (15).
Ao estabelecer que só podem ser reclamadas como terras indígenas locais em que os indígenas comprovadamente ocupassem em 5 de outubro de 1988, essa tese – apoiada apenas por ruralistas e por interessados na exploração desmedida dos territórios indígenas – comete diversas violências, desconsiderando o tratamento que historicamente os povos indígenas sempre receberam em nosso País: assassinatos, chacinas, genocídios, remoções forçadas e surtos de doenças.
Diversos especialistas afirmam que, além de ameaçar de maneira gravíssima as terras indígenas brasileiras e a sobrevivência de diversos povos (inclusive isolados), essa tese é inconstitucional, por ir contra os artigos 231 da Constituição Federal, que deixa de maneira muito clara os “direitos originários” dos povos indígenas – ou seja, seus direitos são anteriores à própria criação de nosso País ou do estado brasileiro.
Clamor por Justiça
A Marcha das Mulheres ocorre num momento delicado, em que o bolsonarismo promove diversas manifestações pelo País. Em Brasília, não foi diferente: a capital federal foi palco de atos na Esplanada dos Ministérios e depois invadida por caminhoneiros. As lideranças indígenas têm sido assediadas há dias – e desde quarta-feira (8) as marchas que sairiam do local onde as mulheres estão acampadas, nas proximidades da Funarte, estão sendo suspensas ou adiadas por questões de segurança.
“A tese do marco temporal desconsidera e ignora todo o processo histórico de genocídio ocorrido no Brasil. Se a gente não estava no dia 5 de outubro naquele lugar, não é porque não queríamos. É porque fomos expulsos dessas regiões. É inconstitucional não pensar nesse processo de quase genocídio, principalmente na região Sul, onde esse ataque foi muito brutal”, contou Ana Patté, assessora parlamentar, integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e indígena Xokleng – o povo cuja demanda foi judicializada e acabou indo parar no STF, dando origem ao julgamento que várias lideranças afirmam ser o mais importante da história para os povos originários brasileiros.
“Estamos em Brasília clamando por Justiça, pela demarcação das nossas terras, por atendimento básico de saúde e educação. Não queremos garimpo, não queremos exploração, não queremos hidrelétricas em nosso território”, disse Ana.
Ataque à terra
A Marcha das Mulheres Indígenas é promovida pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e tem o apoio da Apib e suas organizações de base. Uma das coordenadoras da Anmiga, Célia Xakriabá, contou que “é muito urgente” que as pessoas entendam a atendam ao chamado dos povos indígenas: “Estamos aqui também contra esse governo conservador, esse governo Bolsonaro. Porque o primeiro indivíduo que esse governo atacou foi a terra. E quando você ataca a terra, você ataca o útero de todas as mulheres indígenas. Se a terra adoece, nós adoecemos também”.
Porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Carolina Marçal disse que existe hoje um projeto muito claro, dos Poderes Executivo e Legislativo, de abrir as terras públicas – incluindo as terras indígenas – para a exploração predatória. “Isso é inaceitável. O trator ruralista que destrói as florestas, destrói vidas e ataca nossos direitos não pode passar. Ele ameaça nosso futuro, as condições de existência desta e das futuras gerações. Por isso é importante apoiar o movimento indígena. Nós do Greenpeace vamos continuar apoiando as lideranças indígenas, resistindo ao ataque e à flexibilização da legislação socioambiental no Brasil”, contou a especialista.
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