Greenpeace Brasil
Entre 2003 e 2019, foram registrados 57 assassinatos de indígenas no estado; não foi encontrada nenhuma sentença condenatória relativa a esses casos
Um estudo publicado esta semana pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), feito em cooperação com Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento (Hivos), mostrou que os povos indígenas do Maranhão têm enormes dificuldades para ter seus direitos e garantias constitucionais reconhecidos pelo Poder Judiciário.
O relatório mostra que existem grandes obstáculos na efetivação dos direitos territoriais indígenas; que os indígenas maranhenses não conseguem acessar seus direitos durante os processos penais; e que existem falhas sistemáticas na prevenção e repressão de homicídios contra indígenas. A pesquisa foi feita com apoio do Greenpeace Brasil, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima).
Leia aqui o relatório ou acesse seu sumário-executivo.
Diante da omissão do Estado brasileiro em cumprir o seu dever constitucional de demarcar e proteger os territórios indígenas, diversos povos têm assumido esse papel. O Greenpeace Brasil, através do projeto Todos os Olhos na Amazônia, apoia este movimento de autodeterminação. Em parceria com a Coiab e a Coapima, por exemplo, já realizamos uma série de oficinas para fortalecer o monitoramento territorial que os Guardiões da Floresta de oito terras indígenas realizam naquela região.
Conflitos
O Estado do Maranhão possui uma dinâmica territorial marcada por conflitos e ameaças a seus povos originários. De acordo com o estudo Towards zero deforestation and forest restoration in the Amazon region of Maranhão state, Brazil, cerca de 75% da Amazônia maranhense já foi desmatada. O Maranhão possui hoje 22 Terras Indígenas demarcadas ou em processo de demarcação – boa parte dela palco de conflitos e disputas.
Os responsáveis pelo estudo fizeram uma pesquisa de jurisprudência que analisou decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da segunda instância do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Além disso, os pesquisadores também investigaram a atuação do Estado nos casos de assassinatos de lideranças (relembre, ao fim do texto, alguns desses casos). Foram analisados inquéritos policiais e processos judiciais.
Entre 2003 e 2019, foram registrados 57 assassinatos de indígenas naquele estado – e pelo menos um terço desses registros (32,3%) estava ligado a conflitos de terra. O povo Guajajara tem sido o mais visado: a cada 10 homicídios indígenas registrados no Maranhão, nada menos que sete são registrados entre representantes deste povo. Os conflitos ocorridos na Terra Indígena Arariboia, que ameaçam a saúde e integridade física dos Awá e dos Guajajara, são motivo de preocupação internacional.
Crimes impunes
De acordo com o estudo, o poder judiciário tem contribuído para dificultar a demarcação de territórios indígenas e ressalta que os municípios estão entre os atores que mais ativam o poder judiciário para impedir a efetivação dos direitos territoriais indígenas.
O documento aponta ainda que crimes ambientais ocorridos dentro de territórios indígenas seguem impunes e os direitos indígenas à autodeterminação e autorrepresentação são sistematicamente desrespeitados. Outros problemas apontados no documento incluem a descaracterização étnica e ocultação do contexto de disputa por trás dos assassinatos.
Falhas
“O relatório revela a impunidade e a situação da violência contra os indígenas no estado do Maranhão. Mostra o quanto os processos latifundiários das terras indígenas estão paralisados e o quanto nossas lideranças têm sido criminalizadas. Ele revela também a forma como o Estado, responsável pela proteção das terras indígenas, tem falhado em todas as esferas”, disse a titular da Coapima, Edilena Krikati.
“O fato de o Estado brasileiro ser omisso em garantir a aplicação dos direitos indígenas garantidos na Constituição não é novo, mas neste atual cenário a situação se agravou”, disse a porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Carol Marçal.
“Este é o primeiro Governo que declara publicamente que não irá cumprir o seu dever constitucional junto aos povos originários. Além disso, promove o ataque aos direitos dos indígenas e estimula a invasão de seus territórios. Este relatório é um lembrete de que precisamos nos manter atentos e continuar mobilizados cobrando do poder público e das autoridades”, declarou a porta-voz.
Ação em rede
Desde 2018, o Greenpeace, juntamente com outros parceiros, vem realizando um projeto focado na proteção territorial de áreas específicas no Norte do Brasil. O “Todos os Olhos na Amazônia” tem como objetivo estimular a ação em rede como estratégia para apoiar a luta de povos indígenas e comunidades tradicionais pela conservação das florestas e de seus territórios tradicionais. Exija a proteção imediata da vida dos povos indígenas e de seus territórios – assim como a retirada do pacote de destruição ambiental atualmente em pauta no Congresso Nacional.
Relembre alguns casos:
Eusébio Ka’Apor – defensor da Terra Indígena Alto Turiaçu, foi assassinado com dois tiros nas costas em abril de 2015. A abertura de inquérito por parte da Polícia Federal ocorreu cinco meses depois do crime. As investigações não foram concluídas até hoje e ninguém foi punido pela morte do líder indígena.
Paulino Guajajara – Membro dos Guardiões da Floresta – um grupo de indígenas voluntários que patrulham áreas protegidas no Maranhão – Paulino foi baleado na cabeça por invasores em 1º de novembro de 2019. Sua morte ocorreu dentro da Terra Indígena Araribóia. Dois suspeitos chegaram a ser identificados, mas ninguém foi punido. Paulino foi nosso aluno no processo formativo no uso de tecnologias para o monitoramento territorial. Assim como todos os Guardiões da Floresta, lutava incansavelmente para proteger seu povo, seu território, seu modo de vida e cultura.
Zezico Guajajara – Diretor de escola e professor, Zezico foi encontrado morto perto de sua aldeia em 23 de março de 2020. Os suspeitos foram presos e ouvidos em audiências que se encerraram em dezembro. Ninguém foi punido. Se contarmos a partir do ano 2000, Zezico é o 19º indígena Guajajara morto por denunciar invasões a terras indígenas no Maranhão.
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